Historia da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal/III

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LIVRO III



D. João III rei. — A nova corte. Influencia dos ministros no negocio da Inquisição. Fanatismo do moço monarcha. Esperanças dos inimigos da raça hebréa. Tolerancia official — Cortes de Torres-novas. Estado moral e administrativo do reino. — Accusações repetidas contra os judaisantes. Inqueritos e delações secretas. Themudo e Firme-fé. — Influencia da Inquisição castelhana. — Manifestações contra os christãos-novos. Desordens em Gouveia e seus resultados. Perseguição em Olivença. — Reacção dos espiritos mais illustrados contra a intolerancia. Gil Vicente e o bispo de Silves. — Resolve-se o estabelecimento de um tribunal da fé. Instrucções ao embaixador em Roma. Difficuldades que ahi se encontram. Obtem-se a prímeira bulla da Inquisição. Suas provisões. Demora na execução e causas do facto. — Lei de 14 de Junho de 1532. Terror dos christãos-novos. Diligencias que fazem para obstar á erecção do novo tribunal. — Excitação produzida pela lei de 14 de Junho. Scenas anarchicas em Lamego. — Os christãos-novos recorrem a Roma, Duarte da Paz enviado como procurador delles. — O papa manda o bispo de Sinigaglia nuncio a Portugal — Caracter do nuncio. — Esforços de Duarte da Paz em Roma e procedimento singular da corte portuguesa. — Breve de 17 d'outubro de 1532 suspendendo a Inquisição. — Enviatura de D. Martinho de Portugal.— Deslealdades mutuas. — Villania de Duarte da Paz. — Estado da lucta nos principios de 1533.


Fallecido D. Manuel em dezembro de 1521, succedeu-lhe D. João, seu filho mais velho, que ainda não contava vinte annos completos. Os chronistas que escreveram debaixo da influencia dos immediatos successores deste principe, tendo diante dos olhos o latejo da censura, pintam-no como dotado de alta intelligencia e de qualidades dignas de um rei. Durante a vida de seu pae muitos havia que o conceituavam como intelectualmente imbecil ou que, pelo menos, o diziam[1]. O proprio D. Manuel mostrara receios do predominio que, em tenra idade, exerciam no seu espirito homens indignos[2]. O que é certo é que, ou por distracção ou por incapacidade, nunca pôde aprender os rudimentos das sciencias e, nem sequer, os da lingua latina[3]. Durante o seu reinado, as questões fradescas figuram sempre entre os mais graves negocios do estado, e, apenas ao sair da infancia, o seu primeiro enlevo foi a edificação de um convento de dominicanos. Eram, digamos assim, presagios que annunciavam um rei inquisidor. Fosse resultado do curto engenho e da ignorancia, fosse vicio da educação, D. João iii era um fanatico. A intolerancia do seu reinado, embora favorecida por diversos incentivos, deveu-se, em nossa opinião, principalmente ao caracter e inclinações do chefe do estado. Os factos relativos ao estabelecimento da Inquisição que vamos narrar provar-nos-hão mais de uma vez a espontaneidade do rei nesta materia e que, por grande que haja sido a preponderancia dos seus ministros nos negocios publicos, no que tocava ás questões religiosas essa preponderancia era subordinada á sua vontade. É certo que os fios da administração, na opocha mais importante daquelle reinado, parece terem estado nas mãos de Pedro d'Alcaçova Carneiro; mas, quando esse facto veio a verificar-se, já o estabelecimento da Inquisição era cousa resolvida, apesar de existirem ainda no poder, ao menos em parte, os ministros que tinham mantido a politica tolerante do reinado antecedente. O secretario de D. Manuel, Antonio Carneiro, que mereceu durante largos annos a sua intima confiança e que continuou a servir o novo rei, quando o cansaço o foi affastando de um cargo que ainda conservou nominalmente por muitos annos, deixou por sucessor seu filho segundo, Pedro d'Alcaçova. Este homem, que achamos, annos depois, dirigindo ao mesmo tempo os negocios mais variados, e cuja actividade parece incrivel[4], collocado juncto de um principe cuja falta de cultura os seus proprios panegyristas não poderam occultar, devia na verdade ser, como numa epocha posterior foi o marquez de Pombal, o rei de facto na resolução das questões mais arduas. Pedro d'Alcaçova parece, até haver excedido o ministro de D. José i numa qualidade excellente para os ambiciosos do poder nas monarchias absolutas. Não ostentava a sua influencia, collocando-se na penumbra do throno e deixando o brilho da importancia e valimento, muitas vezes estereis, a uma nobreza vaidosa e entre esta, áquelles por quem elrei mostrava decisiva predilecção. A influencia do ministro na politica dessa epocha mal se poderia appreciar, se, reduzidos ás memorias historicas, não tivessemos milhares de documentos, não divulgados ainda, para nos darem indubitaveis provas da sua acção immensa no regimen de Portugal. Todas as negras manchas, porém, que affeiam o governo de D. João iii poderão attribuir-se-lhe, menos a da fundação do horrivel tribunal da fé. Nesta parte, embora a acção material partisse delle, o impulso vinha do monarcha. As resistencias dos christãos-novos foram, como vamos ver, longas e tenazes. Uma vontade inabalavel, que resumia em si milhares de odios, luctou por mais de vinte anos com essas resistencias e venceu-as. Por fim, o dominio absoluto do potro, da polé e da fogueira estabeleceu-se incontrastavelmente na região das crenças religiosas, prevalecendo sobre a doutrina evangelica da tolerancia e da liberdade. Sente-se nesse variado drama de enredos politicos e atrocidades que uma idéa constante dirigia a corte de Portugal. Mas esta idéa era de D. João III, incitado pelo proprio fanatismo e dominado pelos frades. A intelligencia superior de Pedro d'Alcaçova não fazia, provavelmente, senão condescender com a fraqueza do rei e attender só, no meio da immensa corrupção daquella epocha, a propria conveniencia, acceitando todas as torpezas que vamos encontrar na obra impia do estabelecimento do Sancto-Officio, para assim manter e alargar, por mais esse meio, a orbita do seu predominio.

O nenhum effeito, fosse porque motivo fosse, que tivera a tentativa de 1515 para se crear em Portugal a Inquisição, e o predominio que obtivera a politica de tolerancia deviam augmentar o despeito dos irreconciliaveis inimigos da gente hebréa. Todavia, esse despeito continuou por algum tempo a ser impotente, posto que as influencias da corte parece haverem mudado. Novos actores entravam, de feito, na scena a desempenhar papeis importantes. D. Antonio de Athaide, depois conde de Castanheira, valido do moço rei, mancebo como elle e que fora seu intimo consocio nos desvarios da puberdade[5], Luiz da Silveira, mais adiantado em annos, e que por accusações, talvez infundadas, de aconselhar mal o herdeiro da coroa fora desterrado por D Manuel[6]; aquelles, em summa, que D. João iii mais estimava quando principe, e, sabretudo, os antigos officiais da sua casa, foram chamados aos altos cargos do paço. Ao conde de Portalegre, D. João da Silva, deu-se o officio de mordomo-mór e a D. Pedro Mascarenhas o de estribeiro-mór. Era natural rodeiarse dos seus amigos o novo monarcha e, moço, mostrar maior affeição aos moços que em vida de seu pae tinham pensado mais no futuro do que no presente, sacrificando a benevolencia do rei que era á do rei que havia de ser. Se, porém, na corte occorriam as mudanças proprias, do tempo e das circumstancias, os cargos que tocavam á administração do reino não mudaram. Os conselheiros e ministros de D. Manuel foram conservados no exercicio das suas funcções, sem exceptuar o conde de Villa-nova e D. Alvaro da Costa, de quem D. João iii se reputava aggravado. O escrivão da puridade, D. Antonio de Noronha, depois conde de Linhares, o secretario Antonio Carneiro, os vedores da fazenda, todos os chefes, em summa, dos diversos ramos de administração, de cujas luzes e experiencia D. Manoel, no seu ultimo testamento, recommendara ao filho se aproveitasse, continuaram o dirigir o leme do estado[7]. Os panegyristas e historiadores officiaes ou officiosos deste rei attribuem o facto á alta capacidade do príncipe e á grandeza do seu animo. Sería mais simples e verdadiro attribui-lo a necessidade inevitavel. Sem acreditarmos que D. João iii fosse idiota, suppomo-lo uma intelligencia abaixo da mediocridade. Inhabil para governar por si proprio, tinha forçadamente de aceitar os ultimos conselhos paternos; porque era impossivel que os seus valídos, mancebos e homens inexperientes nos negocios e não afeitos ás pesadas e tediosas occupações do governo, podessem e soubessem encarregar-se dellas, numa monarchia que se estendia pelas quatro partes do mundo então conhecido, monarchia cujas relações internas e externas eram complicadissimas, como sabem todos os que conhecem, ainda superficialmente, a situação politica e economica de Portugal naquella epocha.

Conservados, assim, nos principaes cargos do governo os antigos ministros, o systema que prevalecera, não sem combate, nos conselhos de D. Manuel, relativamente aos christâos-novos, devia continuar predominando, ao menos por algum tempo, visto continuarem os mesmo homens na direcção dos negocios e, por consequência, a mesma politica. Nesta parte, porém, como succederia em muitas outras materias de administração, as propensões irreflectidas do rei estavam em desharmonia com as opiniões mais maduras dos seus ministros. O odio de D. João iii contra a raça hebréa era profundo. Sabía-se e dizia-se geralmente[8]. Tanto bastou para exacerbar no animo do povo, excitado pelo fanatismo, as antigas idéas de perseguição e de assassinio. Faziam-se conciliabulos contra os conversos, e excogitavam-se os meios de os exterminar[9]. Assustados pelos symptomas ameaçadores que principiavam a apparecer, os christãos-novos invocaram a protecção da auctoridade suprema. Suppostas as propensões d'elrei, não é de crer que elle desejasse reprimir essas manifestações populares, mas teve de ceder á opinião preponderante no conselho[10], e as supplicas das familias judaicas foram, emfim, escutadas. Todas as concessões obtidas durante o reinado de D. Manuel, successivamente confirmadas desde 1522 até 1524, continuaram a assegurar aos christãos-novos a protecção das leis e a possibilidade de não abandonarem a patria[11].

Todavia, esta continuação de bonança não podia durar. Nas monarchias absolutas, quando uma idéa fixa ou uma paixão violenta preponderam no animo do chefe do estado, é quasi impossivel que, mais tarde ou mais cedo, essa ídéa ou essa paixão não venha a traduzir-se em factos. Mas, se á força immensa da vontade real se associa a opinião popular, o pensamento que predomina no espirito do príncipe e da maioria dos subditos, seja justo ou iniquo, assisado ou insensato, moral ou immoral, triumpha infallivelmente. Era o que succedia em Portugal naquella epocha. As classes inferiores detestavam os christãos-novos, como o proprio rei detestava. Da parte do povo havia, até certo ponto, como já noutro logar advertimos, fundamentos para a melevolencia. A riqueza monetaria e, em grande parte, o commercio e a industria estavam nas mãos da gente hebréa, e esta não podia deixar de aproveitar-se frequentemente dessa vantagem para se vingar dos seus inveterados inimigos, daquelles que haviam assassinado ferozmente milhares de irmãos seus. Era uma lucta muitas vezes occulta, mas permanente, e que de dia em dia se exacerbava por novos aggravos. Dois sentimentos, um natural, outro facticio, contribuiam para levar ao ultimo auge o odio radicado das multidões, sobretudo da gentalha. Era o primeiro a inveja, o vicio commum, em todos os tempos, dos menos abastados: era o segundo o fanatismo, aviventado pelas continuas incitações do clero, principalmente do clero regular. O fanatismo, de feito, aos olhos do vulgo sanctificava os impulsos da inveja ou, antes, disfarçava-os na intima consciência dos invejosos, encubrindo-os sob o manto do zelo da religião. No rei não era assim. A ignorancia e as tendencias fradescas tornavam-no naturalmente fanatico, sem que para isso contribuissem nem a inveja, nem a memoria de antigos aggravos.

Mas o fanatismo não impedia que o filho de D. Manuel se désse á devassidão com mulheres[12]. E a differença que vai dessa negra paixão á verdadeira piedade. Tractaram, portanto, de o casar, e foi escolhida para sua esposa D. Catharina, irman de Carlos v, o qual já nesta conjunctura reinava em Castella. Effectuou-se o consorcio, e procurou-se ao mesmo tempo estreitar mais os laços dos dous paizes, negoceiando o casamento de Carlos v com a infanta D. Isabel, irman do rei de Portugal . Chegou-se a ajustes definitivos, e contractou-se que o dote da infanta portuguesa fosse de noventa mil dobras ou mais de oitocentos mil cruzados. Faltavam recursos para completar a somma, e era preciso obtê-los. Esta circumstancia, porventura acompanhada de algumas outras, fez com que se convocassem cortes em 1525, as quaes, devendo reunir-se em Thomar, vieram a celebrar-se em Torres-novas, por causa da peste. Os parlamentos portugueses tinham desde os fins do seculo xv perdido o seu valor real; eram mais de apparato e pura formalidade que de substancia. O essencial, que consistia em obter dinheiro, realisou-se; porque se votaram cento e cincoenta mil cruzados de novos impostos, cobraveis em dois annos. Era o que urgia. A's representações dos concelhos respondeuse, em geral, com boas palavras, que só tiveram, em parte, effeito muito depois das cortes de 1535, em que se renovaram, pela maior parte, essas mesmas representações[13]. Foi nesta assembléa que a má vontade geral contra os christãos-novos pôde, emfim, manifestar-se pela primeira vez desde o século xv de um modo solemnemente significativo, mas dentro da estricta legalidade.

As cortes de Torres-novas são, sob dois aspectos, importantes para a historia da intolerancia e cuja mutua relação nos cumpre conhecer para avaliarmos bem os effeitos reaes dessa mesma intolerancia, na qual os seus fautores vêem ou, pelo menos, fingem ver o unico meio efficaz de manter as doutrinas evangelicas e a severidade dos principios moraes. Ao passo que as tendencias do rei e do povo na epocha de D. João iii pareciam fructo de uma grande exaltação religiosa, exaltação que o clero fomentava, o estado da moral publica era deploravel. Teremos occasião, mais de uma vez, de descubrir as ulceras que roíam então a sociedade; mas os capitulos de cortes relativos a esse objecto, quer se attribuam á assembléa de 1525, quer á de 1535, começam a habilitar-nos para avaliarmos os costumes daquelle tempo. Os vexames e abusos na administração da justiça practicavamse em todas as instancias, desde as inferiores até as mais elevadas, e não só no foro secular, mas tambem no ecclesiastico[14]. O reino estava cheio de vadios que viviam opulentamente, sem se saber como[15]. O vicio do jogo predominava em todas as classes, com as suas fataes consequencias de roubos e de discordias e miserias domesticas[16]. O luxo era desenfreiado[17]. A corte andava atulhada de ociosos, e a casa real dava o exemplo da falta de ordem e de economia[18]. Nos paços dos fidalgos via se um sem numero de criados, bem superior ao que permittiam as rendas dos amos, de modo que faltavam os braços para o trabalho, sobretudo para a agricultura.[19]Qualquer viagem d'elrei era um verdadeiro flagello para os povos por meio dos quaes transitava. A immensa comitiva de parasitas de todas as ordens e classes devorava a substancia dos proprietarios e lavradores. Mantimentos, cavalgaduras, carros, tudo era tomado, e os detensores ou não pagavam ou pagavam com escriptos de divida, divertindo-se os cortezãos, muitas vezes, em destruirem os fructos, as fazendas e as mattas[20]. Se, porém, no civil ía mal o reino, não ía melhor no ecclesiastico. Nem os bispos, nem os prelados das terras pertencentes ás ordens militares cumpriam com as suas obrigações. Do que se tractava era de comer os dizimos e rendas, e muitas vezes faltavam ao povo os officios divinos e os sacramentos. As visitas feitas pelos prelados não tinham por fim reformar os costumes ou prover ao culto, mas sim extorquir dinheiro. Um dos grandes males do paiz eram os juizes apostolicos especiaes que se obtinham por via de escriptos de Roma e que avocavam a si causas, tanto do foro secular, como do ecclesiastico, constituindo-se, assim, frades e clerigos ignorantes em magistrados. O abuso dos interdictos era intoleravel. A ordem de Christo, emfim, que tinha o padroado de centenares de parochias offerecia. na miseria e abandono das suas igrejas, pela falta de residencia dos pastores, um escandalo vergonhoso e deploravel[21].

No meio das queixas contra este estado economico, moral e religioso do reino, os procuradores dos concelhos não se esqueciam de exprimir a má vontade dos povos contra a raça hebréa. Queixavam-se dos christãos-novos, que, tomando a si as rendas das grandes propriedades, monopolisavam os cereaes para os fazerem subir a preços excessivos nos annos escaços; mas confessavam, ao mesmo tempo, que os rendeiros christãos-velhos não eram, nesta parte, menos ávidos do que elles. Onde, porém, o odio e a desconfiança entre as duas raças se manifesta com mais evidencia é nos capítulos relativos ao exercicio da medicina. As apprehensões do povo, nesta parte, eram terriveis. Pediam que se mandasse estudar aquella sciencia a mancebos de origem não-hebréa, visto que os medicos eram, em geral, christãos-novos. Do mesmo modo pretendiam que a profissão de boticario fosse prohibida a estes, ordenandose, além disso, que as receitas se escrevessem em vulgar e não em latim, conforme se usava[22]. Era opinião geral que os medicos e boticarios se mancommunavam para envenenarem os christãos-velhos, que publicamente accusavam de serem inimigos seus. Os procuradores citavam em abono dessa crença um facto de que corria voz e fama. Certo medico de Campo-maior, que fora colhido em Hespanha e queimado como judeu pelos inquisidores de Llerena, tinha confessado nos tractos haver morto diversas pessoas de Campo-maior com peçonha dada em certas bebidas. Affirmavam, além disso, ser cousa notoria que os boticarios lançavam nos remedios internos tudo quanto os medicos ordenavam, sem lhes importar se esses mixtos correspondiam ás indicações pharmaceuticas[23]. Se esta voz que corria era um invento dos motores da perseguição, cumpre confessar que o odio lhes inspirava um arbitrio tremendo para levar ao ultimo auge a excitação dos animos pelo temor de morte sempre imminente e incerta. Entretanto as horriveis suspeitas do povo não eram inteiramente desarrazoadas. Nada mais natural do que estas vinganças dos filhos, parentes e amigos de tantas victimas que o fanatismo havia sacrificado e que se viam obrigados a soffrer diariamente injurias e calumnias, sem poderem repelli-las, desfavorecidos, como eram em toda a parte, pela opinião publica.

O conselho real parece ter dado pequena importancia a estas representações; porque as respostas a ellas foram pouco conformes com os desejos dos procuradores das cortes. Mas entre o procedimento official do governo e o sentir particular do rei existia o desaccordo. Aproveitando as propensões do seu animo, os fautores da perseguição incitavam constantemente o monarcha a estabelecer nos seus estados o mesmo tribunal da fé que fazia chammejar as fogueiras do martyrio no resto da Península. Bispos e outros prelados (porventura, aquelles mesmos cuja cubiça e desleixo nas cousas de religião os delegados do povo denunciavam publicamente em cortes), individuos que se diziam tementes a Deus, prégadores e confessores que abusavam das revelações ou, antes, delações feitas no tribunal da penitencia; emfim, quantos sectarios da intolerancia havia, quantos tinham que exercer vinganças contra alguns christãos-novos e que podiam fazer-se ouvir, apresentavam a elrei provas, boas ou más, da impiedade dos conversos e das suas familias. Tiravam-se, para isso, inqueritos pelas auctoridades ecclesiasticas e indicavam-se processos civis em que elles appareciam culpados de judaisarem[24]. Estas provas destruiu-as ou occultou-as o tempo, e, por isso, é impossível appreciá-las. Entretanto, se não restam esses fundamentos de accusações officiosas, subsiste ainda um documento importante que tende a invalidá-las ou, pelo menos, a enfraquecê-las. Não satisfeito, acaso, das revelações que lhe faziam, dos factos que lhe apresentavam, elrei mandou proceder, em 1524, a averiguações secretas sobre o modo de viver dos christãos-novos de Lisboa, onde devia existir o principal fóco do judaismo. Jorge Themudo, a quem vocalmente encarregara em Monte-mór desta delicada commissão, communicava-lhe em 13 de julho desse anno o que apurara das informações dos parochos de varias freguesias, com quem tractara o assumpto sob o sigillo da confissão. Resultava dessas informações que os christãos-novos deixavam de assistir aos officios divinos nos domingos e dias festivos; que não se enterravam nas igrejas parochiaes, mas sim nos adros de alguns conventos ou nos claustros delles, em sepulturas profundas ou em terra virgem; que, moribundos, não tomavam nem pediam a extrema-uncção; que, nos testamentos, nao mandavam dizer missas por suas almas ou, se algumas se diziam, era raramente, não ordenando nunca trintarios, nem suffragios ao oitavo dia do obito, nem anniversanos[25]; que havia suspeitas de guardarem os sabbados e paschoas antigas, que se confessavam durante a quaresma, commungando na quinta-feira sancta ou em dia de paschoa; que na doença se confessavam, e uns tomavam o viatico e outros não, dizendo que não o podiam, ou não o mandando buscar; que exerciam actos de caridade entre si, porém não para com os christãos-velhos; que, em tempos de peste, enterravam cuidadosamente os mortos, sem distincção de raça; que se desposavam á porta da igreja e baptisavam seus filhos, guardando á risca todos os ritos e solemnidades do estylo. Taes eram os factos que caracterisavam os habitos religiosos dos christãos-novos, conforme o testemunho do clero curado, que, apesar disso, propunha o estabelecimento da Inquisição, como meio de verificar melhor qual era a verdadeira crença da gente hebréa[26].

Que apparece nesta delação dos pastores ácerca das suas ovelhas, delação feita a um espia sob o sigillo do sacramento da penitencia, que possa indicar da parte dos christãos-novos apego ao judaísmo? Apenas a suspeita de que guardavam o sabbado e paschoas antigas. Quando muito os outros factos menos conformes com os preceitos do catholicismo podiam ser indicio de tibieza na fé, mas se elles faltavam aos officios divinos, circumstancia difficil de provar numa cidade populosa e cheia de templos, e se isso os caracterisava como judeus, o que seríam aquelles prelados e parochos que, segundo o testemunho dos procuradores dos povos, devoravam as avultadas rendas ecclesiasticas, deixando os fiéis sem missa e sem sacramentos? Acontecia fallecerem muitos conversos sem os ultimos auxilios, mas, acaso, sería raro o successo entre os christãos-velhos[27], e não se dariam então mil circumstancias que ainda se dão hoje para assim acontecer frequentes vezes entre famílias grandemente catholicas, sem que por isso as suspeitem de impiedade e muito menos ao enfermo, que, de ordinario, ignora a vizinhança da morte? A accusação de enterrarem os cadaveres em covas profundas ou em terra virgem e de sepultarem cuidadosamente e sem distincção os mortos de peste é irrisoria. Não o é menos a de beneficiarem os individuos da propria raça com exclusão dos que pertenciam á dos seus assassinos e perseguidores. Duas cousas, porém, havia no procedimento dos christãos-novos que deviam escandalisar altamente o clero de Lisboa e ser para elle prova de irreligião. Era não curarem de suffragios prolongados e, nem sequer, de deixar, ás vezes, esmolas para poucas missas. Aos bons dos parochos consultados por Jorge Themudo parecia grave impiedade escolherem os christãos-novos para jazigos os adros das igrejas e os claustros das corporações monasticas, em detrimento dos interesses da respectiva parochia. Como não haviam elles de ver neste facto vehemente indicios de judaísmo?

Sectarios occultos da lei de Moysés ou sinceramente christãos, os conversos, segundo se vê destas ultimas arguições, procediam de modo sensato, negando-se a saciar a cubiça sacerdotal e não querendo malbaratar os proprios haveres com suffragios, que, pelas circumstancias de que eram acompanhados, se convertiam em superstição escandalosa. Eis como um frade português, respeitado em Italia e, até, fautor da Inquisição pintava, poucos annos depois, aos padres do concilio de Trento esses officios e preces pelos mortos: «O trintario — dizia elle — vem a ser trinta missas de S. Gregorio e de S. Amador. Os que as dizem dormem e comem na igreja durante os trinta dias e em cada um delles celebram o officio de certa festividade, com determinado numero de velas accesas, cousa, na verdade, altamente supersticiosa e não exempta da mancha de cubiça, pois que por isso se paga a somma de quasi oito ducados. Outras missas ha que mais quadram á superstição do que á verdadeira piedade[28]». Os conversos davam, portanto, documento de judaismo evitando cousas que os theologos reputavam supersticiosas e eivadas de simonia! Quando os espias secretos do proprio rei não achavam senão as culpas que resultam da carta de Themudo, que se ha-de crer desses processos, inqueritos e revelações mysteriosas, que os interessados no estabelecimento da Inquisição buscavam e offereciam com tanto ardor? Além disso, a boa razão está indicando o que devemos suppor ácerca dos sacrilégios e de outras offensas publicas á religião que veremos attribuidos aos christãos-novos. Estamos persuadidos de que, ao menos em grande numero destes, a conversão era fingida; nem humanamente podia ser de outro modo, tendo a violencia feito as vezes da persuação. Mas, quanto mais aferrados se conservassem á lei de Moysés, com maior pontualidade deviam guardar as formulas exteriores do catholicismo. Rodeiados de inimigos implacaveis, alvo de mil invejas pela sua riqueza, naturalmente timidos e dissimulados, o seu interesse, as propensões ingenitas da sua raça, tudo os induzia a manifestarem grande respeito pela religião dominante e a serem pontuaes nas formulas do culto. Era o que a intolerancia mais exaltada tinha direito de exigir delles. Nunca o polytheismo exigira outra cousa dos christãos primitivos na epocha dos martyres. D'aqui avante a perseguição tornava-se o mais barbaro, o mais atroz dos crimes.

Os meneios subterrâneos do fanatismo de uns e da hypocrisia de outros coincidiam com as successivas rivalidações dos privilégios e garantias de segurança dados aos conversos por D. Manuel. Essas confirmações officiaes da antiga protecção não faziam, porém, desanimar os fautores da Inquisição. Como acabamos de ver da commissâo dada e Jorge Themudo. o proprio rei tractava de achar razões ou pretextos para abandonar a politica de seu pae. Um facto estrondoso, cujas particularidades ficaram involvidas no mysterio e que veio nesta conjunctura augmentar a inimizade geral contra a raça proscrita, confirma a idéa de que, fossem quaes fossem as opiniões de seus ministros, o rei estava resolvido a fazer triumphar os designios da intolerancia.

Andava naquella epocha na corte um christão-novo, natural de Borba, chamado Henrique Nunes, a quem elrei deu, depois, o appellido de Firme-Fé[29]. Este appellido significativo indicava um converso sincero, ao menos apparentemente, cuja exaltação, verdadeira ou fingida, pelas doutrinas que abraçava o monarcha suppunha profunda. Nunes tinha andado em Castella, onde, talvez, se convertera e onde fora creado do celebre inquisidor Lucero[30]. O odio contra os seus antigos co-religionarios, o qual transluz da correspondencia que tinha com D. João iii, mostra-nos que as suas opiniões andavam, nessa parte, aferidas pelas do amo a quem servira, e é altamente crivel que, em tudo o que tocava á questão dos christãos-novos, fossem as idéas do converso de Borba analogas ás de Lucero. Para podermos, pois, ajuizar do sentir intimo do servidor obscuro resta-nos um meio unico: é conhecer o patrono Diogo Rodrigues Lucero, primeiro inquisidor de Cordova, era um homem de indole dura e sanguinaria e, ao mesmo tempo, de curta intelligencia. Pedro Martyr de Angleria, escriptor contemporaneo e conselheiro do Conselho das Indias, não o designava, em cartas particulares, senão pela alcunha de Tenebrero. A'cerca dos conversos, o terrivel inquisidor resumia todas as suas doutrinas num simples proloquio . «Dá-mo judeu, dar-to-hei queimado». Todos os presos que não podia condemnar á morte por outro modo declarava-os confitentes diminutos, isto é, como tendo occultado na confissão parte dos seus delictos e, portanto, como contumazes. D'aqui resultaram as confissões mais extravagantes. Aos tractos materiaes que os algozes davam ás victimas correspondiam os que ellas davam ao proprio espirito para inventarem absurdos que confessassem. Os peccados de feitiçaria associavam-se aos de judaismo. Viagens aereas nas azas dos demonios, bodes volantes, phantasmas, ubiquidade dos bruxos, tudo apparcceu, tudo se demonstrou. Meia Hespanha estava involvida nesta conspiração infernal. Lucero tripudiava: as prisões atulhavam-se. Emfim, as violencias foram taes, que houve uma reacção moral. O bispo, o cabido de Cordova e a principal nobreza exigigiram a demissão de Lucero. Recusou-se o inquisidor-mór, e Lucero declarou judeus todos os que delle se haviam queixado. Appelaram para Philippe i, que começara a reinar. O poder civil interveio então neste negocio, e o inquisidor-mór Deza foi privado da auctoridade e substituido pelo bispo de Catanea, que depôs o feroz Tenebrero e os seus collegas. A morte do rei, occorrida pouco depois, suspendeu os effeitos destas providencias. Deza tornou a exercer as suas funcções. Seguiram-se revoltas formaes em Cordova. A lucta durou até o tempo do cardeal Cisneros, que, nomeiado inquisidor geral, creou uma juncta que examinasse os processos julgados já. Achou-se que todas as accusações eram falsas; mas Lucero, retido num cárcere em Burgos, foi apenas demittido, porque se mostrou que na matança daquelles innocentes guardara as formulas inquisitoriaes. Durante o exame deste horrivel negocio, Pedro Martyr escrevia ao conde de Tendilla : «Como poderia a cabeça deste novo Thersites (Lucero) expiar por si só os crimes que desgraçaram tontos Heitores ?» Antes disso, numa carta dirigida ao secretario de Fernando v, Miguel Perez d'Almazan, dizia o cavalheiro Gonçalo de Ayora : «Fiam-se no que toca á Inquisição no arcebispo de Sevilha (Deza), em Lucero e em João de Lafuente, que deshonraram estas provincias, e cujos agentes não respeitavam, de ordinario, nem Deus, nem a justiça, matando, roubando e violando donzellas e mulheres casadas com inaudito escandalo[31]Tal era a eschola que cursara Henrique Nunes, esse homem que apparecera, como fatal meteoro, na corte de D. João iii.

Se é verdade, como diz um chronista contemporâneo, que elrei mandara vir das Canarias aquelle individuo quando tractava de estabelecer a Inquisição em Portugal[32], seguese que Nunes, apesar da sua condição obscura, adquirira celebridade no serviço do inquisidor hespanhol, isto é, que pertencia a esse grupo de agentes cujo procedimento odioso Ayora descrevia ae secretario Almazan. De outro modo, como saberia D. João iii que nas Canarias havia um desconhecido cujos serviços podiam ser uteis ao estabelecimento da Inquisição? Das palavras do chronista se deduz, egualmente, que o rei no momento em que assignava as confirmações das graças e immunidades concedidas á gente hebréa ía excogitando os meios de falseiar a palavra real[33]. Effectivamente, se dermos credito ás cartas dirigidas por Firme-fé a D. João iii, este não só lhe pedira que exposesse por escripto os seus alvitres para se combater o judaismo, mas tambem lhe ordenara que, associando-se com os outros christãos-novos, fosse, como irmão em crença, introduzir-se no seio das familias suspeitas e practicasse tudo quanto julgasse opportuno para conhecer o estado das opiniões religiosas dos seus antigos co-religionarios. Este mister infame era o que ainda exercitava o antigo creado de Lucero quando escrevia a elrei a sua ultima carta[34]. Depois de haver devassado o interior das familias hebréas em Santarém e em Lisboa, e, talvez, por outros logares, Nunes seguiu a corte para Evora, ultimo theatro das suas façanhas. D'aqui, ou porque tardassem os seus ignobeis trabalhos[35] ou porque, na prosecução do mister de espia, tivesse de seguir alguma das suas victimas, Firme-fé partira para Olivença. Ahi ou em Evora, os trahidos judeus descubriram que elle era um espia. Provavelmente, o temor da vingança obrigou-o a passar a fronteira e a dirigir-se a Badajoz. Não a evitou, porém. Seguiram-no de perto dous christãos-novos do Alemtejo: alcançaram-no no logar de Valverde, no termo de Badajoz, e alli o mataram a golpes de lança e d'espada[36]. Se crimes taes como o assassinio premeditado podessem merecer desculpa, este mereceria-a por certo. Descubertos, os matadores foram processados, e fácil é de suppor se achariam piedade no animo irritado d'elrei. Eram dois clerigos de ordens-menores. Diogo Vaz de Olivença e André Dias de Vianna; mas recusou-se-lhes o seu foro ecclesiastico. Depois de receberem tractos de polé para descubrirem alguns cumplices, foram condemnados a deceparem-se-lhes as mãos e a serem enforcados, levando-os a rastos até o logar do supplicio. Eram essas as penas impostas pelas leis do reino aos assassinos comprados[37] ; mas os compradores, a quem, aliás, caberia a mesma pena, não existiam , porque ninguem mais foi punido. O moço monarcha ía-se assim afazendo ás atrocidades futuras da Inquisição, e o castigo exaggerado dos dous réus era um verdadeiro tyrocinio[38]. Se o processo, porém, nada provara contra os christãos-novos em geral, o odio do fanatismo encarregou-se de completá-lo por esta parte. Correu voz de que os matadores de Firme-fé haviam recebido ouro dos outros christãos-novos para perpetrarem o delicto. Todavia, esta acusação não tinha cruzado os umbraes do tribunal que julgara os deliquentes, onde teria legitimado o excesso do castigo, se, porventura, se houvera demonstrado ser verdadeira[39]. Entretanto, o discipulo de Lucero, o espia de seus irmãos, foi immediatamente sanctificado pela hypocrisia. Espalharam que, ao encontrar-se o cadaver, se lhe achara mettido no seio um papel em que estavam desenhados os trinta dinheiros porque Judas vendera seu mestre, e escriptas ao pé as seguintes palavras propheticas: «Jesu Christo, lembra-te de minha alma, que por tua fé me matam[40]». Começaram a chover os milagres. Pouco faltou para que a terra da sepultura em que o martyr fora enterrado expulsasse de todo daquelles contornos as febres intermittentes. Qualquer punhado dessa terra excedia facilmente em virtudo os mais heroicos recursos da medicina; e não escaceiaram as testemunhas de tão extraordinarias maravilhas[41].

Valendo-se dos ignobeis meios que temos visto, D. João iii pôde obter a certeza daquillo que a simples razão bastava para lhe indicar sem tantos esforços. Das delações de Firme-fé constava que muitas dessas famílias, constrangidas brutalmente a receberem o baptismo, conservavam no fundo do coração a crença de seus maiores. Mas a necessidade de recorrer ao que ha mais abjecto e repugnante entre as villanias humanas, a delação vinda dos lábios que deram o osculo de amigo , está provando que, nos actos externos, a raça hebréa não subministrava pretextos á intolerância. Das tres cartas ou memorias que nos restaram do antigo creado de Lucero para elrei a primeira continha varios alvitres para se combaterem as crenças mosaicas entre os hebreus prtugueses por modo mais ou menos indirecto: na segunda achava-se a lista dos individuos a quem Henrique Nunes soubera arrancar o segredo da sua crença pelas illusões da amizade e, com essa denuncia, as provas das accusações que fazia: na terceira o espia enumerava os indícios externos pelos quaes se poderia conhecer o judaismo occulto dos pseudo-christãos. Não ha, porém, entre tantos indicios, um unico facto que, positiva e directamente, prove o aferro delles á religião judaica; tudo são indicações negativas, algumas altamente ridiculas; isto é, analogas ás que se tinham obtido em Lisboa por intervenção de Themudo. Era o não usarem nas manilhas, pulseiras e outros adornos de prata ou de ouro, imagens de sanctos, cruzes, vieiras ou bordões de Sanctiago; era não levarem livros de resa á igreja, nem usarem de rosarios; era faltarem frequentemente aos officios divinos; era não irem a procissões e romanas, nem mandarem dizer missas e trintarios; era não darem esmola quando se lhes pedia por Deus ou por Sancta Maria; era, emfim, sepultarem os mortos separadamente, cada cadaver em sua sepultura, contra o costume geral de servir o mesmo jazigo para os parentes conjunctos por sangue ou por affinidade[42]. Nisto consistem os motivos para a fundação de um tribunal destinado a cubrir de fogueiras e de lucto o paiz. O discipulo de Lucero, inspirado por entranhavel malevolencia contra os seus antigos co-religionarios, espiando com dissimulação infernal e incansavel actividade o proceder delles por diversas partes do reino, nada mais pudera obter. Não será este facto mais uma razão para crermos que esses sacrilegios, esses insultos aos objectos do culto catholico que temos visto e que ainda veremos attribuirem-se-lhes não passavam de torpes calumnias ou eram practicados pelos proprios accusadores para suscitarem escandalos que irritassem cada vez mais os animos? As mesmas observações de Henrique Nunes posto que, em parte, ridiculas, não seriam exaggeradas? O rancor que transsuda por entre as formulas piedosas das suas cartas ao rei deve fazer-nos hesitar ácerca da sinceridade de Firme-fé. Esse rancor era tão cego, que altribuia á indole e ás tradições da raça a que eile proprio pertencia todas as tendencias vis e perversas, recordando a D. João iii os testemunhos da Biblia contra os judeus. Não só o abuso que os christãos-novos opulentos faziam das riquezas sanctificava os odios populares, mas, ainda, a inveja que os menos abastados lhes tinham era legitima aos olhos do devoto espia[43]. Implacavel na perseguição, elle confessava que um dos primeiros pseudo-christãos que denunciara a elrei, logo que, chegando a Portugal, alcançara falar-lhe, fora um irmão seu, que, mandado arrebatar de Portugal por elle noutro tempo, para o educar na verdadeira crença, logo que podera fugir-lhe voltara a Lisboa e ahi seguira a ocultas a religião de Moysés[44]. O fanatismo (talvez, antes, a hypocrisia) levado a este grau de hediondez, não só seria capaz de envenenar as acções mais simples e innocentes, mas, até, de inventar delictos.

A' vista das diligencias que o rei fazia para achar pretextos ou motivos de perseguir a porção mais rica, mais activa e mais industriosa dos seus subditos, o estabelecimento da Inquisição numa epocha pouco distante era inevitavel, sobretudo coincidindo os desejos do principe com as preoccupações populares e com os esforços de uma parte do clero. Durante o periodo decorrido de 1525 a 1530, a questão dos conversos, questão que agitava vivamente os animos, tomara cada vez maior vulto, e cada vez os presagios do futuro eram para elles mais tristes. No incendio, que se dilatava rapidamente, como que se havia lançado novo alimento, porque as accusações directas e individuadas e as vozes, mais ou menos vagas, de sacrilegios e insultos á crença dominante practicados pelos christãos-novos corriam, multiplicavam-se e engrandeciam-se, até se excitar o povo a fazer publicas demonstrações do seu odio, ao passo que o favor da auctoridade progressivamente se tornava mais tibio. Effectivamente, um poderoso elemento de perseguição viera associar-se aos que já existiam. D. Catharina, a nova rainha de Portugal, neta de Fernando o catholico, trazia para a patria adoptiva as idéas e preoccupações da corte de Castella contra os christãos-novos e tinha-se acostumado desde a infancia a considerar a Inquisição como um tribunal indispensavel para a manutenção da fé. O favor da rainha e a sua influencia no animo do marido, já tão propenso á intolerancia, como temos visto, redobravam o ardor dos adversarios da gente hebréa. Varios dominicanos de Castella vinham nesta conjunctura ajudar os seus confrades e os prelados que pertenciam á mesma parcialidade a apressar a hora em que fossem amplamente vingadas as cinzas dos dous chefes dos tumultos de 1506[45]. Apesar, porém, de assustados com estes meneios, que, ao menos em parte, não podiam ignorar, os christãos-novos esperavam affastar a tempestade, confiados nas exempções, immunidades e privilégios que D. Manuel lhes concedera, que o actual monarcha lhes revalidara e que não podiam ser ser quebrados, antes de 1534, sem a mais insigne má fé[46].

Entretanto, as provas e argumentos destinados a demonstrar a necessidade de proceder severamente contra os occultos inimigos da religião colligiam-se activamente. Os inquisidores de Llerena, que em 1525 tinham mandado fazer um inquerito sobre a morte de Henrique Nunes, inquerito no qual as testemunhas declaravam ter ouvido dizer que os assassinos haviam sido pagos pelos christãos-novos para commetterem o crime, remetteram, em 1527, a elrei o transumpto authentico desse processo, a que vinham appensas copias, egualmente authenticas, das cartas ou memorias que Firme-fé lhe dirigira a elle. O portador destes documentos, que deviam servir para se impetrar depois a Inquisição, era o celebre Pedro Margalho, professor da universidade de Salamanca, escolhido por mestre do infante D. Affonso e que veio a ser vice-reitor da universidade de Lisboa. Porventura, esses documentos eram preparados de accordo com o propno rei[47]. A imprudencia de alguns refugiados castelhanos vinha por aquelle mesmo tempo aggravar a situação dos christãos-novos portugueses. Perseguidos pelo inquisidor de Badajoz, esses conversos tinham procurado asylo em Campo-maior. D'aqui, tendo reunido gente armada, voltaram áquella povoação e, libertando uma mulher já inhibida pela Inquisição de saír da cidade, poseram ao mesmo tempo em salvo as alfaias e outros objectos que não tinham podido trazer comsigo na ocasião da fuga. Selaya, o inquisidor de Badajoz, irritado com este procedimento, escreveu directamente a elrei, exigindo a extradição dos criminosos e invocando os antigos tratados entre os dous paizes. O facto fizera ruído, e os inquisidores de Llerena sustentaram a pretensão do seu delegado, exigindo tambem a extradição, ao que ajunctaram reclamaçees directas de Carlos v. Ignoramos o desfecho do negocio, mas, attentas as tendencias da corte, o mais crivel é que os foragidos fossem sacrificados[48].

A carta de Selaya a D. João iii é um monumento curioso; porque, melhor, talvez, que nenhum, pinta ao vivo as idéas dos inquisidores daquella epocha. Não temos motivos para reputar Selaya um hypocrita, e por isso devemos pô-lo fanatico sincero. Depois de narrar como a sua auctoridade fora vilipendiada e de pedir desaggravo, o inquisidor de Badajoz entra em considerações geraes sobre o dever que tinha o rei de Portugal de perseguir os pseudo-christãos, imitando o exemplo de Castella. Fazendo-se cargo do facto da conversão violenta, que os judeus invocavam em seu abono para continuarem a seguir as antigas crenças, Selaya declarava esta razão futil; primeiramente, porque não se podia ser violentado quem, embora á força, tinha recebido um beneficio tamanho como era o do baptismo ; segundariamente, porque essa violencia não fora absoluta, mas só condicional, visto que aos conversos ficara sempre livre o alvedrio de se deixarem matar antes de acceitarem o baptismo, imitando a fortaleza dos Macchabeus. A estes absurdos o inquisidor accrescentava outros ainda mais singulares. Relatava como dous ou tres annos antes apparecera em Portugal um judeu do oriente, que annunciava a proxima vinda do Messias, a liberdade dos israelitas e a restauração do reino de Judâá. Assevera que este homem astuto, não só retivera no erro os que nelle se conservavam, mas tambem reduzira outra vez ao judaismo innumeraveis christãos-novos, assim de Portugal, como de Castella. Deste facto concluia Selaya, que, ainda admittindo a legitimidade da religião de Moysés, esse homem e os seus sectarios eram herejes em relação ao judaismo, visto que davam novas interpretações ao Velho Testamento, contra a opinião dos karaitas, unica seita orthodoxa, que entendia a Biblia ao pé da letra. O bom do inquisidor, nos termos deste dilemma, via sempre a necessidade de perseguir os judeus. Para elle era indifferente queimá-los em nome da orthodoxia judaica ou em nome da orthodoxia christã. Em ambos os casos o resultado era o exterminio[49].

As passo que occorriam estes sucessos, em que apparecia a influencia da Inquisição castelhana, verificavam-se outros factos inteiramente domesticos, que tendiam aos mesmos fins. Nas povoações onde a gente hebréa constituía a parte mais importante e opulenta do logar era onde mais ameaçador se manifestava o espirito de perseguição. Pelas scenas que naquella epocha se passavam por alguns districtos se póde fazer idéa do que succederia geralmente. Uma imagem da Virgem, venerada em Gouveia e com a qual, segundo parece, o povo tinha particular devoção, appareceu indignamente ultrajada[50]. A devassa que se tirou ácerca daquelle acto sacrilego deu o resultado que o leitor facilmente prevê. Esse escandalo fora obra dos christãos-novos. Acharam-se tres culpados, dous dos quaes, sendo presos, foram remettidos para a corte. Não tardou a correr voz de que estavam para ser absolvidos e postos em liberdade. Dizia-se então geralmente que os conversos haviam constituido uma vasta associação para mutuamente se ajudarem com os immensos recursos que lhes davam as riquezas de uns, a illustração de outros, a astucia de muitos e o temor vigilante de todos. Ao mesmo tempo accusavase a magistratura de corrupção, para que nunca passassem por innocentes os réus absolvidos depois de um processo ordinario por crimes contra a igreja. Esta opinião commum agitava os animos em Gouveia, e os juizes municipaes dirigiram ao rei ama carta era que exprimiam as violentas suspeitas que o povo concebera ou, antes, que lhe tinham feito conceber ácerca dos dous indiciados. «Por estas comarcas — diziam elles — affirmam os christãos-novos que hão de dispender avultadas sommas para os livrarem e que provarão que o delicto foi per petrado por christãos-velhos Para isto buscam malfeitores e homens infames, pobres ou mal morigerados, que vão testemunhai por dinheiro o que elles quizereram, tanto a favor dos indiciados, como contra outrem. O povo está resolvido a ír pedir justiça a vossa alteza ou a abandonar esta terra. Em tempos antigos os judeus, antes de convertidos, enforcaram a imagem de S. Maria na forca desta villa, como consta já a vossa alteza. A agitação é grande, e, antes que succeda alguma cousa que seja em desserviço de Deus e de vossa alteza, paguem os culpados seu crime. Avisamos disto vossa alteza em descargo de nossas consciencias[51]».

O temor de que do processo intentado resultasse passar o crime dos réus para os accusadores é evidente nesta carta. Temperava-se aquella manifestação de medo com as vagas ameaças de tumultos populares. Os factos geraes mencionados nesta carta, onde transiuzem por uma parte o odio profundo, por outra graves apprehensões, não é facil dizer com certeza até que ponto seriam verdadeiros. Que os conversos tractassem de organisar os meios de resistencia á perseguição que viam pullular de toda a parte é altamente provavel, e que para defenderem os seus co-religionarios, offendendo ao mesmo tempo os inimigos, não fossem demasiado escrupulosos na escolha dos instrumentos que empregavam, tamhem é assás crivei. Mas, por outra parte, não o é menos que os seus adversarios mandassem occultamente perpetrar desacatos para lh'os attribuirem. Era um expediente obvio, de que a intolerancia não devia esquecer-se. Pelo que, porém, toca ás testemunhas nos processos, se as que depunham a favor dos christãos-novos podiam ser corruptas e perjuras, porque não o seríam as que testemunhavam contra elles? Além das peitas, a que tanto estes como aquelles podiam recorrer, os christãos-velhos tinham outros meios de corrupção não menos poderosos, o odio geral das multidões contra a raça hebréa e a hypocrisia, que facilmente persuadiria aos ignorantes a legitimidade do perjurio, quando se tractasse de perder os inimigos da fé. Na terrivel questão que naquella epocha se debatia, os resultados dos depoimentos judiciaes não devem merecer grande consideração á historia, quando, aliás, se não firmarem noutra ordem de testemunhos ou não tiverem a seu favor razões de congruencia. Além do abuso das formulas de processo, a que, em todos os tempos e em todos os paizes, as parcialidades irritadas umas contra as outras costumam recorrer, a legislação daquella epocha dá-nos, tambem, um documento irrefragavel de que o desprezo pela sanctidade do juramento se tinha tornado então demasiado vulgar[52]. As suspeitas, nesta parte, deviam, de feito, ser mutuas; porque, se os christãos-velhos accusavam os novos de empregarem testemunhas falsas para se defenderem, estes accusavam-nos a elles do mesmo expediente para os criminarem[53] , e nós vamos ver que a afirmativa dos conversos nem sempre foi uma accusação vaga.

Era então (1528) nuncio e legado a latere em Lisboa D. Martinho de Portugal, que, tendo ido por embaixador a Roma em 1525, para substituir D. Miguel da Silva, e sendo, tambem, revocado em 1527, Clemente vii encarregara de exercer aquellas funcções na corte de seu proprio soberano[54]. A causa dos tres réus, o terceiro dos quaes parece ter sido pouco depois apprehendido, foi-lhe devolvida. D. Martinho era homem sem moral e sem crenças, para quem a religião não passava de um instrumento politico e que, até, não recuaria diante da idéa de um assassinio, quando este podesse aproveitar-lhe para quaesquer fins[55]. Não lhe tolhia isso, segundo parece, o zelo pela exaltação da fé e perseguição das heresias, zelo cujo verdadeiro valor poderemos melhor appreciar nos seus actos como agente de D. João iii em Roma. Não acharam aelle os christãos-novos favor ou misericordia. Apresentaram-se como accusadores dos réus dous habitantes de Gouveia, Richarte Henriques e um certo Barbuda, e foi tal o numero das testemunhas a favor da accusação que, apesar dos receios manifestados pelos juizes daquello villa sobre os meios de corrupção de que os christãos-novos dispunham, os conversos não encontraram bastantes malfeitores e indivíduos mal morigerados para lhes contraporem. Condemnados á morte, os tres infelizes expiraram no meio das chammas abraçados com o crucifixo e invocando o nome de Christo até o ultimo suspiro[56]. Antes, porém, do desfecho desse terrivel drama, novas e graves suspeitas se haviam suscitado contra vanos outros habitantes daquella villa. Expediram-se ordens de captura, e alguns delles foram presos e remettidos para a corte. Eram pessoas abastadas, e um magistrado de Coimbra que fora enviado áquella dilgencia, receiando que os libertassem pelo caminho, mandou-os carregados de algemas. Da devassa que então se tirou resultava o mesmo que se achara ácerca dos que já haviam sido presos. Eram judeus, como antes de baptisados[57]. Felizmente para elles, o seu processo devolveu-se ao tribunal ecclesiastico ordinario, por ter, pouco depois, cessado a legacia de D. Martinho de Portugal. Provou-se alli até a evidencia que um grande numero de testemunhas da accusação tinham sido corrompidas e jurado falso. Queimados solemnemente os depoimentos dellas, foram soltos os presos. Só não consta que fossem punidos os que haviam mentido á sua própria consciencia[58].

Não tardaram muitos annos que uma rixa suscitada entre Richarte Henriques e Barbuda viesse explicar porque os tres christãos-novos condemnados ao supplicio das chammas haviam morrido abraçados com a imagem do Salvador. Henriques accusou publicamente o seu consocio de ter sido elle quem commettera o desacato, quebrando a imagem da Virgem. As numeiosas testemunhas da accusação eram falsas. Os parentes e amigos das victimas recorreram então ao tribunal supremo do rei. Barbuda foi preso e conduzido ao carcere da corte, d'onde dentro em pouco lhe deram fuga, ou elle pôde evadir-se. Sopitou-se o negocio por causa do grande numero de testemunhas compromettidas ou, se acreditarmos o que diziam os christãos-novos, por motivos mais ignobeis ainda[59]. Podiam ter acertado com judeus occultos: acertaram com hebreus sinceramente convertidos. A Providencia dava uma licção profunda : o fanatismo é que não a comprehendia.

Estes factos, que parece deverem ter, ao menos, modificado a opinião popular em Gouveia, não fizeram senão irritar mais os animos. O systema das denuncias e processos judiciaes era expediente moroso e de incerto resultado. Não bastavam a tantos odios, nem o remoto theatro dos patibulos e fogueiras de Lisboa, nem a affronta e exterminio de uma ou de outra familia, de um ou de outro individuo. Os instigadores da perseguição impelliam a plebe a practicar os maiores excessos. Durante parte do anno de 1530 representaram-se em Gouveia continuas scenas de anarchia. Muitas vezes, pelas horas mortas da noute, sentiam-se os dobres do sino da igreja matriz. A este signal ajunctava-se o povo e, marchando em tumulto, soltava de vez em quando uma voz que dizia: «Justiça que manda fazer elrei nosso senhor em taes e taes herejes», proferindo os nomes de muitos christãos-novos. Immediatamente, uma nuvem de pedras era arrojada contra as portas, janellas e telhados das victimas designadas. Os individuos assim votados ás brutalidades da gentalha não ousavam mais sair da sua habitação. Debalde o juiz de fóra mandou prohibir estes tumultos, ameaçando com severo castigo os perturbadores da paz publica. Provavelmente, sabíam que isso não passava de van ameaça, e as assuadas redobraram de violencia. Não ficaram, porém, ahi. O zelo dos defensores do altar, aquecido pelas orgias nocturnas, tinha crescido. Fingiram cartas regias e breves do nuncio, imitando com tal arte as assignaturas, que facilmente illudiam qualquer. Nestes diplomas forjados auclorisavam-se os christãos-velhos a prenderem os conversos que lhes parecesse e a abrirem devassas ácerca delles, a julgá-los e, até, a condemná-los ao supplicio das chammas. Munidos destes diplomas absurdos, procuraram varios mercadores mais credulos e mais timidos e extorquiram-lhes grossas sommas, além de muitos pannos e telas preciosas, asseverando-lhes que, se não déssem o que delles exigiam, seríam presos, julgados e punidos por crime de judaismo. Houve alguns mais audazes que pugnaram judicialmente contra taes vexames; mas o muito que poderam obter foi passar-se-lhes um instrumento authentico dos tumultos populares, deixandose-lhes o triste recurso de se queixarem a D. João iii das violências de que eram victimas[60].

Onde, porém, a perseguição se manifestava com malevolencia mais fria e calculada era no Alemtejo. Olivença com o seu territorio (que então pertencia a Portugal) formava uma especie de Isento ou diocese á parte, regida pelo bispo de Ceuta, D. Henrique, homem dominado por implacavel rancor contra a gente hebréa e que se acreditarmos os christãos-novos, se guiava neste posto, só pelas delações e suggestões dos frades. Nos togares da sua jurisdicção póde-se dizer que existia já a Inquisição antes de regularmente estabelecida. Das suas visitas á diocese originava-se commummente a prisão de individuos de um e de outro sexo accusados de judaísmo. Os processos feitos áquelles desgraçados eram rigorosissimos, e muitas vezes, deram em resultado serem os réus condemnados ao fogo. O povo applaudia com enthusiasmo essas barbaridades. Certo dia em que alguns christãos-novos foram queimados em Olivença, celebraram-se de tarde jogos de cannas e corridas de touros para festejar aquelle acto. Henrique veio a fallecer de morte repentina em 1532, alguns mezes depois de concedida a Inquisição pela primeira vez[61], quando, por isso, já não era a elle que tocava perseguir os judeus. Todavia, a historia das suas atrocidades estava viva na memoria de todos, e os christãos-novos attribuiram a castigo do céu aquelle genero de morte, em que faltara ao prelado tempo para o arrependimento, por haver ultimamente condemnado ás chammas uma pobre velha e desvalida, depois de lhe denegar os meios de defesa, prohibindo que se lhe revelassem os nomes dos seus accusadores e os das testemunhas dadas em prova da accusação[62].

No meio desta inversão completa das doutrinas do christianismo, pela qual os ministros de um Deus de paz, os sacerdotes de uma religião de tolerancia e de liberdade, que, longe de sacudirem o pó dos seus sapatos ás portas de uma cidade que não os quizesse receber, despedaçavam nos tormentos os que, violentados a acceitarem o baptismo, buscavam occultar a crença que lhes ficara no coração, apparecia um homem de genio cuja missão no mundo era a mais contraria que ser podia á vocação sacerdotal e alevantava a voz, acostumada a fazer rir grandes e pequenos, para revocar o sacerdocio ao cumprimento dos seus deveres. Falamos do nosso Shakspeare, de Gil Vicente. Achava-se o poeta em Santarém nos princípios de 1531. Occorreu um tremor de terra. Os frades começaram a fazer practicas e sermões, attribuindo o phenomeno a castigo do céu por peccados que nomeiadamente designavam e annunciando novo abalo a que fixavam dia e hora. Os christãos-novos começaram a esconder-se espavoridos, signal evidente de que a elles se referiam as allusões dos prégadores. Gil Vicente, vendo, talvez, propinqua a renovação das scenas de 1506 e condoído das pobres familias hebréas, meias mortas de terror, soube exercer bastante influencia para reunir os fanaticos denunciadores de tantos males no claustro do convento dos franciscanos e, em vehemente e solido discurso, lhe demonstrou o absurdo das suas doutrinas. A intelligencia do poeta pôde illuminar, emfim, aquelles rudes espiritos, e os incitamentos para se perturbar a paz publica cessaram. Prégando aos prégadores as maximas da san razão, o Plauto português representava um auto de novo genero, impedindo com um discurso grave, embora a situação do orador tivesse um lado comico, que Santarem se convertesse em theatro de horrível tragedia[63].

E' preciso, tambem, confessar que, ás vezes, surgiam no seio do proprio clero espiritos mais desafogados, animos verdadeiramente apostolicos, que ousavam protestar altamente contra as orgias da hypocrisia e do fanatismo. Foram dos mais notaveis o bispo do Algarve, D. Fernando Coutinho, e D. Diogo Pinheiro, bispo do Funchal, anciãos que haviam servido o seu paiz em cargos eminentes nos reinados de D. João ii e do D. Manuel e que, nos conselhos daquelles monarchas, haviam sempre sustentado ácerca dos hebreus os verdadeiros principios da tolerancia evangelica, principios accordes com os da san politica. Os processos por crimes de judaísmo que cahiam casualmente debaixo da sua jurisdicção ou que lhes mandavam julgar terminavam-nos, por via de regra, pela soltura dos réus. Conhecendo a fundo a historia da conversão dos judeus, que tinham presenciado, estavam profundamente convencidos de que tal conversão não passara de brutal violência. Para elles, do facto do baptismo imposto á força não derivava obrigação alguma, e os conversos haviam ficado tão judeus como eram d'antes. Assim, suppondo-os fóra do alcance da sua jurisdicção espiritual, davam-lhes a liberdade [64]. Na occasião em que já se pedia a Roma o estabelecimento da Inquisição, D. Fernando Coutinho chegou a manifestar as suas idéas a respeito do judaísmo de um modo mais severo, não só perante o tribunal metropolitano de Lisboa, mas também perante o desembargo d'elrei. Um homem do vulgo, morador em Loulé, e, segundo parece, christão-novo, foi criminado de falar heretica e indecentemente da virgem Maria. Accusava-o um official de justiça, e, levada a causa aos tribunaes civis, foi remettida ao prelado como contendo materia de heresia. Devolveu-a o bispo conjunctamente ao rei e ao arcebispo de Lisboa, dando as razões por que não queria intervir neste negocio. Ordenou-se-lhe então que o julgasse definitivamente. Irritou-se D. Fernando Coutinho e respondeu asperamente, devolvendo de novo o processo. Reduzia-se tudo a algumas palavras que o réu dissera num momento dembriaguez. As circumstancias da accusação haviam sido falsas; falsas as testemunhas que a roboravam. E' notavel a amarga ironia com que o antigo regedor das justiças, o bispo septuagenario, fala dos moços jurisconsultos, dos juizes inexperientes e a-la-moda que, para lisongeiarem o rei ou as paixões do vulgo, encrueciam contra a raça hebréa. «Se eu não tivesse feito setenta anos — dizia elle — e fora homem deste tempo que corre, ainda assim havia de julgar falsa a prova, porque a sua falsidade é patente e clarissima aos olhos da jurisprudencia. Tanto o meirinho que deu a querella, como as testemunhas deviam ir á polé». E accrescentava noutra parte : «Sem ser Pilatos, lavo minhas mãos deste negocio. Julguem-no os litteratos modernos[65]». Não occultava, porém, as suas opiniões a respeito da questão em geral dos christãos-novos. Sentia que não só os baptisados contra vontade no tempo de D. Manuel eram judeus, mas que, tambem, eram os filhos destes, levados por elles na infancia á pia baptismal. Com a mesma fina ironia com que falava dos modernos jurisconsultos, lembrava ao rei que o peior de tudo era terem resolvido em consistorio o papa e o collegio dos cardeaes, poucos annos antes, deixarem viver os hebreus em Roma, professando publicamente a lei de Moysés. O prelado terminava, todavia, recommendando que rasgassem aquelle papel, o qual podia tornar insolentes os christãos-novos e que, além disso, devia desagradar aos magistrados locaes e aos ministros supremos das diversas provincias do reino[66].

Os temores do bispo de Silves eram infundados. D. Ioão iii, incitado, não só pelas suas propensões, mas tambem pelas instancias da rainha e de alguns cortezãos[67], preparava já remedio efficaz para impedir a audacia dos christãos-novos e o desgosto das pessoas influentes. Nos principios de 1531 tinha-se, a final resolvido aquillo para que tantos individuos por tanto tempo haviam lidado a erecção de um tribunal da fé. Deram-se instrucções ao embaixador em Roma, Brás Neto, para que impetrasse em muito segredo de Clemente vii uma bulla que servisse de base ao intentado estabelecimento. As condições principaes eram : que se tomasse por norma a Inquisição de Castella, dando-se aos inquisidores portugueses as mesmas attribuições que haviam sido concedidas aos do resto da Hespanha ou mais, se mais se podessem dar, e que fosse perpetua a concessão do novo tribunal; que o rei ficasse revestido dos necessarios poderes para nomeiar os inquisidores e outros ministros e officiaes do mesmo tribunal, quer tirados do clero secular, quer do regular, incluindo as ordens mendicantes, e ainda para escolher, em caso de necessidade, alguns ministros leigos e casados, uma vez que tivessem ordens menores, sendo, além disso, auctorisado para os substituir definitiva ou temporariamente e para nomeiar um inquisidor geral, tambem amovivel, que presidisse aos outros e os dirigisse; que os novos inquisidores fossem revestidos de amplissimas faculdades para processarem, condemnarem, imporem quaesquer penas, exercendo em toda a plenitude o seu ministerio, privando quem entendessem, quer fossem seculares quer ecclesiasticos , de quaesquer dignidades, sem a minima dependencia dos prelados diocesanos e sem, sequer, darem disso parte a estes; que, desde o momento em que os inquisidores tomassem conhecimento de uma causa, ficassem os bispos inhibidos de se intrometter na questão, podendo, pelo contrario, aquelles intervir nos processos começados por elles; que os bispos obedecessem aos inquisidores, logo que estes chamassem algum delles para degradar das ordens os ecclesiasticos condemnados, sem que importasse a diocese a que pertencia o prelado ou se o réu era seu súbdito; que a Inquisição não conhecesse tão sómente dos crimes de heresia, mas também dos de sortilegio, feitiçaria, adivinhação, encantamento e blasphemia; que a ella pertencesse, em todos os precedentes delictos sujeitos á sua jurisdicção, levantar excommunhões, minorar penas, reconciliar e absolver os réus; que o inquisidor geral ficasse auctorisado para nomeiar inquisidores subalternos nas cidades, villas, logares e bispados que lhe parecesse conveniente, demitti-los e, bem assim, dar-lhes e tirar-lhes officiaes e ministros, vigiar estes, puni-los e absolvê-los, finalmente, que a Inquisição podesse avocar a si quaesquer causas de heresia, estivessem em que juizo e estado estivessem, sem exceptuar desta regra as que pendessem dos auditores, juizes e delegados apostólicos[68].

Seculos antes, o impetrante que pedisse ao primaz do occidente a instituição de um tribunal ecclesiastico, organisado com as condições que se pediam nesta instrucção, moveria o riso ou a compaixão dos fiéis, e o papa ordenaria preces nos templos de Roma, para que Deus se condoesse do infeliz monarcha e lhe restituisse a alienada razão. No começo do seculo xvi não succedia assim. A pretensão tinha dificuldades; mas como o tempo o demonstrou em Portugal e já o tinha demonstrado em Castella, não era absolutamente impossivel. Importava, apenas, a quasi annullação do episcopado, a translação de parte das suas mais elevadas funcções para os delegados do poder civil, a sujeição dos bispos, não a regras estabelecidas, mas aos simples caprichos dos inquisidores. Se qualquer prelado cahisse no desagrado delles, poderia ser accusado, processado, condemnado, exauctorado, sem que aos seus co-episcopos, ao seu metropolita, sequer, fosse licito intervir nessa subversão monstruosa de toda a disciplina da igreja. No centro daquella rede immensa de inquisidores, notarios, promotores, consiliarios, procuradores, carcereiros, alguazis, rede que abrangeria, em breve, todo o paiz e cubriria todas as cabeças, porque ninguem tinha a certeza de nunca ser reputado feiticeiro ou hereje, estava o inquisidor geral, nomeiado pelo rei, amovível á vontade delle e que, por consequencia, era, apenas, um instrumento passivo nas suas mãos. Assim, o monarcha ajunctaria ao terror do poder civil toda a força do terror religioso exercida indirectamente sobre os súbditos, e D. João iii chegaria por meio do excesso de zelo catholico a obter o mesmo resultado que Henrique viii de Inglaterra obtivera quebrando a unidade da igreja. Cumpre por outra parte confessar que, estabelecida a Inquisição com as funcções que se lhe attribuiam, e posto à frente della um inquisidor-mór, um chefe supremo e absoluto, esse homem, se não dependesse inteiramente do principe, sería, mais do que este, posto que de modo indirecto, o verdadeiro rei de Portugal. Não havia fugir daquelle dilemma, logo que se pretendia annullar a auctoridade dos bispos, introduzindo na economia da igreja um elemento novo. Ou a servidão do imperio, ou a servidão do legitimo sacerdocio

Tal era a pretensão, considerada sob o aspecto das mutuas relações da sociedade civil com a sociedade religiosa. Politica e moralmente olhada, era ella, ao mesmo tempo, um gravissimo erro administrativo e uma baixa traição da parte de D. João iii. Se o negocio transpirasse, como depois veremos que transpirou, os christãos-novos mais abastados procurariam pôr-se a salvo de uma instituição cujas atrocidades habituaes soavam por toda a Peninsula e que não havia motivo de esperar fosse mais humana em Portugal, onde, ainda antes della, o espirito de perseguição se manifestava já com tanta violência. O paiz decadente, carregado de divida publica, falto de instrucção e de industria, perderia cabedaes, homens dados á cultura das sciencias, artifices habeis, contribuintes opulentos; boa parte, em summa, do que constitue o nervo da sociedade civil, a classe média. E certo, porém, que a isto se procurava remedio com o que ha mais torpe nas covardias humanas; com um acto analogo ao do assassino robusto e armado que busca pelas trevas o fraco e inerme para lhe sair na encruzilhada e apunhalá-lo pelas costas. D. João iii tinha confirmado de 1522 a 1524 todos os privilegios da gente hebréa, e entre elles os que lhe prorogavam as garantias de segurança individual e de immunidade material até 1534. Posto que revogar essas confirmações fosse uma indignidade, cousa era que estava dentro da orbita do seu poder absoluto; mas deixá-los na certeza de que a lei os protegia e ordenar em 1531 que subrepticiamente[69] se obtivesse uma cousa que não só invalidava todas essas concessões, mas tambem estabelecia positivamente os factos contrarios, a intolerancia, a espoliação, o captiveiro e o supplicio, por maneira tal que ás victimas da deslealdade nem fosse licita a fuga, pelo impensado do sucesso, cousa é que não tem nome. E era sobre a cabeça de um rei tal que assentava a coroa de D. João í, do heroico e leal soldado de Aljubarrota !

O embaixador Brás Neto, munido da crença especial que, para tractar este delicado assumpto, lhe fora enviada com as respectivas instrucções, propôs a Clemente vii a pretensão do seu soberano. Não chegaram até nós memorias purticularisadas sobre todas as phases poi que passou o negocio. Sabemos, porém, que o cardeal Lourenço Pucci, uma das personagens mais influentes na curia, a quem o embaixador português julgara conveniente communicá-lo, mostrou grande repugnancia a contribuir para uma resolução favoravel. Quanto a elle, o que semelhante tentativa parecia indicar era o intuito de espoliar a gente hebréa das suas riquezas, revelando o mesmo pensamento que se attribuia á Inquisição de Castella[70]. A sua opinião sobre o modo de proceder com os cristãos-novos era que se deixassem professar publicamente a religião de Moysés os que quizessem voltar á antiga crença, embora os que preferissem ficar no gremio do christianismo fossem punidos rigorosamente, se delinquissem contra a fé[71]. Não obstante ponderar-lhe Brás Neto o escandalo que nasceria daquella faculdade dada aos judeus, o cardeal mostrou-se firme no seu voto. Segundo dizia, faziam-lhe peso as violêencias que houvera na epocha da conversão. Era, realmente, este o motivo da repugnancia do velho cardeal? O agente de D. João iii suspeitava que não. Sabia que, apesar do segredo que se lhe tinha recommendado, antes de partirem as instrucções o negocio transpirara em Lisboa. Receiava que d'ahi procedesse a resistencia de Pucci. Vivia em Roma um hebreu português chamado Diogo Pires, que fora escrivão dos ouvidores da Casa da Supplicação e que saíra de Portugal para a Turquia a abjurar o baptismo que lhe havia sido imposto. Vindo a Roma, obtivera do papa um breve para que ninguem o incommodasse por tal motivo, e alli vivia com grande reputação de sanctidade entre os outros judeus, a quem costumava expor as doutrinas mosaicas. Tinha Diogo Pires entrada com o papa e cardeaes, e o embaixador temia-se delle não só pela sua influencia pessoal, mas também porque os conversos de Portugal, com quem conservava relações de amizade, lhe poderiam enviar dinheiro para obstar ás pretensões de D. João iii por meio da corrupção, e Brás Neto suspeitava que algum sobrinho ou cubiculario de Pucci ou do proprio papa andasse mettido nisto. Entretanto elle esperava vencer essas difficuldades[72].

Dava-se, porém, uma que embaraçava seriamente o progresso do negocio. Para o facilitar, importava, sobretudo, instituir a Inquisição de Portugal de modo analogo ao da Inquisição de Castella. A supplica ao papa devia ser redigida, não exclusivamente conforme as instrucções de D. João iii, mas em harmonia com as concessões feitas aos reis catholicos pelos papas, precedente importante que se podia invocar. Essas bullas relativas a Hespanha não se encontravam, porém, nos registos pontificios, apesar de ahi as fazer procurar o embaixador, pagando com mão larga. D'aqui resulta um obstaculo para se poder tractar officialmente o assumpto, ao menos de modo definitivo, tornando-se necessario, por isso, que elrei secretamente houvesse copia dellas de Castella e que remettesse o traslado para Roma, onde apenas se achava uma bulla relativa á Inquisição contra os herejes de Allemanha, bulla cujas disposições não satisfaziam os postulados das instrucções, mas por onde, entretanto, elle se resolveria a fazer a supplica, salvo ampliar-se esta logo que chegassem os transumptos pedidos. Finalmente, Brás Neto exigia d'elrei que o habilitasse com o meio mais poderoso para abbreviar taes negocios na curia romana, o dinheiro necessario; porque não achava quem lh'o quizesse dar por letras sacadas sobre o erario de Portugal[73].

Se as copias das bullas de Sixto iv e Innocencio xiii que se pretendiam appareceram em Roma ou se foram de Portugal, obtidas de Castella, ignoramo-lo. O que é certo é que já nos principios de agosto o negocio da Inquisição estava bastante adiantado. Do que Brás Neto se queixava era da falta de dinheiro. Pucci tinha, segundo parece, modificado as suas opiniões. Nesta epocha o embaixador, longe de achar dificuldades da parte delle, lamentava-se de que uma doença gravissima o inhabilitasse do serviço da curia, o que retardava os negocios de Portugal. Temia que recrescessem maiores embaraços, se elle morresse, o que receiava, attenta a sua avançada idade[74] Estes receios eram fundados

porque Lourenço Pucci veio a fallecer no mez seguinte. Se acreditarmos memorias coevas, a curia romana perdeu nelle um homem cujos caractéres prominentes eram o orgulho e uma cubiça insaciavel. Gosava de tal reputação que em Hespanha haviam recusado aceitar por nuncio um seu sobrinho homem insignificante, mas que podia, ligado, com o tio, metter tudo a sacco. Na propria Roma foi accusado perante Hadriano vi de mercadejar em indulgencias sem nenhum rebuço, accusação que, como é fácil de suppor, a curia achou improcedente[75]. Antonio Pucci, um desses sobrinhos de quem se temia o embaixador português, foi promovido ao cardinalato em substituição do tio, com o mesmo titulo dos Quatro-Sanctos-Coroados (Santiquatro) que elle tivera. O novo cardeal vê-lo-hemos figurar como protector de Portugal[76] nas varias phases através das quaes se protahiu por tão largo tempo o definitivo estabelecimento da Inquisição[77].

Posto que, segundo parece, os christãos-novos não tivessem quem, officialmente e como representante delles, advogasse a sua causa em Roma[78], todavia, nos concelhos de Clemente vii havia muitos que contradissessem a concessão pedida. Distinguiam-se entre elles o cardeal Egidio e Jeronymo de Ghinucci, bispo milevitano, elevado depois ao cardinalato por Paulo iii. O papa mostrava-se inclinado ao voto destes seus conselheiros ou, pelo menos, não combatia as ponderações que faziam. A resistencia, porém, daquelles prelados foi, como vamos ver, inutilisada por outras influencias. Entretanto elles deixaram de intervir na resolução definitiva do negocio, ou porque se abstivessem voluntariamente de entender nelle ou porque se esperasse a conjunctura da ausencia de ambos para a final o decidirem[79].

Fosse que elrei não julgasse o embaixador Brás Neto assás activo para apressar quanto elle desejava a conclusão de um negocio em que tanto se empenhava; fosse por qualquer outro motivo, é certo que um novo agente diplomatico, Luiz Affonso, foi enviado a Roma em setembro de 1531. Todavia, as cousas tinham chegado a taes termos antes do fallecimento do velho Pucci, que se julgava seguro o exito da empreza; ao menos, a memoria que nos resta da ida de Luiz Affonso a Roma naquella conjunctura diz-nos que elle levava já designado como inquisidor geral o confessor d'elrei, Fr. Diogo da Silva, frade da ordem dos minimos de S. Francisco de Paula, e cartas para os cardeaes d'Osma e Santiquatro, afim de favorecerem a rapidez do despacho. A designação do inquisidor geral prova que o papa não deixava inteiramente ao alvedrio delrei o provimento da quelle cargo na fórma pedida; mas prova, também, que D. João iii estava certo de que na curia romana a concessão do tribunal da fé em Portugal era materia resolvida[80] .

Effectivamente, a 17 de dezembro expediu-se uma bulla dirigida ao minimo Fr. Diogo da Silva, pela qual o papa o nomeiava com missario da sé apostolica e inquisidor no reino de Portugal e seus dominios. Os fundamentos dessa bulla eram que, tendo-se tornado communs neste paiz os fatais exemplos de volverem aos ritos judaicos muitos christãos-novos que os haviam abandonado[81] e de os abraçarem outros que, nascidos de paes christãos, nunca tinham seguido aquella crença, accrescendo o disseminar-se no reino a seita de Luthero e outras egualmente condemnadas e, bem assim, o uso de feitiçarias reputadas hereticas, se conhecera a necessidade de atalhar o mal com prompto remedio, de modo que a gangrena não eivasse os espiritos. A' vista destas considerações, o papa revestia o dicto inquisidor de attribuições extraordinarias, dando-lhe a faculdade de inquirir, havendo sufficientes indicios, e a de proceder á captura e encarcerar, condemnar e impor penas (de accordo com os prelados diocesanos, ou sem esse accordo, se el les, chamados a isso, recusassem intervir) a quaesquer individuos implicados, directa ou indirectamente, em taes delictos sem excepção de pessoa alguma, fosse qual fosse o seu estado, qualidade, condição ou jerarchia, nomeiando procurador fiscal, notarios e os outros officiaes necessarios para delles se servir no desempenho das funcções que lhe eram commettidas, do modo que conviesse ao bom expediente da Inquisição, podendo escolher para este effeito clerigos ou frades, sem dependencia da permissão dos respectivos superiores. Auctorisava-o, ainda, para intervir e proceder cumulativamente com os prelados ordinarios em todas as causas relativas aos delictos mencionados na bulla, já previamente começadas pelos bispos, e a convocar qualquer destes para coadjuvarem o diocesano, quando fosse preciso degradar das ordens algum ecclesiastico incurso nos crimes contra a fé, constrangendo á obediencia os renitentes pelos meios juridicos e invocando o adjutorio do braço secular. Dava-lhe poderes para absolver, depois da abjuração e juramento de não reincidirem, quaesquer pessoas incursas nos casos previstos na bulla, impondo-lhes penitencias, se o entendesse conveniente e quaes entendesse, admittindo os réus ao perdão da sancta sé e á unidade da igreja e minorando as penas canonicas. Finalmente, habilitava-o para fazer nesta parte o que julgasse opportuno para refreiar os delictos religiosos, extirpá-los radicalmente e tudo o mais que, por direito e costume, pertencesse ao officio inquisitorial. Para se facilitar a execução destas providencias, o inquisidor geral ficava auctorisado para nomeiar seus delegados ecclesiasticos idoneos, com tanto que estivessem constituidos em dignidade ou fossem mestres em theologia, doutores ou licenciados em direito civil ou canonico ou membros de algum cabido, transmitindo-lhes as mesmas faculdades ejurisdicção a elle concedidas e podendo demitti-los e substitui-los por outros quando lhe aprouvesse. O papa derogava para este caso as constituições e ordenações apostolicas contrarias aos fins da bulla e revogava todos os indultos particulares, concedidos pelos pontifices, que estivessem no mesmo caso e que de qualquer modo podessem impedir ou retardar os effeitos das provisões contidas na quelle diploma.[82] Taes foram as bases sobre que se estabeleceu a Inquisição em Portugal como instituição permanente. Os fundamentos da bulla de 17 de dezembro, conforme o leitor acaba de ver, eram em parte falsos, em parte dolosos e em parte ridiculos. É altamente comica a gravidade com que homens do seculo de Leão x, da epocha mais brilhante da sciencia e da litteratura d'Italia, procuravam obstar a que os portugueses fossem enfeitiçados por bruxas e encantadores, cujos delidos não passavam de bulras, e cuja punição razoavelmente incumbia ao poder civil. Dizer que as seitas dissidentes que então se espalhavam na Europa tinham penetrado em Portugal era cousa tão contraria á verdade, que nos monumentos publicos ou secretos do paiz relativos áquelle tempo não é possivel encontrar o menor vestígio de semelhante facto. Quanto aos hebreus, as phrases da bulla são inexactas e capciosas no mais subido grau. Os judeus não se haviam affastado (discesserant) da lei de Moysés: tinham-nos arrancado brutalmente a ella. Judaisando, não voltavam ao judaísmo; conservavam-se immutaveis na sua crença. Por outra parte, que individuos eram esses que, nascidos no seio do christianismo, trocavam a religião do Golgotha pela do Sinai? Eram os filhos dos suppostos conversos; eram os filhos desses homens que, para evitarem a perseguição e a morte, os levavam á pia baptismal sem crerem no baptismo e que, depois de uma cerimonia para elles irrisoria, os educavam na religião de seus avós. Os unicos culpados de taes sacrilegios eram os hypocritas e os fanaticos que substituiam a intolerancia á liberdade e á doçura evangelicas. Nas expressões da bulla havia uma amphibologia vergonhosa. Não se reputavam christãos osque, judaisando a occultas, só na apparencia eram sectarios do evangelho. Estes vinham a ser renegados. Em relação, porém, a seus filhos bastava que elles os tivessem levado a baptisar, sem crerem no baptismo, para os reputarem bons christãos e ser, portanto, valido o sacramento. A mesma circumstancia das exterioridades valia ou não valia, conforme servisse a favor ou contra elles.

Cumpre confessar que nas disposições da bulla de 17 de dezembro a curia romana soube evitar, até certo ponto, o absurdo contido nas instrucções enviadas a Brás Neto, segundo as quaes elrei pretendia tornar o inquisidor geral instrumento exclusivamente seu e, por via delle, exercer despotismo absoluto sobre as consciencias dos subditos. Embora a escolha do individuo em quem o cargo havia de recahir naquella conjunctura fosse indicada de Lisboa; officialmente, era ella feita pelo papa, que podia demitti-lo, suspendê-lo ou substitui-lo sem revogar, em these, ou, sequer, modificar, a nova instituição. O instincto do proprio interesse e o ciume do proprio poder tinham bastado para acautelar a curia romana contra semelhantes pretensões. Alterado assim este ponto, essas condições aviltantes que se impunham ao episcopado e essa inferioridade em que o collocavam relativamente á Inquisição, longe de offenderem a curia, só offendiam as tradições primitivas da igreja, ao passo que augmentavam indirectamente o poder de Roma. Resalvando a concorrencia dos prelados diocesanos no julgamento das causas sujeitas ao novo tribunal, mas deixando incertos a extensão e os limites desta concorrencia e referindo-se vagamente ao direito, aos costumes e á utilidade, o papa abria campo immenso ás collisões e competencias, cuja resolução lhe pertencia. Como Moysés tocando o rochedo com a vara, creava um manancial opulento de dependencias e proventos nas duvidas e antagonismos que preparava. Se a bulla de 17 de dezembro não brilhava nem pela solidez dos motivos, nem pelos princípios de justiça e de boa disciplina contidos nas suas provisões mais importantes, não deixava por isso de ser monumento digno de uma politica artificiosa e previdente.

Emquanto estas cousas se passavam, D. João iii não se esquecia de tomar providencias para que os primeiros actos da Inquisição fossem ruidosos e demonstrassem, pelo numero das victimas e pelas provas da gravidade e extensão do mal, a necessidade do remedio. Os meios empregados para obter este fim foram analogos áquelles a que até ahi se recorrera para achar factos conducentes á erecção do tribunal, isto é, as revelações obtidas nas trevas. O que, porém, aquelle systema constante indica é que á vigilancia odienta de um fanatismo exaltado continuavam a faltar actos externos e positivos dos christãos-novos que justificassem o encarniçamento implacavel dos seus inimigos. Elrei dirigiu uma carta aos membros da Inquisição de Sevilha, onde era o centro daquelle terrivel instituto, pedindo que se lhe communicassem as informações que houvesse ácerca dos judaisantes, tanto hespanhoes como portugueses, residentes em Portugal. Hesitaram os inquisidores. Temiam que, procedendo-se neste paiz com menos prudencia e segredo, por falta de habito dos usos inquisitoriaes, os réus capturados, especialmente os castelhanos que, tendo podido evadir-se, haviam sido justiçados em estatua, viessem a saber quem tinham sido em Castella os seus denunciantes e as testemunhas que contra elles haviam jurado. Os protectores e amigos que lá restavam ainda a muitos dos foragidos podiam assim exercer vinganças occultas que, intimidando outros, tolhessem o progresso das delações e a efficacia do tribunal. Tomaram, portanto, um termo méedio. Offereceram ao embaixador português, Alvaro Mendes de Vasconcellos, por quem o negocio correra, communicar-lhe traslados das confissões e depoimentos de alguns judeus que, condemnados por contumazes e queimados em estatua, se tinham posto em salvo, passando a Portugal. Quanto aos mais, deixariam examinar os processos ao embaixador e a outros cavalheiros portugueses que se achavam então na corte de Castella e tomar desses processos as notas que julgassem opportunas para informarem secretamente D. João iii daquillo que desejava saber[83] A' vista dos factos que se passavam em Portugal antes de se obter o resultado das sollicitações que se faziam em Roma, facil é de prever quaes seriam as consequencias da publicação da bulla de 17 de dezembro. Os privilegios e garantias dos christãos-novos, que a auctoridade civil havia concedido e roborado sucessivamente desde 1507, desappareciam diante daquelle acto pontificio, sollicitado e, portanto, avidamente acceito pelo poder temporal. Não era só a essencia do direito de protecção que se invalidava; eram as próprias formulas judiciaes que ficavam annulladas. As delações, as prisões, a ordem do processo, tudo isso ía ser regulado por um systema novo, e tudo isso vinha a ser entregue ao alvedrio dos inveterados inimigos dos conversos. Não eram, porém, unicamente o novo tribunal e os novos juizes, a perseguição methodica e regular, que tinham de temer: eram, tambem, os odios accumulados sobre suas cabeças, que se podiam agora manifestar despejadamente; era o fanatismo popular, exaltado pelo triumpho e certo do favor assim do chefe da igreja como do chefe do estado. Nada mais facil do que renovarem-se as scenas de 1506, e, se alguma cousa havia que podesse mitigar os furores que se desencandeiavam, sería o excesso da perseguição legal. Attenta a irritação dos animos, o unico meio de conter a anarchia consistia em offerecer bastantes victimas no altar da intolerancia; consistia em substituir uma crueldade tranquilla, mas activa e inexoravel, á ferocidade turbulenta do vulgacho fanatisado.

Só em fevereiro de 1532 podiam chegar a Portugal os diplomas necessarios para o estabelecimento da delineada Inquisição[84]. Por maiores que fossem os desejos d'elrei e dos seus conselheiros para realisarem quanto antes os designios de tantos annos, a organisação definitiva do novo tribunal carecia das providencias indispensaveis para se proceder regularmente, visto que a bulla de 17 de dezembro não indicava, nem podia indicar, os meios de execução. Por outro lado, as informações pedidas á Inquisição de Castella estavam dependentes dos exames propostos pelos inquisidores, exames que deviam ser longos e tediosos. Estas circumstancias, independentes de quaesquer outras, explicar-nos-hiam por si sós a falta de todos os vestigios da publicação e execução da bulla de 17 de dezembro, pelo menos nos primeiros seis ou oito mezes de 1532. Se, porém, acreditarmos as narrativas feitas, annos depois, pelos christãos-novos perante a curia romana, aquelle importante diploma occultou-se cuidadosamente até se poder completar a serie de deslealdades e violencias que contra elles se tinham até ahi practicado. Posto que se deva dar desconto ás affirmativas dos conversos, a quem os actos dos seus implacaveis inimigos serviam de desculpa para empregarem contra elles todas as armas, é altamente plausivel o motivo a que, sobretudo, attribuiam aquella demora, este motivo vinha a ser a promulgação de uma lei que se preparava e que cumpria fosse posta em vigor ao mesmo tempo, não só nos logares maritimos do reino, mas também nos que avizinhavam a raia entre Castella e Portugal, e isto antes que a Inquisição começasse a exercer as suas terríveis funcções[85].

Essa lei veio, finalmente, a apparecer a 14 de junho daquelle anno. Por ella se ampliavam e punham de novo em vigor os alvarás de 20 e 21 d'abril de 1499, suscitando-se ao mesmo tempo a rigorosa observancia da ordenação do reino, que, em harmonia com a limitação imposta na carta de lei de 1 de março de 1507, prohibia a passagem dos christãos-novos para Africa[86]. Esta carta de lei era, porém, revogada indirectamente na parte favoravel á raça hebréa. Todos os individuos dessa raça, portugueses e hespanhoes, quer fossem dos primitivos conversos, quer fossem filhos ou netos destes, ficavam inhibidos de sair do reino, não só para terras de mouros, mas tambem para qualquer paiz onde dominasse o christianismo. A propria mudança para os Açores ou para as outras ilhas e colonias portuguesas lhes era prohibida. Comminavam-se aos contraventores maiores de 17 annos a pena ultima e o confisco e aos menores uma penalidade arbitraria. Aos que lhes déssem adjutorio ou os conduzissem para além da fronteira d'Hespanha impunha-se degredo e perdimento de bens, e os capitães e mestres de navios que os transportassem por mar aos outros paizes da Europa, além da perda da fazenda, seriam condemnados á morte. Decretavam-se degredos e confiscos contra os christãos-novos que enviassem seus haveres para os outros paizes e contra quaesquer individuos que lh'os levassem: prohibiase-lhes tomarem letras de cambio para fóra do reino sem o declararem primeiro perante os magistrados, dando, além disso, fiança de fazerem entrar dentro de um anno nos portos do reino mercadorias de valor egual aos saques feitos sobre as praças estrangeiras. Finalmente, vedava-se absolutamente a todos os indivíduos e corporações comprarem aos christãos-novos bens de raiz ou qualquer titulo de rendimento, sob pena de perderem para o fisco a cousa comprada e de pagarem, tanto o vendedor como o comprador, uma mulcta equivalente ao preço da transacção. Os effeitos desta lei deviam durar por espaço de tres annos, começando-se a contar esse praso dois dias depois da sua publicação na corte e nas cabeças de comarca, e passados oito nos termos de cada uma dellas[87].

A promulgação de semelhante lei era o complemento de todos os actos que a precederam. Havia em parte della a franqueza do despotismo, posto que, noutra, fosse modelo de má fé. O seu preambulo linha um merito raro na legislação daquella epocha, a simplicidade. Constava a elrei que muitos christãos-novos , saindo para terras de christãos, passavam ás dos infiéis. Eis o fundamento de todas aquellas barbaras provisões. Nada, porém, mais natural do que esse facto. Dos que saíam, bom numero, por certo, conservavam ainda as crenças de seus maiores ou as da sua infanda, e, portanto, deviam buscar viver nos logares onde achassem maior tolerancia da parte da religião dominante. Mas o que faziam agora tinham-no feito sempre, e isso não obstara a que D. Manuel lhes concedesse as liberdades de 1507 e lh'as prorogasse até 1534, nem que elle proprio, rei legislador, revalidasse por actos successivos e espontâneos as justas e judiciosas concessões de seu pae. Consideradas á luz da conveniência material do paiz e, ainda, do interesse da religião, essas concessões haviam sido evidentemente salutares. A liberdade de saírem do reino com suas familias e bens devia ter sido aproveitada pelos hebreus mais exaltados nas suas crenças; pelos fanaticos da religião mosaica, que os tinha, por certo, como todas as outras religiões. Os que ficavam, ou eram tão tibios que acceitavam a mascara de christãos, renegando exteriormente da propria fé, ou eram indivíduos sinceramente convertidos. Desamparados dos sectarios mais ardentes, obrigados a preterir as formulas externas do culto, formulas indispensaveis para conservar quaesquer doutrinas religiosas entre os espiritos vulgares, os hebreus portugueses não tinham meio de evitar, dentro de certo periodo, a transformação religiosa. Um dos indicios della mais significativos acha-se, de feito, assignalado já em varios documentos desse tempo escriptos pelos seus adversarios. E' a accusação de que muitos delles não eram nem judeus, nem christãos. Essa phase da transição era obviamente inevitavel. Assim, a tolerancia teria sido fatal ao judaismo, ao passo que as fogueiras da Inquisição não fizeram senão fortificá-lo para uma lucta passiva, mas energica, de perto de tres seculos, perpetuando-a pelo que ha mais prolifico para qualquer crença, quer religiosa, quer politica: pelo sangue dos martyres. Os effeitos economicos dessa tolerancia não teriam sido menos importantes, pelos motivos que já mais de uma vez temos ponderado. Tanto é verdade que as doutrinas evangelicas, na sua pura ebella simplicidade, são as mais proprias para desenvolver na terra, não só o bem moral, mas ainda a ventura e o progresso material da sociedade civil.

O leitor estará lembrado da opinião que havia em Roma, e da qual, a principio, se tornara interprete o cardeal Lourenço Pucci (homem entendido, como vimos, em materia de extorsões feitas á sombra da religião) de que as pretensões de D. João iii ácerca do estabelecimento de um tribunal da fé tinham, sobretudo, por incentivo a idéa de espoliar os hebreus, que constituíam a classe mais opulenta do paiz. A lei de 14 de junho parecia ter por alvo justificar aquella opinião. A respeito das provisões nella contidas, pelas quaes os individuos de raça hebréa eram postos, quanto aos seus bens, fóra do direito commum, isto é, pelas quaes se lhes impunha uma pena antes de se lhes provar o delicto, o preambulo daquelle documento legislativo não dava explicações algumas. Ao ver os meios violentos que se empregavam para obstar a toda e qualquer alienação de propriedade que elles pretendessem fazer e o rigor com que se vedava a saída do reino aos seus cabedaes e, ainda, á minima parte delles, dir-se-hia que os fautores e propugnadores da Inquisição estavam persuadidos de que a impia lei do Sinai[88] eivava já dos seus erros os campos, as arvores, as alfaias e, sobretudo, os cofres dos individuos pertencentes áquella raça maldicta. Não era só necessario obrigar os homens a crer aquillo a que repugnavam as suas convicções; era indispensavel christianisar-lhes a fazenda. Convencidos de herejes no novo tribunal, seguia-se para elles, além de outras penas canonicas e civis, o perdimento dos bens, e o fisco, pondo remate á obra dos inquisidores, iria verter a miseria e a fome, no meio das agonias de dolorosa saudade e da deshonra do supplicio de paes, maridos e irmãos, entre as famílias das victimas.

Por mais disfarces que se inventassem, por maior recato que houvesse em esconder o conteúdo da bulla de 17 de dezembro, era impossivel que os christãos-novos o ignorassem, elles a quem não fora possivel occultar as diligencias que se faziam em Roma para a obter. Quando, porém, não conhecessem perfeitamente a extensão do perigo que os ameaçava, a lei de 14 de junho era como um facho de luz sinistra que illuminava a voragem aberta a seus pés. A rapidez quasi incríivel, attentos os difficeis meios de communicação daquelle tempo, com que ella se publicou por todos os angulos do reino acabava de revelar a efficacia com que se pretendia que as suas provisões não ficassem numa van ameaça[89]. Qual devia ser o terror desta gente, que tantas provas tinha ultimamente recebido da malevolencia popular, vendo-se encerrada subitamente no paiz como numa vasta prisão, facil é de imaginar. Já nos annos passados, quando começaram a rebentar por diversas partes as violencias que anteriormente descrevemos, os christãos-novos haviam recorrido a elrei para que lhes fizesse manter seus privilegios e nelle tinham achado, senão boas obras, ao menos as boas palavras da dissimulação. Persuadidos de que nenhuma outra cousa havia a esperar, alguns mais previdentes tinham abandonado a patria[90]; mas o grande numero ainda confiava em que elrei não ousaria collocar-se abertamente á testa da perseguição, com quebra da fé publica. A lei de 14 de junho vinha dar-lhes cruel desengano. A Inquisição, com todas as atrocidades de que o resto da Peninsula era theatro, surgia ante seus olhos como um espectro. Para elles cifrava-se a perspectiva do futuro na morte e só na morte[91]. Os mais audazes, apesar do rigor das penas impostas contra os que buscassem esquivar-se á sorte que os esperava, tentaram a fuga, uns com feliz, outros com infeliz exito. Se acreditarmos as memorias escriptas pelos christãos-novos, as barbaridades usadas com os appreendidos na tentativa foram taes, que reputavam preferivel o viver na Turquia e, até, na companhia dos demonios a residir em Portugal[92]. Sem que deixemos de crer que nas queixas dos perseguidos houvesse, uma ou outra vez, exaggeração, é certo que os factos até aqui narrados, o odio do povo e o espirito que inspirara as provisões de 14 de junho habilitam-nos para avaliarmos as terriveis difficuldades que teriam a vencer os que tentassem a fuga, e quaes seríam as consequencias da tentativa para aquelles que fossem colhidos na empreza. Quanto mais conspicuos ou mais abastados, mais custoso lhes seria salvarem-se; porque com maior vigilancia lhes observariam os passos. Para aquelles cuja fortuna consistia em propriedade territorial tornava-se impossivel tal empenho; porque não tinham meio de realisar as avultadas sommas que seríam necessarias para corromper os officiaes publicos ou para mover os christãos-velhos a porem-nos em salvo. Nesta situação, o primeiro expediente que lhes occorreu foi o das supplicas ao rei. Eram tão obvios, tão indubitaveis os fundamentos dessas supplicas, que, por isso mesmo, se tornavam inuteis. D. João iii e os seus ministros bem sabiam que a lei de 14 de junho representava a quebra de toda a fé publica, a violencia levada ao grau de tyrannia, o escarneo do direito commum. Não nascera d'ignorancia o seu proceder; nascera de proposito deliberado. Invocar, portanto, a moralidade, o direito, os foros da liberdade civil era aos olhos do poder uma petição de principios; era uma inutilidade. Elrei havia-se collocado acima de tudo isso e, calumniando a religião, tinha condemnado em nome della todas as idéas da moral e do direito. Como se devia ter previsto, as diligencias dos christãos-novos para obter a revogação da lei foram completamente baldadas[93].

Restava-lhes o recurso extremo: appelar para a curia romana, visto que este negocio se resumia, ao menos ostensivamente, numa questão religiosa. Adoptaram-no. Cumpre, porém, appreciar o valor deste arbitrio. A primeira consequencia delle vinha a ser exacerbar o animo d'elrei, suscitando-lhe resistencias demasiado serias ao complemento dos desígnios que nutria[94]. Associados e organisados, como já vimos que estavam para se defenderem, e possuindo avultadas riquezas, tinham os meios de crear em Roma um partido seu, partido que, naturalmente, havia de encontrar alli sympathias desinteressadas entre os homens justos, sensatos e que estivessem possuidos do verdadeiro espirito evangelico. Mas, suppondo que esse partido chegasse a fazer inclinar o animo do pontifice a favor dos christãos-novos, quaesquer resultados que d'ahi proviessem seriam mais efficazes para incommodar e irritar os seus adversados do que para os salvar a elles. Estava provado que o poder civil não recuava diante de nenhumas considerações de ordem moral, e, ainda que pelo favor de Roma obtivessem evitar os horrores da Inquisição, ao rei e aos instigadores da perseguição não faltariam expedientes para realisarem por outro modo os seus planos d'exterminio.

Entretanto a publicação da lei de 14 de junho produzia no animo do povo os effeitos que era fácil prever. Necessariamente, a noticia da bulla de 17 de dezembro tinha transpirado e corrido pelo reino, mais ou menos desfigurada. Os sectarios da intolerancia que penetravam nos conselhos do monarcha e que, até, o impelliam, não poderiam resistir por muito tempo á vaidade de assoalhar o proprio triumpho. A promulgação daquella lei confirmava esses vagos rumores. A plebe, movida pelo fanatismo e por paixões vis, habituada já a insultar os christãos-novos, agitou-se e começou a perpetrar novos excessos. As scenas representadas anteriormente em Gouveia repetiram-se por diversas partes. Lamego tornou-se um dos principaes theatros desses escandalos. O quadro do que ahi se passava faz-nos conceber quaes scenas se representariam obscuramente por outras partes. Apenas se publicou alli a ordenação que inhibia os conversos de saírem do reino, logo correu voz do que tal procedimento significava. Dizia-se que a mente d'elrei era estabelecer a Inquisição e mandá-los queimar a todos. A gente baixa affirmava que era uma inutilidade construir novos edificios; porque facilmente se acharia depois morada nas ermas habitações dos judeus. Faziam conventiculos nos quaes se discutia a quem havia de tocar tal ou tal propriedade ou as alfaias deste ou daquelle christão-novo, e lançavam sortes sobre os predios urbanos que elles possuiam. Vociferavam, accusando elrei de tibio, porque não os mandava metter todos á espada, sem esperar por demorados processos. Este dizia que estava fazendo plantios de bosques para crear lenhas com que os queimassem ; aquelle que tinha de afiar a espada para se armar cavalleiro no dia da matança. Os camponeses que vinham ao mercado associavam-se nos ferozes gracejos á gentalha da cidade, assegurando que já estavam promptos os feixes de vides para accender as fogueiras, e que deixariam em herança a seus filhos perseguirem os judeus a ferro e fogo. Havia, até, quem affirmasse ter já prestes todos os seus parentes para irem jurar contra elles. Os mais moderados limitavam-se a attribuir a elrei a intenção de os mandar queimar a todos dentro de tres annos, deplorando que não fosse o praso mais curto, para poderem quanto antes comprar os bens delles a vil preço. A principio, só os insultavam indirectamente , mandando alguns moços cantarlhes cantigas ameaçadoras e insolentes debaixo das janellas; mas os proprios officiaes publicos temiam que estas demonstrações chegassem mais longe. Foi o que succedeu. Aproveitando uma ausência temporaria do primeiro magistrado da cidade, ajunctaram-se varios grupos, certa noite a horas mortas, na rua principal, habitada em grande parte por christãos-novos. Estes grupos não se compunham só da plebe: tinham-se unido a ella indivíduos da classe mais elevada. Alli proromperam em pregões, condemnando os christãos-novos ao fogo. Qualificando-os de cães infiéis e judeus, clamavam em desentoados gritos que lhes pertenciam os bens delles, e que suas mulheres e filhas lhes deviam ser entregues, para as violarem, depois do que, tudo se poderia arrojar ás chammas. Espalhada a voz do tumulto, o alcaide da cidade marchou com alguma gente para a rua nova; mas não pôde prender nenhum dos amotinados, porque lhe resistiram ousadamente, até que julgaram opportuno retirarem-se[95].

A narrativa circumstanciada destas desordens , de que existem provas authenticas, vem confirmar-nos na idéa que resulta de tantos outros factos; isto é, que debaixo do manto do fanatismo se escondiam paixões, se não mais atrozes, por certo mais torpes. Essas paixões manifestavam-se impudentemente desde que as multidões se persuadiram de que a perseguição, digamos assim, official contra a gente hebréa ía organizar-se. Sabemos que nas proprias ilhas dos Açores e da Madeira, nesses pequenos tractos de terra como que perdidos nas solidões do oceano, se repetiam os insultos e as accusações de judaismo, ora cujo abono appareciam facilmente testemunhas que, depois, se provava serem falsas[96]. O que succedia com os christãos-novos de Lamego subministrava um triste documento de que o mais escrupuloso respeito á religião dominante e o proceder mais digno de bons cidadãos, a doçura e a caridade para com os seus semelhantes, quaesquer das virtudes, em summa, que podem tornar o homem respeitado e bemquisto, eram inuteis para os que tinham a desventura de pertencer áquella raça proscripta. Essas familias insultadas, ameaçadas de espoliação, de deshonra e de morte por grupos de individuos entre os quaes se achavam muitos que não pertenciam ao vulgo, recebiam dias depois um testemunho solemne e insuspeito de que, ainda admittindo como legitima a intolerancia, nem assim deixavam de merecer o respeito e a benevolencia de todos aquelles que não escondiam debaixo do manto do zelo catholico os ignobeis designios do roubo, da devassidão e do assassinio[97].

Foi no meio desta recrudescencia da perseguição popular, e depois de exgotados todos os recursos ordinarios para obstar á execução da bulla de 17 de dezembro, que os conversos se resolveram a buscar remedio ao mal, recorrendo ao papa. Era para isso necessario enviar a Roma um homem activo e habil, a quem se houvessem de confiar as armas de que a gente hebréa podia servir-se em sua defesa e que principalmente consistiam em avultados cabedaes. Foi escolhido para isso um christão-novo chamado Duarte da Paz, cuja origem é obscura. Sabemos só que exercia um cargo de certa importancia, de justiça ou de administração, e que foi cavalleiro da ordem de Christo, dignidade que provavelmente, obteve em consequencia de seus serviços em Africa, onde, segundo parece, perdera um olho. Este homem, que veremos figurar por dez annos na longa lucta do estabelecimento da Inquisição, havendo sido violentado no baptismo ou tendo-o recebido em idade anterior á da razão, educado, depois, apparentemente numa crença e occultamente noutra, viera achar-se, como acontecia a tantos outros, sem religião alguma. É, pelo menos, o que indicam os actos posteriores da sua vida. Generoso no tracto, bizarro no jogo, audaz, astucioso, eloquente e activo, Duarte da Paz tinha os dotes mais efficazes para sair com os seus intentos na curia romana[98]. Munido das instrucções e recursos necessários, esperou ensejo favoravel para sair do reino sem perigo. Não tardou este a proporcionar-se-lhe. Elrei, que já por mais de uma vez aproveitara a sua destreza em commissões arduas, precisou de empregá-lo fóra do paiz em negocio importante, cuj natureza ignoramos. Foi no dia da partida que o astuto christão-novo recebeu o grau de cavalleiro. Em vez, porém, de se dirigir ao logar onde era enviado, partiu para Roma e alli começou a advogar a causa dos conversos, posto que não se apresentasse abertamente como seu procurador[99].

Desde que perante Clemente vii se tractara do estabelecimento da Inquisição em Portugal, a corte pontifícia pensava tambem em enviar a Lisboa um homem de confiança, revestido do caracter de nuncio[100]. Vacillou-se muitos mezes na escolha; mas, emfim, foi nomeiado Marco Tigerio della Ruvere, bispo de Sinigaglia, que, partindo de Roma nos fins de maio de 1532, chegou a Portugal nos principios de setembro desse anno[101]. Por outra parte, D. João iii tractava de substituir o embaixador Brás Neto por um individo que melhor representasse a energica vontade com que elle estava resolvido a sustentar a nova instituição, e que fosse capaz de empregar com zelo e destreza todos os arbitrios para defender as obtidas concessões, as quaes o governo português bem sabia que os christãos-novos haviam de combater com todas as suas forças. Não podia a escolha recahir melhor do que em D. Martinho de Portugal, os traços de cujo caracter já anteriormente delineámos. O seu passado representava, ao menos na apparencia, o excesso da intolerancia, e o tempo mostrou que elle era homem incapaz de se prender com quaesquer considerações que se opposessem aos seus designios. Tinha, além disso, experiencia do modo de tractar os negocios na curia, havendo estado por embaixador junto a ella, e gosava alli, como vimos, de credito bastante para o terem revestido do caracter de nuncio quando voltara a Portugal. Desde junho de 1532 constava em Roma a nomeiação do novo agente, e, todavia, elle só partiu nos últimos mezes do anno, eleito já, segundo parece, arcebispo do Funchal, dignidade que lhe foi depois confirmada por Clemente vii, continuando a residir alli conjunctamente com elle, e, ainda, como representante da corte portuguesa, o Dr. Brás Neto, pelo menos até o seguinte janeiro[102].

A escolha do bispo de Sinigaglia para nuncio em Portugal, se não era moralmente a melhor, era a mais appropriada para a curia tirar vantagem da situação dependente em que o furor inquisitorial punha D. João iii. As inevitaveis sollicitações, as queixas, as luctas que deviam apparecer todos os dias, desde que a Inquisição começasse a operar e, ainda, antes disso, não podiam deixar de ser um poderoso instrumento para augmentar a influencia do nuncio, trazer-lhe proventos e dar dobrado vigor á intervenção pontificia nos negocios da igreja portuguesa. Suppostas a vontade inabalavel do rei de manter nos seus estados o tribunal da fé e a necessidade absoluta que os christãos-novos tinham de se oppor á sua permanencia, Roma podia negoceiar tanto com o numeroso e opulento grupo que invocava a tolerancia, como com o bando dos fanaticos que proclamava a perseguição, inclinando-se ora para um, ora para outro lado, e fazendo com essa politica vacillante multiplicar os esforços do desfavorecido, ao passo que suscitaria a generosa gratidão do que triumphasse. Não havia receio de chegar aos extremos, porque sempre era tempo de seguir opposta politica. Em relação ás questões individuaes, aos negocios que ao nuncio tocava resolver por si, verificavam-se as mesmas vantagens para elle que a lucta, considerada em geral, havia de produzir para a curia. De feito, nunca, talvez, se dera conjunctura igual para um individuo pouco escrupuloso poder auferir avultados lucros do cargo de que Marco della Ruvere fora revestido por Clemente vii.

Se acreditarmos as queixas feitas posteriormente contra o bispo de Sinigaglia, este era homem talhado, não só para grangeiar os interesses da sua corte, mas tambem para cuidar seriamente nos proprios. Estabeleceu logo como regra que das appelações vindas dos ordinarios para elle como delegado do papa não tomasse conhecimento o auditor da nunciatura sem commissão sua especial, e esta commissão tornou-a dependente da solução de uma taxa[103]. Tinha-se-lhe dado faculdade para conceder que qualquer clerigo tivesse dous benefícios quando não fossem entre si incompativeis; mas as incompatibilidades desappareciam logo que o dinheiro se mostrava. Para eile, o dinheiro substituia as habilitações ecclesiasticas nos provimentos que competiam ao papa e purificava os homicidas que cahiam debaixo da sua alçada como delegado pontificio. Por peitas, auctorisava-os, até, para continuarem a residir nos logares onde haviam perpetrado o delicto. Ideou um systema engenhoso para impor pensões nos benefícios: era fazer indirectamente com que os proprios postulantes lhe requeressem como favor o pagarem-lh'as. Sem isso, escrupulisava. Não assim quando a pensão tinha de ser paga a algum familiar seu. Neste ponto ía direito ao alvo; impunha-a simples e francamente. Os pactos illicitos e simoniacos celebravam-se em sua propria casa, e o mais é que se lançavam as provas disso nos registos da nunciatura com admiravel singelesa, de modo que era natural suspeitar que o representante da corte de Roma não receiava os resultados de quaesquer accusações futuras[104]. Foi neste homem que os christãos-novos começaram a achar favor[105]. Suppostas as riquezas delles, a grandeza do perigo e o caracter do núncio, não é fácil de crer que essa protecção fosse gratuita; mas, segundo parece, o astuto italiano soube fingir com arte por algum tempo que não se inclinava nem para uma, nem para outra parte[106].

Um facto, que seria inexplicavel, se naquelles tempos não lavrasse a corrupção tão largamente, como no decurso desta narrativa teremos muitas vezes occasião de notar, veio favorecer mais que tudo os ameaçados conversos. Apesar das cautelas com que Duarte da Paz negoceiava, não lhe tinha sido possivel occultar aos agentes d'elrei o progresso das suas diligencias. Além do embaixador Brás Neto, D. João iii tinha em Roma quem mais de perto pugnasse pelos seus interesses. Era o novo cardeal Santiquatro, Antonio Pucci. Que o agente diplomatico de Portugal communicasse para Lisboa o que se tramava contra a concedida Inquisição é mais que provavel. Sabemos, porém, positivamente que o cardeal expediu, um após outro, dous correios ao bispo de Sinigaglia para avisar elrei do que se passava, pedindo a este instrucções sobre o modo de proceder naquelle caso: mas a corte de Portugal, que tão extraordinarios esforços fizera para obter a bulla de 17 de dezembro, parecia ter adormecido depois do triumpho, e nem Pucci, nem o embaixador receberam resposta alguma[107]. Sabía Duarte da Paz que ella não havia de vir, ao menos a tempo de embaraçar o golpe que ía preparando? Parece que sim, visto que procurava remover a opposiçao de Santiquatro ás suas pretensões, visitando-o com frequencia e dando-lhe a entender que para as diligencias que fazia tinha consentimento d'elrei[108]. Das causas de tão singular silencio não nos restam vestígios; mas, se nos lembrarmos de que D. João iii não tinha nem a sciencia, nem os talentos necessarios para evitar o fiar-se nos seus ministros e privados, não nos será difficil conjecturar de que meios occultos os opulentos conversos se poderiam servir dentro do proprio paiz para ajudar os esforços do seu procurador juncto á curia romana.

Entretanto outro successo, não menos singular, occorria em Portugal, successo que, ainda passados dous annos, um habil e activo diplomatico, ao qual o negocio da Inquisição foi especialmente commettido, reputava como origem e causa principal das difficuldades que depois sobrevieram. O mínimo Fr. Diogo da Silva, que fora revestido do cargo de inquisidor geral por proposta de D. João iii, quando se tractava de reduzir a effeito as provisões da bulla de 17 de dezembro esquivou-se a tomar sobre si a responsabilidade daquelle odioso encargo[109]. Se os christãos-novos contribuiram para isso, o que ignoramos, cumpre confessar que haviam tido uma feliz inspiração. Forçosamente o inquisidor fora consultado antes de ser proposto para Roma, e do mesmo modo a sua annuencia devia ter precedido a proposta. Que motivos extraordinarios tinham sobrevindo para uma recusação que havia de produzir vivo desgosto no animo do monarcha? Fossem quaes fossem as razões que movessem Fr. Diogo da Silva, é certo que a renuncia tornava indispensavel nova nomeiação e, por consequencia, a expedição de nova bulla, quando já os christãos-novos tinham quem perante o pontifice advogasse a sua causa e quando, portanto, já não era fácil illaqueiar o papa.

A este conjuncto de circumstancias accrescia a profunda impressão que faziam no animo de Clemente vii as allegações de Duarte da Paz. Entre ellas havia uma á qual poderiam oppor-se muitos sophismas, mas a que uma consciencia recta e um coração probo não achariam nunca plausivel resposta. Era a que se referia á conversão forçada dos judeus portugueses e ás promessas solemnes de D. Manuel, revalidadas por seu filho. Devia tambem movê-lo á compaixão a barbara lei de 14 de junho, que, impedindo-lhes a fuga, os amarrava ao poste do supplicio. A deslealdade com que se haviam omittido na supplica para o estabelecimento da Inquisição os factos que vinham depois invalidar moralmente os fundamentos dessa supplica era só por si motivo sobejo para revogar a bulla de 17 de dezembro ou, pelo menos, para suspendê-la, até se ponderar o negocio á sua verdadeira luz[110]. Foi a resolução que o papa adoptou. A 17 de outubro de 1532 expediu-se um breve[111], dirigido ao nuncio Sinigaglia, pelo qual Clemente vii declarava suspensos os effeitos daquella bulla e de quaesquer outros diplomas pontifícios concernentes ao mesmo objecto, inhibindo, não só o inquisidor geral Fr. Diogo da Silva, mas tambem os bispos, de procederem por esse modo excepcional contra os conversos. Declarava-se, porém, expressamente que a suspensão era temporaria, e que o pontífice não abandonava a idéa de se proceder extraordinariamente contra os offensores das doutrinas catholicas. Assim, a arena ficava aberta para a lucta, e nem de uma parte, nem de outra os contendores deviam perder as esperanças de conciliarem o favor da curia romana para as suas pretensões.

Não era, porém, só uma suspensão temporaria da Inquisição que Duarte da Paz requerera desde o começo. Insistia em que, fosse qual fosse a resolução definitiva ácerca do estabelecimento do tribunal, se concedesse tambem perdão absoluto a todos os que se achassem culpados de erros contra a fé, não se dando effeito retroactivo á nova instituição. Estas pretensões constaram em Lisboa pelo mesmo tempo em que chegava o breve da suspensão; mas nem o embaixador Brás Neto, nem o cardeal Santiquatro, que exercia as funcções de protector de Portugal, receberam instrucção alguma sobre o modo como deviam proceder neste caso, e apenas Pucci soube, por cartas do núncio, que elrei tomava a mal serem nesta parte atteadidas as supplicas dos christãos-novos[112]. Aproveitando o silencio da corte portuguesa, silencio que hoje parece um facto inexplicavel, mas cujos motivos elle provavelmente não ignorava, o astuto Duarte da Paz soubera conciliar o favor do proprio Santiquatro para a causa que defendia. Avisado, porém, por Sinigaglia do desgosto d'elrei, o cardeal prohibiu a entrada de sua casa ao procurador dos christãos-novos. Era tarde. Duarte da Paz redobrou de esforços até alcançar que a maioria dos membros influentes do collegio cardinalicio protegessem resolutamente a causa da raça hebréa, e, como veremos, as suas diligencias, ajudadas, na verdade, pelo poder occulto que entorpecia a actividade e fechava os labios dos ministros do rei de Portugal, obtiveram, dentro de pouco tempo, prosperos resultados[113].

Foi, conforme dissemos, nos ultimos mezes de 1532 que D. Martinho de Portugal chegou a Roma, onde ainda Brás Neto continuava a exercer as funcções d'embaixador. D. Martinho recebeu, partindo, instrucções essriptas, nas quaes, apesas de assás extensas, não se encontra uma palavra ácerca da Inquisição[114]; mas como crer que o proprio D. João iii não as désse, ao menos vocalmente? Comprehende-se a inacção do antigo agente: não se comprehende a do novo. Só hypotheses podem explicá-la, e essas hypoteses occorrem á vista de um facto assás significativo. Desde 1534, as minutas que nos restam da correspondencia official sobre os negocios com Roma são, talvez sem excepção, do punho de Pedro de Alcaçova Carneiro, elevado por aquelles tempos ao cargo de secretario dos negocios da India. Vê-se d'ahi que Pedro de Alcaçova se tornou nessa epocha o homem da plena confiança de D. João iii no que tocava á difficil materia da Inquisição. Desconfiava o rei da inteireza dos outros ministros? Eram as suas desconfianças fundadas? Esse desleixo apparente, tão mysterioso como inesperado, ácerca de um objecto que, havia annos, quasi exclusivamente preoccupava o animo do monarcha, nascia da corrupção dos seus ministros? Nada mais natural do que aproveitarem os christãos-novos tambem este meio de salvação. É pelo menos, quasi certo que, habilitados largamente para isso pelas suas riquezas, haviam de tentá-lo. Eis, quanto a nós, a unica explicação plausivel de um silencio que, annos depois, o cardeal Pucci exprobrava á corte portuguesa, e que se prolongou, ainda após a saídu de Brás Neto de Roma, e de ficar alli por único agente D. Martinho de Portugal[115].

Se, porém, como suspeitamos, o ministro ou ministros por cujas mãos corriam as materias da Inquisição trahiam a confiança do soberano, restam provas indubitaveis de que os christãos-novos não tinham razão para se reputarem mais felizes com o seu procurador, posto que este procedesse de modo diverso. A deslealdade daquelle homem era mais perigosa e desfarçada. Trabalhara activamente, como acabamos de ver, para bem desempenhar a sua missão: mas, fosse porque não quizesse perder para sempre a esperança de voltar á patria, fosse por cega cubiça ou por quaesquer outras miras futuras, Duarte da Paz, pouco depois de expedido o breve de 17 de outubro, tractava seriamente de se congraçar com elrei. O caracter cynicamente abjecto deste homem revela-se plenamente na carta que para tal fim dirigiu a D. João iii, onde allude a outra que escrevia na mesma conjunctura a um valido[116], na qual se desculpava dos cargos que davam contra elle em Portugal. Dir-se-hia, á vista da insolente familiaridade dessa carta, que o astuto hebreu conhecia assás a inclinação de D. João iii a aproveitar os resultados de occultas delações, systema que até aqui temos visto empregado sempre por elle contra os cristãos-novos. Porventura, o proprio Duarte da Paz já teria antes de sair do reino exercido o repugnante mister d'espia. Leva-nos, pelo menos, a suspeitá-lo, não só a confiança com que falava, mas tambem uma phrase daquella singular missiva[117]. Ahi, o procurador dos conversos propunha a elrei dar-lhe secretamente conta, não só de tudo quanto se passava em Roma, mas tambem daquillo que lá se podesse indirectamente saber do que se fazia na corte de Portugal contrario aos interesses ou á vontade delrei. Duarte da Paz não desejava, porém, desempenhar sósinho as vis funcções que sollicitava. Era de parecer que se espalhassem mais seis pessoas de confiança por Italia e Turquia, que exercessem o mesmo officio. Remettia, além disso, a D. João iii uma engenhosa cifra[118], por cujo meio poderiam communicar entre si as cousas de maxima importancia. O hebreu mostrava-se experimentado nas dissimulações do mister. Estabelecia algumas regras de prudencia, que elrei devia seguir, e declarava francamente que semelhantes precauções tinham, em grande parte, por alvo o salvar-se a si mesmo das consequencias das suas delações, se estas fossem conhecidas[119]. Apesar da cifra, o hebreu recommendava a D. João iii nunca escrevesse, excepto no caso de extrema necessidade. Desejava obter a certeza de que esta carta, que só elrei devia abrir[120], chegara ás suas mãos; mas, para isso, pedia-lhe que ordenasse a D. Martinho de Portugal lhe dissesse, a elle Duarte da Paz, que mandasse entregar em Lisboa ao procurador de sua alteza o cartorio que estava a seu cargo. Esta communicação do novo embaixador sería a senha de que fora entregue a missiva. O ultimo conselho que dava a D. João iii era que dissesse muito mal delle, não só em publico, mas, até, em particular. Num postscriptum rogava-lhe que queimasse a carta que lhe remettia inclusa, escripta por uma alta personagem, carta que devia ser importante e que o converso confessava ter furtado a seu proprio pai[121]. Terminava pedindo a elrei não o culpasse por ter vindo a Roma e por continuar a requerer o perdão dos christãos-novos; porque o faço —dizia elle — cuidando que sirvo nisso a vossa alteza[122].

Na boca de um homem virtuoso, esta ultima phrase teria um sentido obvio. Impedir que a intolerancia podesse despeiadamente saciar os seus furores; alevantar tropeços no desfiladeiro por onde o poder se precipitava era em rigor fazer bom serviço ao rei e ao reino. Na boca, porém, de um miseravel, que queria negoceiar do modo mais abjecto com os dous bandos contendores, semelhantes palavras só podiam ter uma significação odiosa. Procurador dos hebreus, mostrando zelo ardente, actividade incansavel, audacia e talento na aggressão e na defesa, nada haveria por mais secreto que fosse que os christãos-novos lhe occultassem. Com tal espia, elrei teria sempre meios de impedir os resultados de quaesquer vantagens que elles podessem obter em Roma. Valia a pena de acceitar as offertas de Duarte da Paz. Acceitou-as D. João iii? Posteriores documentos nos virão esclarecer a este respeito e mostrar como aquelle homem infernal soube representar os dous papeis do que encarregara, até o momento em que, num impeto de despeito, lançando fóra a mascara, se apresentou perante o mundo qual era, isto é, como um malvado capaz de adoptar todas as religiões, mas incapaz de crer em cousa alguma que não fossem o proprio interesse e a satisfação das suas paixões ignobeis.

Neste estado estavam as cousas nos primeiros mezes de 1533. O theatro em que temos visto passar as scenas iniciaes do drama horrivel, e, ainda, mais repugnante que horrivel, do estabelecimento da Inquisição ampliou-se. Os outros actos representar-se-hão em Portugal e em Roma. Se, até aqui, o fanatismo disputou à hypocrisia e á corrupção moral o primeiro plano, vê-lo-hemos nessa tela, cuja vastidão duplica, alongar-se para o fundo do quadro. Mas a licção será ainda mais proficua. O fanatismo tem a nobreza de todas as paixões ardentes: ergue os olhos para Deus, que calumnía, mas a quem crê servir e honrar: é a tempestade do coração humano que passa grandiosa, como as da natureza, e que deixa após si um sulco de estragos. A hypocrisia, suprema perversão moral, é o charco podre e dormente que impregna a atmosphera de miasmas mortiferos e que salteia o homem no meio de paisagens ridentes: é o reptil que se arrasta por entre as flores e morde a victima descuidada. A civilisação, nos seus progressos, enfraquece gradualmente o fanatismo, até o anniquilar. A hypocrisia vive com todos e com tudo e accommoda-se a qualquer grau de cultura social. Se mão robusta lhe rasga o manto da religiosidade de que se cubriu, rindo impiamente, e aponta aos que passam as suas pustulas asquerosas, brada contra a calumnia, chora e declara-se martyr, reservando no peito para os dias propicios vinganças que ultrapassem a effensa e que, vindas della, são sempre implacaveis.

Foi por isso que o Salvador assignalou a hypocrisia com o sello da sua tremenda maldicção. Aquelle para quem o futuro não tinha mysterios sabía que ella sería em todos os tempos a mais cruel inimiga do christianismo e da humanidade.


FIM DO TOMO I

Notas[editar]

  1. Sousa, Annaes de D. João iii, P. 2, c. 3 e 4.
  2. Goes, Chron. de D. Manuel, P. 4, c. 26. Osorius, De Reb. Eram. L. ii.
  3. Sousa, Annaes de D. João iii, P. i, c. 2. — Faria e Sousa. Europa Port., T. 2. P. 4. c. 2.
  4. Será difficil encontrar no Arch. Nacional, e ainda nas collecções das bibliothecas e de outros archivos, minutas de correspondencias, instrucções, providencias etc., expedidas em nome de D. João III, pelo menos desde o anno de 1532 ou 1533, que não sejam da letra de Pedro d'Alcaçova, sobretudo no que toca á Inquisição, e em que não se encontre um fundo de idéas e uma forma de as exprimir sempre analogas, como filhas de uma intelligencia unica. Ainda abstrahindo das minutas hoje perdidas, custa a crer como um individuo só bastou ao trabalho de redigir tantos papeis que nos restam sobre uma infinidade de negocios, desde as mais ridiculas questões fradescas até as mais graves materias do governo do estado.
  5. Faria e Sousa, Europa Port., T. 2, P. 4, c. 2, n. 12.
  6. Sousa, Annaes, P. I, c. 5.
  7. Ibid. c. 5 e 6.— Castilho, Elog. de D. João iii. — Trigoso, Memorias sobre os Escrivães da Puridade e sobre os Secretarios dos Reis, etc.
  8. «Sereníssimo Joanne,... nunc rege, regnum intrante... publicus rumor esset... Joannem juvenem istos novos christianos odio habere»: Symmicla Lusit., vol. 31, f. 7 v. —«quan odiosos le fueron siempre desde su niñez los que tienen errores contra nuestra sancta fé»: informe da Inquis. de Sevilha em 1531: G. 2, M. I, N.° 17, no Arch. Nac.
  9. «post mortem regis Emmanuelis... pluries de illis omnibus occidendis, per totum regnum detestandas fecerunt conjurationes»: Symm. L., vol. 31, f. 8 v.
  10. «rationibus publicis et notoriis, quibus rex Emmanuel fuit motus, de consilio suorum magnatorum acquiescens... eadem privilegia... confirmavit»: lbid. f. 8.
  11. Chancellaria de D. João iii, L. i, f. 44 v. e L. 4. f. 86 e 87 v.
  12. Sousa, Annaes, L. 2, c. 14.
  13. Hoje é difficil distinguir os capítulos das cortes de 1525 dos apresentados de novo em 1535, porque uns e outros e as respectivas respostas só foram publicadas conjunctamente em 1538 com as leis que em virtude delles se promulgaram. Provavelmente em 1535 pouco mais se fez do que repetir o que estava dicto por parte dos povos em 1525. Sousa (Annaes, L. 3, c. 3) parece ter tido esta mesma opinião.
  14. Cortes de 1525 e 35 (Lisboa, 1539, in fol.) c. 1, 3. 5, 7, 14, 16, 17, 20, 35, 37, 43, 50, etc.
  15. Ibid. c. 150.
  16. Ibid. c. 183.
  17. Ibid. c. 182.
  18. Ibid. c. 98, 99.102.
  19. Ibid. c. 103.
  20. Ibid. c. 98 e 157.
  21. Ibid. c. 161, 162, 163, 194.
  22. Ibid. c. 136.
  23. Ibid. c. 172, 176, 177.
  24. «Foi S. A. de muitos annos a esta parte per muitas vezes enformado e assy lhe foi noteficado por pregadores e confessores, homees vertuosos dignos de muita fee e assim per prelados... que os christãos-novos judaizavam... o que tambem se soube... por alguns feitos... e pera disso ser mais certificado quiz ver... algumas inquirições tiradas pelos ordinarios»: Apontamentos para as Instrucçôes ao embaixador em Roma: G. 2, M. 2, N.° 35. — Estes apontamentos sem data são de 1533, porque se referem a conversão dos judeus como effeituada havia 35 annos. As delações feitas a elrei muitos annos antes deviam, pois, coincidir com os primeiros do seu reinado.
  25. Sobre estes suffragios do oitavo dia e do fim do anno e sobre os trintarios vejam-se as antigas constituições dos bispados do reino, J. P. Ribeiro (Reflex. Histor. P. 1, N.° 12) e o Elucidario de Viterbo, Suplem v. Trintairo.
  26. Carta do Dr. Jorge Themudo a D. João iii, G. 2, M. 2, N.° 60, no Arch. Nac.
  27. Era tão frequente como hoje. Eis o que a tal respeito respondeu Fr. Francisco da Conceição, consultado sobre este e outros objectos pelos padres do concilio do Trento, desejosos de se informarem do estado da religião de Portugal: «Multi vel sine hoc sacramenlo (unctione) discedunt, vel tunc suscipiunt quum vix jam sentiant, quod nemo audet eis (est enim extremum ut putant, mortis nuncium) persuadere»: Symmicla Lusit. (vol. 2.°, f. 186). O mesmo motivo que se dava para os christaos-velhos morrerem sem extrema-uncção nao se dena para morrerem sem ella os conversos?
  28. Fr. F. a Conceptione, Annotatiunculae in Abusus etc.: Symmicta Lusit. (vol. 2, f. 183 v.).
  29. Consta que esta alcunha lhe fora posta por elrei do inquerito mandado fazer pelos inquisidores de Llerena em fevereiro de 1525 ácerca da morle de Henrique Nunes. Deste inquerito e dos documentos a elle annexos (G. 2, M. 1, N.° 36, no Arch. Nac.) nos havemos principalmente de servir nesta parte do nosso trabalho. Pelo mister que Firme-fé exercia, seria imprudencia dar-lhe logo este titulo, ao menos publicamente.
  30. Acenheiro, Chronic., p. 350.
  31. Llorente, Hist. de l'Inquisit., T I, p. 354, 345 e segg. — Discussion dei Proyecto sobre el Tribunal de la Inquisicion (Cadiz, 1813), p. 18, 19, 346, 406 e segg.
  32. Acenheiro, l. cit.
  33. «o dito rei queria fazer inquisição em Portugal, e por esta causa o mãodara chamar»: Acenheiro, l. cit.
  34. «V. A. me mandô que escreviesse nesta parte mi parecer»: Carta I.ª do Appenso ao Inquérito da G. 2, M. I, N.° 36, no Arch. Nac. — «S. A. deve ser acordado que en la segunda audiencia quando me mandô a Santarém me mandô S. A. que me metiesse con ellos e comiesse e beviesse e lo que más se offereciesse para que S. A. por mi fuesse enformado de la verdad, por lo qual mandado oyo e suffro e callo hasta que S. A. sea servido etc.» Ibid. carta 2.ª.
  35. Acenheiro, l. cit.
  36. Inquérito de G. 2, M. I. N.° 36 — Acenheiro, l cit.
  37. Orden. Manuel.. L. 5, tit. 10, § 2.
  38. Inquérito, l. cit. — Acenheiro, l. cit.
  39. «Oyó dezir este testigo que otros christianos nuevos de Portugal lo mandaron matar e le dieron muchos dineros a los que lo mataron»: Inquérito, l. cit.
  40. Acenheiro, l. cit. Nem no inquérito mandado fazer pelos inquisidores, nem no instrumento das cartas achadas no vestido do morto, instrumento dado pela auctoridade civil de Badajoz, apparece o menor vestigio deste conto.
  41. Inquérito, l. cit. — Acenheiro, l. cit.
  42. Inquerito, l. cit. — Appenso, Carta 3.ª.
  43. Ibid. Carta 1.ª
  44. «em la primera audiência que me hizo mercêd de me oyr me quexê deste mi hermano... que lo habia mandado hurtar de acá para Castilla... por lo hazer catholico, como lo tenia hecho, e vino a Lisbona a hazerse judío como los otros»: Ibid. Carta 2.ª.
  45. «apud dictum serenissimun regem etiam medio quamplurium dicti regni praelatorum, et, quod peius et, fratrum dicti ordinis (praedictorum) hispanorum, quibus etiam totius Castellae, et praesertim serenissimae reginae hodié viventis inordinatus favor non defuit, insteterunt»: Memoriale Christianor. novor.:Symm. Lusit., vol. 31, f. 12.
  46. «eadem privilegia...: prout ejus pater concesserat... puré et resolutè confirmavit... quo multo magis et magis dicti novi christiani a dictis regnis non recesserunt.» Ibid. f. 11.
  47. O inquerito e seus Appensos, que se acham na G. 1, M. 2, N.° 36, no Arch. Nac., posto que authenticos, offerecem duvidas quanto á exacção dos factos que nelles se contém. A primeira singularidade é terem-se achado na algibeira do morto as cartas que dirigira a elrei, o que, até certo ponto, se explica, suppondo que fossem as minutas dellas, mas que, aliás, eram papeis que, por interesse proprio, elle devera ter anniquilado. A segunda singularidade é que os assassinos não examinassem o cadaver e não lh'as tirassem, ignorando, como necessariamente ignoravam, que já elrei as havia recebido. Não poderia D. João iii ter empregado a corrupção para fazer ajunctar ao auto do corpo de delicto as cartas que estavam em seu poder, para depois obter dellas transumpto authentico? Seja como for; nas costas daquelle documento ha duas notas, cada uma de diversa letra, mas ambas da epocha, nas quaes se lê o seguinte: «Apontamentos que deu elrei, que lhe trouxe de Castella mestre Margalho, que foram achados a Anrique Nunes Firme-fé quando o mataram: em Coimbra o primeiro dia de outubro de 1527.» — «Desta cota se infere que este traslado mandou elrei a Roma quando começou de pedir ao papa Clemente vii a Inquisição.» — Ácerca de mestre Margalho veja-se Leitão Ferreira, Memorias Chronolog. da Universid., § 1020, 1024 e segg.
  48. Doc. orig. de março e maio de 1528. na G. 2, M. 1, N.° 46 e G. 20, M. 7, N.os 14, 35 e 36, no Arcg. Nac.
  49. Carta do Dr. Selaya, março de 1528, G. 2, M. 1, N.° 46.
  50. O desacato consistira em derribar a imagem s fazê-la pedaços: Symmicta, vol. 31, f. 15.
  51. Carta dos juizes ordinarios de Gouveia de 8 de nov. de 1528: Corpo Chronol., P. 1, M. 41, N.º 108, no Arch. Nac.
  52. Orden. Manuel., L. i, tit. 44, § i.
  53. «plurimos falsis testimoniis morti tradiderunt, facta, ut diclum est, inter testes conjuratione»: dizem os dous jurisconsultos Parisio e Veroi na consulta que lhes mandou fazer Clemente vii sobre a materia da Inquisição (Symmicta, vol. 31, f. 229). Veja-se, tambem, o Memoriale (Ibid. f. 12 e segg.).
  54. Corpo Chronol., P. i, M. 32, N.° 56 e 60. — Maço 20 de Bulas N.° 10 e M. 11 de dictas N.º 20 — Gav. 7, M. ii, N.° 4, no arch. Nac.
  55. Estas graves accusações que fazemos aqui serão plenamente justificadas pela correspondencia original de D. Martinho, quando, annos depois, foi, de novo, embaixador em Roma, sobre o negocio do estabelecimento da Inquisição.
  56. «Tandem traditi sunt igni et in Christum D. N usque ad ultimum anhelitum inspirantes, sancto que crucifixo adherentes vitae suae extremum clauserunt diem»: Memoriale, l. cit., f. 15.
  57. «Tirei devassa assy sobre estes como sobre os que la na corte estão: consta... serem judeus como o eram ante que os fizessem christãos. La mando todo. E por serem pessoas riquas e correrem risquo em irem desattados, mandey com elles o meirinho etc.»: Carta do Licenciado Sebastião Duarte a elrei: 16 de setembro de 1529: Corpo Chronol., P. i, M. 4, N.° 84, no Arch. Nac.
  58. Memoriale, I. cit, f. 16.
  59. Ibid. f. 15 v.
  60. Instrumentum de Injuriis et Tumultibus in oppido de Gouves etc.: Symmicta, vol. 31, f. 102 e segg.
  61. Fr M. de S. Damaso, Verdade Elucidada, p. 19.
  62. Memoriale, l. cit., f. 12 e 13. — Instrumentum oppidi Oliventiae etc.: Ibid. f. 96 e segg.
  63. Carta de Gil Vicente a D. João iii (26 de janeiro de 1531) nas suas obras, T. 3, p. 385 (edição de 1834).
  64. «Qua de causa episcopus funchalensis et doctor Joannes Petrus et ego illos qui ad manus nostras veniebant, propter similes causas haereseos, dimitti mandamusu: Episc. Silviens. Sentent. 1.ª in Symmicta Lusit., vol. 31, f. 79. — «Doctor Joannes Petrus et episcopus funchalensis, et doctor Ferdinandus Rodericus cum aliis clericis eos pronunciabant liberandos, quia eos judaeos reputabant, et non haereticos.» Ibid. Senten. Definit. 2.ª Ibid. f. 76 v.
  65. «Quia ego, si septuagenarius non essem, et fueram hujus modernae aelatis, hanc probationem pro falsa habueram; quia est tam clara et tam aperta quod jus illam pro falsa habet. Et barricellus qui quaerelavit et testes omnes debuerant venire ad torturam... Lavo manus ab isto processu, licet non sim Pilatus: judicent alteri litterati moderni»: Id Ibid. f. 77 v. e 80.
  66. Id Ibid.
  67. «per reginam uxorem suam et altos potentes dominos» : Memoriale, Ibid. f. 21.
  68. Minuta das instrucções ao dr. Bras Neto (sem data), G. 2, M. 2, N.° 39, no Arch. Nac.
  69. «vos encomendo e mando que o mais breve que poderdes com muita diligencia e segredo peçaes etc». Ibid.
  70. «Faley a Santiquatro nisto: acheyo um pouco aspero, e disseme que isto parecya que se ordenava pera proveyto, e aqueryr as fazendas desta gente, como se dizia da de Castella»: Carta de B. Neto a elrei de 11 de junho de 1531, no Corpo Chronol., P. 1, M. 46 N.° 102, no Arch. Nac. Neste documento, em parte lacerado, falte a assignatura; mas é original da letra de Brás Neto.
  71. «e quem quysêse ficar que ficasse, e estes esfollassem se fizessem o que não devessem»: Ibid.
  72. Ibid.
  73. Ibid.
  74. Carta de B Neto, a elrei de 1 de agosto de 1531, no Corpo Chronol., P. 1, M 47, N.° 2.
  75. Ciacconius, Vitae Pontific. vol. 3, col 338.
  76. Chama va-se protector de qualquer paiz o cardeal que, entre os mais influentes da curia romana, o governo desse paiz escolhia para servir de seu agente e procurador perante o consistorio. Póde-se imaginar o preço por que ficariam procuradores de tal ordem.
  77. Ciacconius. Op. cit., vol. 3, col. 522.
  78. «Nec aliquo pro istis miseris in curia tunc temporis residente»: Memoriale, Symmicla Lusit. vol. 31, f. 23 v.
  79. Ibid. Nota marginal.
  80. Sousa. Annaes, Memor. e Doc. p. 375.
  81. «ad ritum judaeorum, a quo discesserant»: Bulla Cúm ad nihil magis 16° kal. Jan. 1531, no Maço 2, N° 6 de Bullas e na G. 2, M. 1, N.° 35 e 44 no Arch. Nac.
  82. Ibid e Breve a Fr. Diogo da Silva de 13 de janeiro de 1532, no M 2 de Bullas n ° 13.
  83. Informação dada ao embaixador Alvaro Mendes pelos Inquisidores de Castella etc. (sem data), G. 2, M 1, N.° 17. Do contexto desle documento se deprehende que foi feito antes de haver Inquisição em Portugal, e Alvaro Mendes começou a ser embaixador em Castella desde setembro de 1531 (Visc. de Santarem, Quadro elementar, T. 2, p. 69 e seg.). Assim o documento pertence aos ultimos tres mezes deste anno.
  84. Como vimos acima, o breve especial a Fr. Diogo da Silva, para que acceitasse o encargo de inquisidor, é datado de 13 de janeiro de 1532.
  85. «Rex vero, seu potius ejus consiliarii, aut fratres praedicti, futuri (ut credebant) inquisitores, considerantes quod si Inquisitionem... obtentam publicassent omnes novi christiani erant a regnis illis tanquam a crudelibus terris recessuri, priúsquam aliqui eorum de dieta Inquisitione notitiam habuissent, fecerunt cum rege praefato ut legem quandam tyrannicam et mandatum, alias jugum, contra istos miseros priús fecisset et publicasset, quod ita factum fuit»: Memoriale, l. cit., f. 24 et v.
  86. V ante p. 191 e seg. — Ord. Manuel., L. 5, t. 82, § 1.
  87. Figueiredo, Synops., T. I, p. 346 — Traslados authenticos desta lei inseridos nos autos da publicação em Entre Douro e Minho, no Alentejo, no Algarve acham-se na G. 2, M. 1, N.° 41, e M. 2, N.° 47, e G 15 M 2 N.° 14, no Arch. Nac. e em outras partes. Na Symmicta (vol. 31, f. 168 v.) está inserta uma versão latina com a data de 14 de maio e no fim Petrus de Leacova fecit. Evidentemente é o nome alterado de Pedro d'Alcaçova, que já começa a figurar como secretario de D. João III. Porventura, essa versão foi feita de alguma copia obtida furtivamente pelos christãos-novos. Em tal hypotese, a data de 14 de maio seria a da lei redigida um mez antes de publicada.
  88. Uma das cousas mais curiosas nos documentos daquella epocha relativos ao estabelecimento da Inquisição é a variedade de improperios vomitados contra a religião mosaica, religião estabelecida por Deus e sanctiflcada nas divinas paginas da Biblia, embora abrogada depois pelo christiamsmo. As accusaçôes de mentirosa, de impia, de embusteira, de blasphema são das mais suaves. Toes eram o furor cego do fanatismo e o despejo da hypocrisia.
  89. Dos autos da publicação em Braga e em muitos outros concelhos d'Entre Douro e Minho vê-se que a lei chegara alli dentro de tres dias depois de promulgada em Setubal, e dos autos relativos ao Alemtejo se conhece que a Elvas e a outros Jogares da fronteira chegara dentro de dous dias, G. 2, M. 1, N.° 41, e M. 2, N.° 47, no Arch. Nac.
  90. «qui (rex) bona verba, factis tamen... penitus contraria adhibendo, illos ad animorum inquietudinem... conduxit, adeo quod eorum aliqui futura praedicentes, regiamque, elsi latentem, indignationem, seu potiús animi corruptionem sentientes, a diclis regnis recesserunt»: Memoriale, l. cit., f. 21.
  91. «seipsos pro mortuis meritò reputarunt»: Ibid f. 27 v.
  92. «et in quamplurium fuga talia contra ipsos pluriés comprehensos perpetrata sunt, quod mirandum profecto quod non ad turcharum dominia, sed ad diabolorum domos non transferrentur»: Ibid.
  93. Ibid. f. 28.
  94. «licet, aliás, pro certo habuissent... quod rex ipse eosdem novos christianos, et praecipuè eorum capita, duriore et acerbiore mente tractare et tenere habebat si ad sedem apostolicam recursum habuissent, tamen videntes, aliam eisdem non superesse salutem, omni timore ac metu postposito, pro remedio a Vicario Christi obtinendo... una voce clamarunt, et statim recurrerunt ad Clementem praefatum»: Ibid.
  95. Instrumentam Lamecense, Symm., Vol. 31, f, 178 v.
  96. Fazem disto fé os instrumentos judiciaes, apresentados pelos christâos-novos em Roma pelos annos de 1544, que se acham na Symmicta, vol. 31, f. 137 e seg., e, acerca do que se passava no reino, além do instrumento relativo a Lamego, os que se acham a f. 109 e seg., 116 e seg., 119 e seg., 151 e seg., parte dos quaes ainda teremos de aproveitar.
  97. No inquérito de testemunhas feito judicialmente em Lamego, a 17 de julho, sobre a vida, costumes e religião dos christãos-novos depossram largamente a favor delles, entre outros fidalgos, cavalleiros e ecclesiasticos, o governador da cidade, o alcaide, o custodio e o guardião dos franciscanos, D. Christovão de Noronha, sogro do Marquez de Villa Real, o chantre da sé, etc.: Synlmicta, I. cit.
  98. Estas especies ácerca de Duarte da Paz são tiradas de uma carta sua a elrei, de que brevemente nos aproveitaremos, e de dous officios curiosíssimos de D. Martinho, arcebispo do Funchal, embaixador em Roma, de 14 de março e 13 de setembro de 1535, que se acham na G. 2, M. 1, N.° 48 e M. 2, N.° 50, no Arch. Nac.
  99. «Duarte da Paz procura não embuçado, como fazia em vida de Clemente, mas publico»: Carta de D. Martinho de 14 de março de 1535, 1, c. Veja-se tambem a minuta da carta de João iii a Santiquatro de ? de 1536 (G. 2, M. 1, N.° 28) onde se acham as outras particularidades relativas a Duarte da Paz e á sua saída do reino.
  100. Cartas de B. Neto de 11 de junho e de 1 de agosto de 1531, l. cit.
  101. Breve de 15 de maio de 1532, no M. 19 de Bullas N.° 20. — Carta de B. Neto de 3 de junho de 1532, no Corpo Chronol., P. 1, M. 49, N.° 10.— Carta do bispo de Sinigalia a D. João iii de 2 de setembro de 1532, ibid. N.° 101; tudo no Arch. Nac.
  102. Da carta de B. Neto de 3 de junho de 1532, se vê que elle esperava ser substituido por D. Martinho. No M. 20 de Bullas N. 11, no Arch. Nac., está um breve de 16 de novembro, recommendando a elrei B. Neto, que voltava a Portugal; mas do documento do C. Chronol., P. 1, M. 50, N.° 76, se vê que ainda em janeiro de 1533 este exercia em Roma as funções de embaixador. É depois que começa a figurar como tal D. Martinho. A 4 de novembro, porém, já este se achava em Roma, como se conhece da carta de Duarte da Paz (C. Chronol., P. 1, M, 49, N.° 20) que adiante havemos de citar.
  103. Cartas Missivas, sem data: M. 3, N.° 291, no Arch. Nac.
  104. Vejam-se os capitulos dados contra este núncio na G. 13, M. 8, N.° 12, no Arch. Nac. Parece ser a esses capitulos que se refere D. João iii na carta ao arcebispo do Funchal que se acha na G. 2, N.° 21.
  105. No Memorial dos christãos-novos de 1544 invoca-se mais de uma vez o testemunho do bispo de Sinigaglia sobre as injustiças practicadas contra elles por essa epocha e allude-se, até, á protecção que lhes dava.
  106. E' o que se deduz de ser Sinigaglia quem communicou para Roma o desprazer d'elrei sobre o procedimento da curia quando foi suspensa a bulla de 17 de dezembro. Veja-se a carta de Santiquatro de 14 de março, na G. 2, M. 5, N.° 51.
  107. Carta de Santiquatro de 14 de março de 1535, l. cit.
  108. Ibid.
  109. «considere bem V. A. que neste negocio o que nos tem feito grande mal foi o nom aceitar Fr. Diogo da Silva a posse delle»: Carta de D. Henrique de Meneses a elrei de 17 de março de 1535: G. 2, M. 5, N.° 55, no Arch. Nac.
  110. Breve Venerabilis frater, dirigido ao bispo de Sinigaglia. É singular que este breve não se encontre, nem no original, nem em transumpto, no Arch. Nac. Delle não podemos achar copia por integra em parte alguma Aproveitámo-nos, portanto, do largo extracto publicado por Fr Manuel de S. Damaso (Verdade Elucid., p. 23). Na copia do processo da Inquisição que pertenceu ao conego Lazaro Leitão, e de que o auctor da Verdade Elucidada se serviu, vinha elle inserido: mas falta, bem como outros documentos, na copia do mesmo processo que constitue os volumes 31, 32 e parte do 33 de Symmicta Lusitana. No breve de perdão aos christãos-novos de 7 de abril de 1533 (G. 2, M. 2, N.° 11), Clemente vii refere-se expressamente a esse anterior documento.
  111. Ibid.
  112. Carta de Santiquatro cit., loc. cit.
  113. Ibid.
  114. Destas instrucções, que não encontrámos na Torre do Tombo, ha copia num volume de Memorias de Pedro de Alcaçova Carneiro, existente ns Academia R. das Sciencias.
  115. Carta de Santiquatro cit., l. cit.
  116. «Eu escrevo ao conde (talvez o da Castanheira) muito verdadeiramente quam pouca culpa tenho em nenhuma das cousas que ma dão». Curta de Duarte da Paz a elrei de 4 de novembro de 1532, recebida em Évora a 19 de dezembro por via de Alvaro Mendes embaixador juncto a Carlos v}: Corpo Chronol., P. I, M. 49, N.° 20.
  117. sempre estou, como estava nesse reino, prestes a serviço de V. A».
  118. A cifra acha-se inclusa na carta: compunhase de quatro signaes para cada letra do alphabeto de modo que se evitasse a repetição constante de um unico signal para representar qualquer letra. O nome do signatario era já escripto em cifra.
  119. «por me non succeder algum perigo aa pessoa tomando alguma minha letra»: Ibid.
  120. O sobrescripto é: «A elrey nosso senhor — de muito seu serviço pera a S. A. abrir.
  121. «Esta carta do duque (provavelmente o de Bragança, D, Jayme) furtey a meu pae; mande-a V. A. queimar». Ibid.
  122. Ibid.