Hontem pos-se a sol
Hontem pos-se a sol, e a noute
cobriu de sombra esta terra.
Agora é já outro dia,
tudo toma, toma o sol;
só foi a minha vontade
para não tomar co tempo!
Todalas coisas, per tempo,
passam, como dia e noute;
ua só, minha vontade,
nam, que a dor comigo a aterra;
nela cuido enquanto ha sol,
nela em quanto não há dia.
Mal quero per um só dia
a todo outro dia e tempo,
que a mim pôs-se-me o sol
onde eu só temia a noute;
tenho a mim sobre a terra,
debaxo minha vontade.
Dentro na minha vontade
nam ha momento no dia
que nam seja tudo terra;
ora ponho a culpa ao tempo,
ora a tomo a pôr à noute:
no milhor, pôs-se-me o sol!
Primeiro não haverá sol
que eu descanse na vontade.
Pôs-se-me hua escura noute
sobre a lembrança de um dia,
Inda mal porque houve tempo
e porque tudo foi terra.
Haver de ser tudo terra
quanto ha debaxo de sol
me descansa, porque o tempo
me vingará da vontade:
se nam que antes deste dia
ha de passar tanta noute!