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Horas de Folga/A menina malcriada

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A menina malcriada




Maria e Joana tinham voltado do colégio, e, de conversa com a pequena da caseira àcerca da boneca, esperavam sua prima Cecília, que tinha ficado de as visitar. Logo que chegou pediu-lhes para irem com ela dar uma volta na quinta.

Fôram. Mas, ao chegarem ao pomar, viram uma linda laranjeira, já carregada de frutos doirados emquanto todas as outras se conservavam verdes.

– ¿Vamos ás laranjas? propôs avidamente Cecília.

– Oh! não, respondeu Maria. A mãezinha zangar-se-ia.

– A tua mãe sabe lá!

– Proíbiu-nos de the mexer, ajuntou Joana.

– Mais apetite fazem. Eu cá, quando me proíbem uma coisa, é logo quando a desejo fazer.

– Sim, mas tu, tornou-lhe rindo Joana, não és exemplo para ninguem.

– Então mais uma razão.

E, com um pulo ágil, saltou para cima da laranjeira e colheu um fruto. Mal o arrancára, avistou seus tios, que apareciam, a cavalo, ao fundo da rua, marginada


…de conversa com a pequena da caseira

 

por grandes árvores, e percebeu, pelo ar de desagrado dos seus rostos, que a tinham visto colher a laranja. Sem se desorientar, nem descer da árvore em que estava empoleirada, disse ràpidamente ás primas:

– Diabo! Os tios viram tudo. Oiçam-me com muita atenção.

E, tomando um tom doutoral, continuou em voz alta:


Cecília

 

– A terra tem a forma dum globo ou duma bola, dizem os livros. Mas muito melhor diriam, se a comparassem a esta laranja, porque é um pouco achatada nos dois extremos opostos, que se chamam polos.

– Estás insuportavel com a tua sciência, observou-lhe Maria, que se sentia humilhada da prima lhe estar ensinando uma coisa que ela não sabia. – Salta daí, anda, pediu Joana.

Cecília, sem descer da árvore, continuou:

– Porém esta que apanhei não obedece á regra geral: do lado do pedúnculo é um pouco convexa…

– Desce, anda, insistiu Maria.

– Parva! exclamou Cecília com desdem. ¿Não percebêste ainda que eu o que quero é justificar-me de ser apanhada com a laranja na mão?

E como os tios chegassem ao alcance da voz e lhe gritassem:

– ¿Que fôste fazer para cima da árvore?

Cecília volveu prontamente:

– Explicava ás primas a forma da terra e, ao chegar á zona tórrida, senti um tal calor que precisei de me refrescar.

E começou a comer a laranja. Atirando uma a cada prima, concluiu:

– Vocês façam o mesmo para digerir a lição.

E continuou a comer àvidamente. Os tios desataram a rir e a tia fez sinal ás filhas, que a olhavam interrogadoramente, de que podiam comer. Cecília, saltando num pé e noutro, disse, rindo, ás primas:

– Vocês fazem bem em não tirar as laranjas. Eu sempre apanhei um susto!

– Ninguem havia de dizer! comentou Maria.

– Valeu-te a forma da terra, disse, rindo, o tio.

– Se não fôsse isso…

E a tia concluiu a frase por um gesto ameaçador.

– Estudemos geografia depressa, meninas. Se eu tivesse de ir mais longe, como sou preguiçosa, não poderia saír da dificuldade. Ainda que a geografia não tenha outra utilidade, pode servir para comermos laranjas impunemente.

– Cuidado! volveu o tio. E’ bom lembrar-lhes o provérbio: – Uma vez leva-a o gato…