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Horto (1910)/Ao cahir da noite

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AO CAHIR DA NOITE


A Maria Emilia Loureiro



Não sei que paz immensa
Envolve a Natureza,
N’ess’hora de tristeza,
De dor e de pezar.
Minh’alma, rindo, pensa
Que a sombra é um grande véo
Que a Virgem traz do Céo
N’um raio de luar.

Eu junto as mãos, serena,
A murmurar contricta,
A saudação bemdita
Do Anjo do Senhor;
Emquanto a lua plena
No Azul, formosa e casta,
Um longo manto arrasta
De lurido esplendor.

Minhas saudades todas
Se vão mudando em astros...
A magua vae de rastros
Morrer na escuridão...
As amarguras doudas
Fogem como um lamento
Longe do Pensamento,
Longe do Coração.

E a Noite desce, desce
Como um sorriso doce,
Que em sonhos desfolhou-se
Na voz cheia de amor,
Da mãe que ensina a Prece
Ao filho pequenino,
De olhar meigo e divino
E labio aberto em flor.

Ah! como a Noite encanta!
Parece um Sanctuario,
Com o lindo alampadario
De estrellas que ella tem!
Recorda-me a luz santa,
Immaculada e pura,
Da grande noite escura
Do olhar de minha Mãe!

O’ Noite embalsamada
De castas ambrosias ..
No mar das harmonias
Meu ser deixa boiar.
Afasta, ó Noite amada,
A duvida e o receio,
Embala-me na seio
E deixa-me sonhar!