Horto (1910)/Pennas de garça
Versos do Povo
- I
Responde-me, ó jurity,
Ao que te vou perguntar:
Por que é que o Dia sorri
E a Noite vive a chorar?
- II
Não sabes? N’um sonho brando,
O Dia ri quando quer;
E a Noite vive chorando,
Somente porque é mulher.
- III
Quando eu nasci, no telhado,
Uma coruja cantou...
Dizia a chorar: coitado!
Um anjo do Céo voou.
- IV
Das noites de minha terra
Douradas pelo luar,
Nenhuma dellas encerra
A graça de teu olhar.
- V
Meus sonhos andam no mundo
Em cantos negros dispersos...
São ondas de um mar profundo...
Ai! triste de quem faz versos!
- VI
Nas noites de lua, eu canto
Para esquecer-me de ti.
Minh’alma soluçou tanto
Que o pranto já aborreci.
- VII
Fazem dois dias que penso
N’uns olhos que vi chorar...
Quem me dera ver meu lenço
Aquelle pranto enxugar!
- VIII
Ó moça dos olhos puros,
Tão tristes que causam dor...
Teus olhos são mais escuros
Que os olhos do meu amor.
- IX
Meu peito é triste, isolado,
Vazio, nú de esperanças,
Como um ninho abandonado,
Uma casa sem creanças.
- X
Se eu fosse rapaz, pequena,
E me casasse algum dia,
Só amava uma morena
Que se chamasse Maria.
- XI
O nome traz alegrias
Sem uma gotta de fel,
O coração das Marias
É todo cheio de mel.
- XII
«Mentira» — alguém me dizia —
O nome engana tambem;
Eu conheço uma Maria
Que não quer bem a ninguem.
- XIII
Entanto, ela é linda e bôa,
A dona dos sonhos meus...
«Mas deixa-me ir só, á tôa,
Por este mundo de Deus.»
- XIV
Mulher é coisa ruim,
Dizias esta manhã...
Só pode falar assim
Quem não tem mãe nem irmã.
- XV
De que me serve falar
Dos homens como ditos vãos,
Se eu vivo para adorar
Os olhos de meus irmãos?
- XVI
Lá vai uma mãi em prantos
Atraz da filha querida...
Ah! ela não sabe quantos
Desgostos lhe guarda a vida!
- XVII
Morrer pequenina ainda,
Levando as azas de um véo,
Não vale mais que ser linda
Como as estrellas do Céo?
- XVIII
Brancos estão meus cabellos...
Ó Dor, onde é que me levas?
Ai! noites de pesadelos,
Ai! dias cheios de trevas!
- XIX
Nas noites de lua cheia,
O Céo parece sonhar...
A Lua é como a sereia
Boiando dentro do Mar.
- XX
Eu quero bem as creanças
Porque não sabem mentir;
São pombas lindas e mansas,
Passam na vida a sorrir.
- XXI
Quando eu morrer, quero um manto
Como o de Nossa Senhora,
Que seja feito do pranto
Do Céo quando nasce a aurora.
- XXII
Eu só adoro na terra
Da creancinha o sorriso,
Uma casinha na Serra
E um ninho no Paraiso.
- XXIII
Repousa lá minha fronte
Despindo da Magua o véo;
Quem mora em cima do monte
Está mais perto do Céo.
- XXIV
Quem dera que eu fosse lirio,
Ó minha Virgem Maria!
Ao menos, este martyrio
Durava somente um dia.
- XXV
Quando eu morrer, vou assim:
Sustendo meu coração...
Saudade da terra? Sim!
Saudade da vida? Não!
Setembro de 1899.