Horto (1910)/Sylvio
SYLVIO
A D. Emilia Coelho Ribeiro
Ó mães que tendes filho, mães piedosas!
Quando eles morrerem criancinhas,
Enfeitai-lhes o caixão de brancas rosas;
Deixai, deixai voar as andorinhas!
Em busca das paragens luminosas!
Guerra Junqueiro
Sylvio morreu. Docemente.
Su’alma se foi, voando
Como uma pomba dolente
Que deixa a terra cantando.
«Não murches, olha de rosa!
Espera que chegue o inverno...
Cansaste, rola formosa?
Pousa no seio materno.»
Mas Sylvio voou sorrindo
À pátria que a glória encerra...
Era um anjo meigo e lindo,
E os anjos não são da terra.
Nossa Senhora é que os leva
Aqui do mundo mesquinho;
Quer vê-los, longe da treva,
Brincando com o seu filhinho.
Quando se vai n’um sorriso
Uma criança adorada,
Ao chegar ao Paraíso,
Diz uma lenda encantada.
Jesus lhe entrega, risonho,
Para a salvar do martírio,
Duas asas da cor do Sonho
E um pequenino círio.
Mas, se a mãe padece tanto
Na terra, sempre chorando,
Molham-se as asas de pranto
E o círio vai-se apagando.
Então o pobre do anjinho
Já não procura brincar,
Soluça a um canto sozinho
Porque não pode voar.
E, se o círio, doce e puro,
Pouco a pouco perde a luz,
Como pode ele no escuro
Ver o menino Jesus?
Pobre mãe! não chores tanto
O filho do coração...
Vais apagar com teu pranto
A vela que tem na mão.
Depois ouvirás clamar,
Do Céu entre as níveas gazas:
Ó mãe, não posso voar
Teu pranto molha-me as asas!