Ilíada (Odorico Mendes)/XIV
Entre o beber sentiu Nestor o estrondo:
“Que será, grita, ó nobre Esculapides?
Perto a voz cresce de alentados jovens.
Liba tu roxo vinho, enquanto aquece
A de louras madeixas Hecamede
Banho em que lave da ferida os grumos:
Vou da atalaia examinar o caso.”
Nisto, o insigne broquel de Trasimedes,
Que o paterno enfiara, ombreia, toma
Rija eriaguda lança; vê de fora
Triste espetáculo: em destroço o Grego,
Atrás ufano o Teucro, e rota a brecha.
Tácito quando o pélago purpúreo
Percebe o temporal, se embrusca imóvel,
E aguarda o vento que de Jove desça;
Tal, indeciso o velho, agita nalma
Se ao conflito se deite, ou busque o Atrida.
Mas o segundo arbítrio enfim prefere.
Mútuo se encrua o ataque, e a brônzea malha
De hastas e gládios percutida soa.
Desembarcando, com Nestor se encontram
Os vulnerados reis de Jove alunos,
Ulisses e Diomedes e Agamêmnon.
Longe da liça, as naus em seco tinham
Nalva areia; no plaino outras havia,
E ante as popas o muro edificado:
A larga praia a todas não bastava,
E apertaria as tropas. Numa escala
Montavam pois, do golfo enchendo a fauce
Que abrangem vasta os promontórios ambos.
Juntos os reis, para o combate olharem,
Tristes vêm vindo às lanças arrimados.
A presença aterrou-os do Nelides,
E aflito o rei dos reis: “Da Grécia adorno,
Por que o prélio carnívoro deixaste?
Receio o fero Heitor, que em parlamento
Jurou não recolher-se, antes que a frota
Queime e nos extermine. Essa ameaça
Ora, oh! Céus, vai cumprir-se; e, como Aquiles,
Enraivecido[s] os grevados Gregos
A defender-me as popas se recusam.”
Responde-lhe o Gerênio: “É mais que certo,
Nem o feito mudar poderá Jove:
O muro, que fiávamos da frota
Fosse reparo e nosso, está caído;
O incessante conflito às naus se estende;
Nem saberás onde ele é menos acre,
Pois destroço geral perturba os Dânaos;
No éter freme o alarido, e a morte reina.
Se inda há remédio, agora o consultemos.
Combater não vos cumpre assim feridos.”
Mas o rei: “Já que as popas nos debelam,
Sem valer fosso e muro, em que infalível
Ter críamos refúgio, e construídos
Com tanto custo, é que ao Supremo agrada
Que em terra estranha inglórios feneçamos.
Nunca o pensei, quando ajudados fomos:
Exalta hoje os Troianos como a deuses;
Os ânimos nos liga e as mãos nos tolhe.
Eia, escutai-me: as naus do mar vizinhas
Ponham-se em nado e em âncoras, à espera
Da calada erma noite; eles da pugna
Se absterão por ventura, e poderemos
Deitar nágua as demais. Da noite à sombra
Menor culpa é fugir que ser cativo.”
O fecundo em recursos torvo o encara:
“Desses dentes, Atrida, que proferes?
A vis antes mandasses, nunca a homens
A quem, dos verdes anos à velhice,
Deu Jove árduas facções levar ao cabo,
Até que morte honrada consigamos!
Como! A soberba Tróia abandonares,
Que tanta pena e afã nos tem custado!
Cala, não te ouçam feio e insano voto,
Indigno de um cetrado, a quem de Argivos
Tal e tamanho exército obedece.
Condeno o parecer de ao mar deitarmos
No fervor da contenda as naus remeiras:
Isso era incitamento aos vencedores,
E a nós ruína; que, à manobra voltos,
Os Dânaos da batalha afrouxariam.
Rei dos reis, teu projeto é pernicioso.”
E Agamêmnon: “Tocou-me, ó sábio Ulisses,
A tua increpação; nem mando à força
As naus desencalhar: de velho ou moço,
Que ora opine melhor, o arbítrio aceito.”
Logo Diomedes: “Junto a vós o tendes,
Longe não vades, se quereis conselho;
Nem vos indigne que eu mais moço fale:
De Tideu prole sou, de estirpe ilustre,
Que em Tebas jaz sepulto. Claros filhos,
Que habitavam Pleurona e Calidona,
Teve Porteu, chamados Ágrio e Melas
E Eneu, pai de meu pai, terceiro em anos
E o primeiro em valor: viveu na pátria
Meu avô; mas, depois de errores tantos,
(Foi permissão do Céu) de Adrasto em Argos
Meu pai tendo esposado uma das filhas,
Herdou casa opulenta, grossas lavras
De alamedas em torno, e muito gado;
E excedia na lança os Dânaos todos.
Que é verdade o sabeis; que não provenho
De imbele geração nem baixa origem:
Não desprezeis portanto o meu conselho,
Urge a necessidade; à liça, amigos,
Mesmo feridos: fora sim dos tiros,
Para evitarmos golpe sobre golpe,
Com palavra e presença os despeitados
E os remissos ao prélio excitaremos.”
Marcham de acordo os reis, o Atrida à frente.
Nem cego os espreitava o grã Netuno,
Que, em figura de velho, de Agamêmnon
Pega a destra a exclamar: “À vista agora
Do Aquivo estrago e susto, o cru Pelides,
Sem de senso haver sombra, está folgando:
Pois morra, e de vergonha um deus o cubra!
Nem todo o Céu te odeia; os chefes Teucros
Pelo campo, das naus para a cidade,
Verás de novo em pulverosa fuga.”
Disse, e a correr soltou Netuno um grito:
Qual de nove ou dez mil que o marte encetam,
Ressoa a voz, nos corações metendo
Força e vivo desejo de combates.
Do vértice do Olimpo, mui gozosa,
Acérrimo o cunhado e irmão pugnando
A auritrônia descobre, e no Ida sumo
Multimanante a Júpiter sentado,
Consorte aborrecido; como o engane
A olhitáurea cogita augusta Juno:
Ótimo pareceu-lhe ir ter com ele
Guapa e ornada e ao concúbito inflamá-lo,
E um dormente sossego doce e meigo
Nos sentidos e pálpebras verter-lhe.
À câmara se foi, do seu Vulcano
Obra, a que ele ajeitou secreta chave,
Que nenhum deus a abrisse; fecha entrando
Os fúlgidos batentes: com ambrosia
Purifica primeiro o corpo amável,
Unge-o de óleo suavíssimo e sagrado,
Cuja fragrância, no Dial palácio
Esparsa, o pólo banha e a terra o sente;
Perfumada, penteia e anela a coma,
Que da imortal cabeça em flocos brilha;
Dedáleo odoro peplo airosa veste,
Bordado por Minerva, e ao peito o enlaça
Áurea presilha; um cinto em franjas belo
Ajusta; nas orelhas bem furadas
Pingentes mete insignes, de três gemas
De água ofuscantes; enrola à testa régia
Faixa nova e louçã, como o Sol clara;
Ata aos pés luzidíssimas sandálias.
Do camarim saiu toda enfeitada,
E a parte a Vênus chama: “Escuta, filha:
Negar-me-ás um favor, porque te enfada
Ser eu contrária a Tróia e a pró dos Gregos?”
Respondeu-lha a enteada: “Augusta prole
Do Grã Saturno, dize o que tens nalma;
Que a minha é prestes a cumprir teu mando,
Se for possível.” - E a matreira Juno:
“Concede-me os desejos com que domas
Humanos e imortais: aos fins do globo
Visitar o Oceano pai dos deuses
E a Tétis madre vou, que em seus palácios,
Tomada a Reia, me criaram, quando
Exul à terra e ao mar insemeável
A Saturno arrojou previsto Jove:
Congraçá-los pretendo; há largo tempo
Do amor se abstêm, de cólera assaltados.
Se os reduzo no leito a se afagarem,
Ser-lhes-ei cara sempre e veneranda.”
E dos risos a mãe: “Nem recusar-to
Posso nem devo, a ti que em braços dormes
Do nume soberano.” Eis da petrina
Desprende o vário pespontado cesto,
Onde havia em desenho os amorosos
Deleites, os colóquios, as blandícias,
Que abrem na mente ao sábio oculta brecha;
E ao lho emprestar: “Esconde-o, ele os mistérios
Do amor encerra todos; não presumo
Que sem lograr o intento aqui retornes.”
A olhitáurea sorriu, sorrindo o guarda
No alvo seio; e, mal Vênus se recolhe,
Ela do Olimpo rápida à Pieria
Desce e à risonha Emátia, aos níveos serros
Traces prossegue, e a planta o chão nem roça.
Do Atos sulcando ao flutuoso ponto,
Pousa em Lemnos, donde era o divo Toas;
Lá se encaminha ao Sono irmão da Morte,
A destra lhe estreitou: “Como antes, Sono,
Senhor de homens e deuses, tu me atendas,
E a minha gratidão será perene:
Depois de estarmos no amoroso leito,
Sopita a Jove os perspicazes lumes.
Terás pulcro áureo trono incorruptível,
Em que se esmere o coxo meu Vulcano,
Mais um lindo escabelo onde repouses
Os refulgentes pés nas lautas mesas.”
E o Sono: “De Saturno ó régio garfo,
Outro imortal sem custo eu sopitara,
Mesmo o rio Oceano amplo-fluente,
Gérmen de tudo; a Jove, não me atrevo,
Salvo se ele o mandar. Já, por servir-te
Me expus, no dia que da rasa Tróia
Seu magnânimo filho navegava:
No Egífero eu suave e sutilmente
Me insinuei; borrasca seva erguendo
O destroço do herói tu maquinaste;
Longe de seus amigos o impeliste
À populosa Cós. Desperto o Padre,
O Olimpo assombra, em fúria a mim se envia,
E do éter me jogara ao mar, se a Noite,
Dos homens e dos deuses domadora,
Não me abrigasse: irado, se conteve,
A celérrima Noite respeitando.
E ordenas que hoje corra igual perigo?”
Juno assim contestou: “Que temes, Sono?
Pensas que Jove troe a bem dos Frígios,
Qual se agastou por Hércules seu filho?
Anda; em prêmio haverás para consorte
A mais jovem das Graças Pasiteia,
Que hás sempre suspirado e almejas tanto.”
Contentíssimo o Sono: “Tu mo jures
Pela água Estígia; nalma terra a destra
E no mar cristalino toque a sestra:
Ínferos numes, que a Saturno cercam,
Testemunha que em paga me prometes
A mais jovem das Graças Pasiteia,
Que hei sempre suspirado e almejo tanto.”
A bracicândida obedece, e invoca
Tartáreos deuses, os Titãs chamados.
Perfeito o juramento, Lemnos e Imbro
Desertando, enublados se apressuram;
No Ida, em feras e arroios abundante,
Largam Lectos e o mar; o monte sobem,
E andando os cimos da floresta abalam.
Sem que o lobrigue Jove, na ramada
Se oculta o Sono de um gigante abeto,
Que pelo éter o tope desferia:
Lá num gárrulo pássaro das selvas
Se transforma, Cimíndis nomeado
Pelos mortais, e pelos deuses Cálcis.
Ao trepar Juno ao Gárgaro, eminente
Pico do Ida, o Nubícogo a descobre:
Ao vê-la, o amor enturva-lhe o juízo,
Como a primeira vez que, subtraídos
A seus pais, ternamente se ajuntaram;
Veio encontrá-la e disse: “Por que, ó Juno,
Sem carro nem corcéis do Olimpo desces?”
A ardilosa responde: “Aos fins do globo
Visitar o Oceano pai dos deuses
E a Tétis madre vou, que em seus palácios,
De Reia a pedimento, me criaram:
Congraçá-los pretendo; há largo tempo
Do amor se abstêm, de cólera assaltados.
À raiz tenho do Ida os corredores
Que por úmido e seco me caminham.
Cá por ti venho, a fim que não te agaste
Ir eu silente aos paços do Oceano.”
Replicou-lhe o Nubícogo: “Vai, Juno,
Depois que em doce enleio adormeçamos.
Nunca deusa ou mulher me inflamou tanto:
Nem de Ixion a esposa, que o valente
Me produziu divino Pirítoo;
Nem a filha de Acrísio delicada,
Que me pariu Perseu de heróis espelho;
Nem a do ínclito Fênix, de quem tive
Minos e Radamanto igual aos numes;
Nem de Baco, alegria dos humanos,
A mãe Sêmele; nem Alcmena em Tebas,
A do indomável Hércules meu filho;
Nem inda a régia criniflava Ceres,
A gloriosa Latona, nem tu mesma:
Hoje em fogo mais vívido me acendes.”
Ela acode: “Gravíssimo Satúrnio,
Que proferiste? Se amoroso queres
Dormir hoje comigo no Ideu cume,
Tudo, olha, está patente: que seria,
Se aqui nos visse algum dos sempiternos
E aos demais nos mostrasse? Eu com que rosto
Para os céus dos teus braços voltaria?
Se o desejas, ao tálamo nos vamos
De rijas portas que te obrou meu filho:
Quando for de teu gosto, ali durmamos.”
“Juno, torna o marido, não receies
Deus nem homem; tecer vou nuvem de ouro,
Que ao mesmo Sol impedirá de ver-nos,
Cujo olho é o mais fino e penetrante.”
Nisto, ao colo o Satúrnio abraça a esposa:
Télus brota erva tenra, cróceas flores,
Mole jacinto, rosciado loto,
Fofa e macia cama que os soleva;
Lúcido orvalho da áurea nuvem côa.
Pelo amor subjugado, enquanto Jove
No regaço de Juno enlanguescia,
Do Gárgaro aos baixéis desliza o Sono,
Para avisar o deus que abala a terra:
“Já já, socorre os Dânaos, glorifica-os,
Pois que Júpiter jaz por mim sopito,
Em carícias de Juno adormentado.”
Instante assim o anima, e aleia e parte,
Várias famosas tribos invadindo.
Salta à frente Netuno: “Outra vitória
Cederemos, Aqueus? Heitor blasona
Render as naus, por ver em ócio Aquiles;
Mas fará menos falta esse iracundo,
Se recíproco apoio nos prestarmos.
Segui-me pois; adarguem-se os melhores;
De elmos e piques fúlgidos, marchemos;
Diante irei, nem cuido nos resista,
Por ardente que seja, o Priamides.
Seu pequeno broquel mutue o forte
Pelo escudo maior do mais imbele.”
Dóceis o escutam, mesmo os reis feridos,
Ulisses e Diomedes e Agamêmnon.
Ao forte as fortes, ao mais fraco as fracas,
Revestem márcias armas: coruscantes
Em éreo arnês os guia o rei das ondas,
Fulgúreo a manejar montante horrível;
Mas, crendo injusto combater, assusta
E reprime os contrários. Os Troianos
Se aparelham também. Crua batalha
Vai medonha empenhar-se: de uma parte
Assiste o azul Netuno; de outra, ordena,
E exorta e inflama os seus, o herói Dardânio.
Incha o pego inundando as naus e as tendas;
Com tremendo alarido se abalroam.
Nem tanto, a impulsos do sanhudo Bóreas,
Brame na praia a salsa equórea vaga;
Nem tanto o incêndio em labaredas freme,
Ao queimar incitado o monte e a selva
Nem tanto pela coma dos carvalhos
Muge o vento mais sevo, quão ruidoso
Toa o geral clamor no ataque horrendo.
Sem se esgarrar, estréia o Hectóreo dardo
Por Ajax, que arrostava; mas dois bálteos,
O da tarja e do gládio claviargênteo,
Cercando o peito as carnes lhe preservam.
Raivoso Heitor de lhe falhar o tiro,
Por salvar-se recua: Ajax um seixo,
Dos muitos que das naus escoras eram
E topavam-se a rodo, agarra e joga;
O seixo a revoltões, por sobre o escudo,
Junto ao pescoço lhe acertou nos peitos.
Roble que extirpa o fulminante Jove,
Trescala odor sulfúreo, e quem vê treme,
Do raio e da caída: assim baqueia
Heitor no pó; largado o pique, o seguem
O escudo e casco, e o vário arnês ressoa.
Os Aqueus, na esperança de arrastá-lo,
A gritos correm, jaculando crebros:
Ninguém pôde ferir de perto ou longe
De povos o pastor; que em roda acodem
Com Polidamas Agenor e Eneias,
Sarpédon chefe Lício e Glauco insigne,
E os mais guerreiros de broquéis o escudam.
Levam-no em braços aos frementes brutos,
Atrás pelo escudeiro ao coche atados,
Que a Ílio gemebundo o conduziram;
Mas ante o vau do Xanto revoltoso,
Rio gentil progênito de Jove,
De água fresca o borrifam desmontado:
Ele o espírito cobra, o céu fitando,
E em joelhos vomita um sangue negro;
Tomba de novo, e os olhos se lhe enturvam,
A alma do golpe ainda esmorecida.
Fora da liça Heitor, mais se enfurecem
Os Dânaos. Lesto pula e fere de hasta
O Oilíades a Satnio, que uma Náiada
Linda pariu do Satnióis à margem,
De Enopo que seu gado ali pascia;
Apanha-lhe o quadril, supino o abate:
Em torno ao corpo assanha-se o conflito.
Por vingá-lo, o Pantóides Polidamas
Brande a Protoenor Arcilícides
Cruel dardo, que o fisga no ombro destro;
Vai de palmas à terra, e Polidamas
A bradar sem medida se ufaneia:
“O Pantóides brioso um dardo inútil
Por certo não vibrou; nele apoiado
Um Dânao, creio, a Dite baixa agora.”
Sente, mais do que todos, esses gabos
O belaz Telamônio, a cujo lado
Caiu Protoenor, e expede o bronze;
Num salto oblíquo, furta-se o Troiano
Ao golpe atroz, que, por querer divino,
Arquéloco Antenórida recebe:
Na junta que ao pescoço une a cabeça,
Talha a vértebra extrema e os tendões ambos;
Primeiro do que as pernas e os joelhos,
No chão batem-lhe a testa e boca e ventas.
Chasqueia Ajax também: “Falemos sério,
Bom Polidamas, no varão prostrado
Vingo a Protoenor; nem me parece
Ignóbil ou covarde, e pelos traços
De Antenor é parente, irmão ou filho.”
Ele o conclui, e a mofa os Teucros punge.
Acorrendo lanceia o irmão Acamas
A Prómaco Beócio, que puxava
Pelos pés o defunto, e ovante brada:
“Valentões de balhesta e de bravatas,
Não sós teremos luto; a vós alquando
Vos ceifa a morte: ao gume desta lança,
Vosso Prómaco dorme; inulto, vede,
Longe não jaz Arquéloco. O valente
Sempre em seu lar depreca a irmão que o vingue.”
Isto os Gregos magoa, e mais ao régio
Peneleu, cuja fúria contra Acamas,
Que a não susteve, rui; o bote alcança
A Ilioneu, que o pecoroso Forbas,
De Mercúrio o Troiano predileto,
Único a mãe pariu: da sobrancelha
Por baixo, a ponta o lagrimal penetra,
E vaza-lhe a pupila e sai à nuca;
Ele de palmas tomba. A gládio o Aquivo
A cabeça decepa-lhe, que elmada
Como a da dormideira foi rolando;
E, inda no olho metida a farpa aguda,
Ergue o troféu sangüento, alardeando:
“De Ilioneu preclaro aos pais queridos
Anunciai-me ó Troas, que o lamentem
No ululante palácio, já que a esposa
Do Alegenório Prómaco ao marido
Não saudará também com rosto ledo,
Ao regressar a Graia mocidade.”
Cessa, e medrosos pálidos os Frígios
Contra a Parca um refúgio em roda esguardam.
Celestes Musas, declarai-mo agora,
Que Argeu cruentos conseguiu despojos,
Dês que a vitória desviou Netuno?
Ajax primeiro imola o Mísio cabo
Girtíade Hírcio; Antíloco a Mermero
Desarma e a Falces; Merion derriba
A Hipótio e Móris; Teucro, a Perifetes
E Protoon; na ilharga o Atrida ensopa
Do maioral Hipérenor o bronze,
E os rotos intestinos lhe derrama:
Em treva os olhos fecha, o alento exala
Pela crua ferida. A muitos prostra
O ágil filho de Oileu; pois, do inimigo
No encalço, a pé ninguém se lhe igualava,
Quando fuga e terror Jove incutia.