João Ferreira de Almeida 1819 (ortografia atualizada)/Marcos/V
Aspeto
- E VIERAM à outra banda do mar, à província dos Gadarenos.
- E saindo ele do barco, logo lhe saiu ao encontro um homem das sepulturas com um espírito imundo,
- Que tinha sua manida[1] nas sepulturas, e nem sem ainda com cadeias o podia ninguém ligar.
- Porque muitas vezes fora ligado com grilhões e cadeias, e as cadeias foram por ele feitas em pedaços, e os grilhões em migalhas, e ninguém o podia amansar.
- E sempre dia e noite andava clamando pelos montes, e pelas sepulturas, e ferindo-se com pedras.
- E como viu a Jesus de longe, correu, e adorou-o.
- E clamando com grande voz, disse: Que tenho eu contigo Jesus, Filho do Deus Altíssimo? esconjuro[2]-te por Deus, que não me atormentes.
- (Porque lhe dizia: Sai deste homem, espírito imundo.)
- E perguntou-lhe: Qual é teu nome? E respondeu, dizendo: Legião meu nome é; porque muitos somos.
- E rogava-lhe muito que os não enviasse fora daquela província.
- E estava ali junto aos montes uma grande manada de porcos pascendo[3].
- E rogaram-lhe todos aqueles Demônios, dizendo: Manda-nos àqueles porcos, para que neles entremos.
- E permitiu-lho logo Jesus. E saindo aqueles espíritos imundos, entraram nos porcos; e a manada se lançou do alto abaixo no mar; (e eram quase dois mil) e afogaram-se no mar.
- E os que apascentavam os porcos fugiram, e deram aviso na cidade, e nos campos; e saíram a ver que era aquilo que tinha acontecido.
- E vieram a Jesus, e viram ao endemoninhado assentado, e vestido; e em seu siso[4] ao que tivera a legião; e temeram.
- E contaram-lhes os que aquilo tinham visto, o que acontecera ao endemoninhado, e também acerca dos porcos.
- E começaram a rogar-lhe, que se fosse de seus termos.
- E entrando ele no barco, rogava-lhe o que fora endemoninhado, que o deixasse estar com ele.
- Mas Jesus não lho permitiu, senão disse-lhe: Vai-te a tua casa aos teus, e denuncia-lhes quão grandes coisas o Senhor te fez, e como de ti teve misericórdia.
- E foi-se, e começou a denunciar em Decápolis, quão grandes coisas Jesus lhe fizera; e todos se maravilhavam.
- E passando Jesus outra vez em um barco para a outra banda, ajuntou-se a ele grande companhia; e ele estava junto ao mar.
- E eis que veio um dos Príncipes da Sinagoga, por nome Jairo; e vendo-o, prostrou-se a seus pés.
- E rogava-lhe muito, dizendo: Minha filhinha está na extremidade[5], rogo-te que venhas, e ponhas as mãos sobre ela, para que sare, e viverá.
- E foi com ele, e seguia-o grande companhia, e o apertavam.
- E uma certa mulher, que tinha fluxo de sangue, doze anos havia,
- E havia padecido muito de muitos Médicos, e gastado tudo quanto tinha, e nada lhe aproveitara, antes lhe ia pior.
- Esta ouvindo de Jesus, veio entre a companhia por detrás, e tocou seu vestido.
- Porque dizia: Se tão somente tocar seu vestido, sararei.
- E logo a fonte de seu sangue se secou; e sentiu em seu corpo que já daquele açoite[6] sarara.
- E conhecendo Jesus logo em si mesmo a virtude que dele saíra, virando-se na companhia, disse: Quem tocou meus vestidos?
- E disseram-lhe seus Discípulos: Vês que a companhia te aperta, e dizes: Quem me tocou?
- E ele olhava ao redor, para ver a que fizera isto.
- Então a mulher temendo, e tremendo, sabendo o que em si fora feito, veio, e prostrou-se diante dele, e disse-lhe toda a verdade.
- E ele lhe disse: Filha, tua fé te salvou, vai-te em paz, e sára deste teu açoite[6].
- Estando ele ainda falando, vieram alguns do Príncipe da Sinagoga, dizendo: Tua filha é morta; para que enfadas mais ao Mestre?
- E Jesus, logo em ouvindo esta palavra que se dizia, disse ao Príncipe da Sinagoga: Não temas, crê somente.
- E não permitiu que alguém o seguisse, senão Pedro, e Jacobo, e João o irmão de Jacobo.
- E veio à casa do Príncipe da Sinagoga, e viu o alvoroço, e os que muito choravam, e pranteavam.
- E entrando, disse-lhes: Por que vós alvoroçais, e chorais? a menina não é morta, mas dorme.
- E riam-se dele, mas ele havendo-os lançado a todos fora, tomou consigo ao pai e à mãe da menina, e aos que com ele estavam; e entrou aonde a menina estava deitada.
- E tomando a mão da menina, disse-lhe: Talita cumi; que traduzido é: Filhinha (a ti te digo) levanta-te.
- E logo a filhinha se levantou, e andava, porque já era de doze anos; e espantaram-se com grande espanto.
- E mandou-lhes muito, que ninguém o soubesse; e disse que lhe dessem de comer.