Lágrimas Abençoadas/II/XIX
A carta que Frei Antonio recebera, era de sua sobrinha. Era este o seu conteudo:
«Pedi licença a meus paes para escrever-lhe, meu caro tio, e sorriram á minha supplica. Como não pude adormecer a noite passada, trabalhei e conclui a ultima encommenda de flôres que tinha. Graças ao Senhor, já vieram novas encommendas; mas eu sinto-me fatigada dos braços, e não posso continuar. No espirito sinto eu muita vida, e não posso nem quero vencer esta consoladora força que o impelle para meu tio. Penso que o não verei hoje; mas... cedi agora á maneira commum de se exprimir a gente... eu vejo meu tio em todos os instantes e logares... Deixa-me escrever uma verdade, que não teria forças de dizer-lhe?... Deus quer que meu tio seja o prisma por onde eu devo contempla'-lo. Será isto uma fraqueza de razão, ou uma liberdade peccaminosa? Peccado seria eu calar este pensamento, que o meu querido mestre pode repreender.
«Estou triste, como ha pouco. Eu adivinho alguma infelicidade. Sinto-me com tanta coragem para ella!... Mas a natureza humana, e especialmente o espirito da mulher, e especialmente o meu espirito, é muito fraco. Espero tanto em Deus!... tanto em Maria Santissima!... e parece que uma voz, nem humana, nem divina, me diz que fuja, que trema, que recue ao combate do infortunio contra a paciencia! Muito triste é isto, meu caro tio! A minha vida tem faltas, que eu devo expiar? Porque m'as não dizem, se me amam?!
«Persigo-o muito, eu bem o sei! Não o deixo em paz, quando tão necessaria lhe é para estudar a grande lucta em que está empenhado! Não sei as forças do seu discipulo, mas eu admiro mais a conversão de Santo Agostinho que as victorias de Alexandre. Aqui estou eu a fazer-me vaidosa e sabia diante de meu tio, que tambem conhece a minha humilde ignorancia!... É que estou affeita a conversarmos como escrevo.
«E a minha melancolia? E os meus versos? Nem me disse se tinham as syllabas todas, ou quantas deviam ter mais! Nem valia a pena... Adeus, meu extremoso amigo! Meu pae, e minha mãe, e meus irmãos estão muito saudosos. Não se esqueça um instante da sua familia que o ama tanto como a sua sobrinha
Maria.»
—Coitadinha!...—murmurou padre Antonio, dobrando a carta—És um anjo!