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Lágrimas Abençoadas/III/VIII

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Ao mesmo tempo, Maria dos Prazeres, e sua mãe, tinham o seguinte dialogo:

—Se tivesses uma amiga muito do coração, minha filha, não terias pesar se ella te adivinhasse um segredo que tu deverias ter-lhe confiado?

—Pesar... conforme, minha mãe... Ha segredos...

—Que se não dizem a uma amiga?

—Que se não dizem por que se não sabem dizer...

—E sentir, sim?

—Porque me faz semelhante pergunta, minha querida mãe? Não se queixe de mim, não?

—Pois eu vou queixar-me, Maria?!

—Falou-me em pesar... e eu começo a senti'-lo...

—De que?

—Se eu pudesse... se eu soubesse dizer-lhe o que sinto... Deus sabe que o meu coração é incapaz de se esconder aos seus olhos, e mais depressa se esconde aos meus.

—Nada tens dito a teu tio, filha?

—De que?... diga, mãe, eu que devia ter dito a meu tio?

—Tudo o que sentes hoje, assim como lhe dizias tudo o que se passava em tua alma.

—E eu sei!...

—Sei eu, Maria. Olha, filha.. O amor de tua mãe, de teu pae, de teu bom tio, de teus queridos irmãos é um amor immenso; é, eu e tu sabemos que é; mas... olha... ha no teu coração espaço para mais amor... Córas, Maria? Vês como a tua alma vem falar-me no teu semblante?

«Pois porque não, se essa alma é a minha, a da minha filha que não póde estar calada diante de mim, ainda que os labios se não abram! Sei tudo, Maria. Agora, se não queres que te fale como mãe, aqui me tens como amiga. Vamos... levanta para mim os teus olhos... conversemos sósinhas. Tu amas Alvaro. A tua melancolia é amor. Esse córar, quando não accusa uma culpa escondida, é amor. Na tua edade, se o contentamento foge do coração, é que não cabem lá os gosos serenos da innocencia, mixturados com as esperanças vagas, com os desejos desconhecidos, com as saudades de não sei que recordações de uma outra vida em que todas as nossas se povoam de anjos.

«Ha um mez, filha, não me entenderias esta linguagem. Hoje sou eu a que falo por ti, e cada palavra que me ouves, é um peso que te levanto de sobre o coração, não é? Assim é que tu querias falar-me, e eu desopprimo-te, explicando a confissão que tens nos labios, e não confessas. Pois bem, Maria, louvores sejam dados á tua bella alma! A tua sensibilidade não póde ser só da tua familia: deve extender-se a tudo que te rodeia.

«Eu esperava isto desde o momento em que vi entrar n'esta casa um homem protegido pela confiança de meu cunhado. Sem virtudes, Alvaro não seria aqui trazido; e, sem virtudes, Deus não quereria que tu sentisses por elle a sympathia que prende a innocencia á honradez. Poderei enganar-me eu, que sou velha? Posso, filha... E que farás tu que és creança? Estaremos ambas enganadas, amando-o ambas. Porque eu tambem o amo, filha; estou familiarisada com elle, vejo-o aqui entrar sem me sentir constrangida. Custa-me a crer que o conheço ha tão pouco tempo!...

«E teu pae? Fala-me d'elle com certo interesse que me parece providencial. Nunca me disse que reparasse nas tuas acções, nem reflectisse nas palavras de Alvaro. E eu, reflectindo, ainda lhe não ouvi uma que desdiga das primeiras. Sempre a mesma bondade, o mesmo acanhamento honesto, a mesma docilidade, e não sei que interesse de filho por mim, e de irmão por ti. Teu tio, cada vez mais alegre com estas relações; teu pae, nem a mais ligeira sombra de desconfiança; teus irmãos querem-lhe como a ti; o pae d'elle quer por força que sejamos seus parentes, e diz-me que veiu saber entre nós o que era a felicidade domestica... Jesus! é impossivel que tudo isto seja engano!

«Oh minha filha, o teu coração é puro, e eu quero ouvi'-lo mais a elle do que ouvir-me a mim. Diz-me se não agouras uma grande felicidade para ti, e para os teus? Confessa-me o que pensas quando estás triste... Diz, diz, Maria...

A filha atirou-se a chorar ao seio da mãe. Balbuciava palavras sem sentido. O coração batia forte, e o tremor convulso dos braços, em redor do collo de sua mãe, suppria a falta de expressão.

Assim as encontrou frei Antonio entrando sem se annunciar.