Lágrimas Abençoadas/IV/V
O padre separára-se no caminho, por suppor que a sua assistencia constrangeria Alvaro na presença de Maria dos Prazeres. Alvaro, porém, desde que se viu só, e á porta do mosteiro, desanimou.
Não foi o receio de ser accusado de ingrato e cruel que o susteve. Essas accusações já o frade lhe tinha dito que as não ouviria. O que lhe esfriou o alvoroço com que ia, foi um sentimento de vergonha de si proprio. Acostumado a deixar-se sempre guiar, sem combate, pelas primeiras impressões, boas ou más, Alvaro, depressa annuira a procurar sua mulher, e mais depressa foi vencido pelo orgulho que lhe dizia quanto elle ia ser pequeno diante de sua mulher.
A soberba apraz-se, ás vezes, escarnecer as suas victimas, depois que as acha despenhadas na miseria. É quando ella se converte em castigo duro, tormento incomparavel. Em quanto rico, Alvaro, mordido pela serpente da soberba, acudiu á dôr da chaga com o balsamo do ouro, essa alavanca poderosa do capricho e da vingança. Pobre, a ferretoada da vibora entrava-lhe até ao coração, e d'ahi lavrava ulcerosa, porque a miseria constante lh'a estava descarnando sempre.
Por isso o pobre orgulhoso será entre os mais desgraçados o primeiro. Se Deus se não amercear das angustias, que espedaçam o homem caído em miseria do alto da grandeza, o inferno das dôres indescriptiveis estará no coração d'esse Lucifer despenhado.