Lei das Sesmarias (Ordenações Afonsinas)
ELrey Dom Fernando, de louvada e eſclarecida memoria, em ſeu tempo fez Ley em eſta forma, que ſe ſegue.
1Dom Fernando pela graça de DEOS Rei de Portugal, e do Algarve. Conſirando como por todas as partes de noſſos Regnos ha desfalicimento de mantimento de trigo, e de cevada, de que antre todalas Terras, e Provincias do Mundo ſoyam ſeer muy abaſtadas, e eſtas couſas ſom poſtas em tamanha careſtia, que aquelles, que ham de manteer fazenda ou eſtado de qualquer graao de honra, nom podem chegar a aver eſſas couſas, ſem mui grande desbarato do que ham; e eſguardando como antre todalas razooẽs, per que eſte desfalicimento e careſtia vem, mais certa e eſpecial he per mingua das lavras, que os homeẽs leixam, e ſe partem dellas, entendendo em outras obras, e em outros meſteres, que nom ſom tam proveitoſos pera o bem comuum; e as terras e herdades, que ſoyam a ſeer lavradas e ſemeadas, e que ſom convinhavees pera dar pam, e outros fruitos, per que ſe os Povoos ham de manter, ſom deſamparadas, e deitadas em Reſſios, ſem prol, e com grande dapno do Povo.
2Porem avendo ſobre eſto noſſo acordo, e conſelho com o Ifante Dom Joham noſſo Irmaaõ, e com o Conde Dom Joham Affonſo, e com os Prelados, e Priol do Espital, e Meeſtres da Cavallaria, e com os outros Fidalgos, Cidadaaõs, e homeens boõs dos noſſos Regnos, que pera eſto, e pera outras couſas de noſſo ſerviſſo, e prol dos ditos noſſos Regnos, mandamos chamar, pera ſe poer em eſto remedio qual pertencia, pera aver na terra avondamento das ditas couſas: Eſtabelecemos, hordenamos, e mandamos, que todos os que ham herdades ſuas proprias, ou teverem emprazadas, ou afforadas, ou per qualquer outra guiſa ou titulo, per que ajam direito em eſſas herdades, ſejam coſtrangidos pera as lavrar, e ſemear; e ſe o Senhorio das ditas herdades nom poder per ſy lavrar todalas ditas herdades que ouver, por ſerem muitas, ou em deſvairadas Comarcas, ou elle for embargado por alguma lidima razom, por que as nom poſſa per ſy lavrar todas, lavre parte dellas per ſy, e per hu elle quiſer, e lhe mais aprouver, e quanta lavrar poder ſem grande ſeu dapno, e com meor ſeu encarrego, a bem viſtas e determinaçom daquelles, a que deſto for dado poder; e as mais faça lavrar per outrem, ou as dê a lavrador, que as lavre e ſemee por ſua parte, ou a penſom certa, ou a foro, aſsy como ſe melhor poder fazer; de guiſa que as herdades, que ſom pera dar pam, ſejam todas lavradas, e aproveitadas, e ſemeadas compridamente, como for meſter, de trigo, ou cevada, ou de milho, pera qual for, e que mais fruito e melhor poſſa dar em ſeus tempos e ſazooẽs convinhavees.
3Outro sy ſejam coſtrangidos pera averem e teerem cada huum tantos bois pera lavrar, quantos forem meſter pera a lavoira, ſegundo a conthia das herdades que ouverem, com as outras couſas que aa lavoira perteencem. E porque póde acontecer que aquelles, que ham de ſeer coſtrangidos pera lavrarem, e teerem bois pera a lavoira, nom os poderám achar pera os comprar, ſenom por muy grandes preços, mais do que valem aguiſadamente: Teemos por bem e mandamos, que ſejam coſtrangidos aquelles, que os teverem pera vender, pera os darem aaquelles, que os meſter ouverem, e os ham de teer, por preços aguiſados, ſegundo for taixado polas Juſtiças dos lugares, ou per aquelles, que forem poſtos por Veedores pera eſto.
4E mandamos, que pera comprar os bois, e as outras couſas, que ſom perteencentes pera as lavoiras, outro ſy pera começar de lavrar, e aproveitar as herdades, que forem pera lavrar, ſeja aſſinado tempo certo aos que o de fazer houverem, que o façam e cumpram ſob certa pena, que lhes ſobre eſto ſeja poſta. E ſe os Senhores das herdades por ſuas negrigencias nom quiſerem comprir todo eſto, que per nós he ordenado, nem quiſerem lavrar, nem aproveitar ſuas herdades per ſy ou per outrem, como dito he, as Juſtiças dos lugares, ou aquelles, a que pera eſto for dado poder, dem eſſas herdades a quem nas lavre, e ſemee ſob certo tempo, e por penſom, ou parte certa; e o Senhor da herdade nom a poſſa filhar deſpois per fy, nem tolher durando o dito tempo aaquelle, a que aſsy foi dada; e eſſa parte, ou penfom, que o lavrador aſsy houver de dar, ſeja pera o bem do comuum, em cujo termo eſſas herdades jouverem; mais nom ſeja dada, nem deſpeza em nenhuum uſo, ſe nom per noſſo mandado eſpecial.
5Outro sy porque os que ſoyam a ſeer e forom lavradores, e os outros que ham razom de o ſeer, e os que teem herdades pera lavrar, ſe eſcuſam da lavoira, porque dizem que nom ham, nem podem a ver mancebos, que lhes fazem meſter pera eſto; ca muitos daquelles, que uſavam de lavrar, e ſervirom no meſter da lavoiria, deixaram eſſe meſter da lavoira, e ſe colhem delles aos paaços dos Riquos homeẽs, e Fidalgos, por averem vivenda mais folgada e mais ſolta, e por filharem o alheo mais ſem receo, e delles por muy grandes ſoldadas, que lhes davam, por ſervirem em outros autos, e meſteres, nom tam proveitoſos, como he o da lavoira; e outros, que ſom perteencentes pera lavrarem, e ſervirem no dito meſter da lavoira, nom querem ſervir em ella, e uſam d'outros officios, e meſteres, de que ſe aa terra nom ſegue tamanho proveito; e muitos, que andam vaadios pela terra, chamando-ſe criados, ou eſcudeiros, ou moços da eſtrebeira noſſos, ou do Ifante, ou de cada huum dos Condes, ou dos outros poderoſos, e honrados, por ſerem coutados, e defêſos da Juſtiça dos males, e forças que fezerem, nom vivendo na noſſa mercee, nem com nenhuum dos ſobreditos; e alguuns, que ſe lançam a pedir eſmollas, nom querendo fazer outro ſerviço; e catam outras muitas maneiras, e aazos pera viverem oucioſos, e ſem affam, e nom ſervirem; e alguuns filham avitos como de Religiam, e vivem apartadamente, e fazendo Congregaçom contra a defeſa do direito, nom entrando, nem ſeendo proſeſſos em nenhumas Hordeẽs Religioſas eſtabelecidas e approvadas pela Santa Madre Igreja, nem fazendo, nem uſando de fazer alguma obra proveitoſa ao bem comuum, e ſob fegura de Religioſos, e da ſanta vida andam pelas terras pedindo, e ajuntando algo, e induzindo muitos, que ſe ajuntem a elles, e per ſeu induzimento leixam os meſteres e obras, de que uſam, e vaaõ eſtar e andar com elles, nom fazendo outro ſerviço, nem outra obra de proveito.
6Porem teemos por bem e mandamos, que todolos que forom ou ſoyam a ſeer lavradores, e outro ſy os filhos, e netos dos lavradores, e todolos outros moradores, aſsy nas Cidades, e Villas, como fora dellas, e ouverem de ſeu quantidade meor de quinhentas libras, quanto quer que ſeja menos deſta conthia de quinhentas libras, e que nom aja, nem uſe de tal, e tam proveitoſo meſter pera o comuum, per que de razom e direito deva ſeer eſcuſado de lavrar, ou ſervir na lavoira, ou nom viver continuadamente com tal peſſoa, que o mereça, e aja meſter pera a obra de ſerviço proveitoſo; que todos e cada huum deſtes ſobreditos ſejam coſtrangidos pera lavrar, e uſar do dito meſter e officio de lavoira; e ſe nom teverem herdades ſuas, que per ſy queiram e poſſam lavrar, ſejam coſtrangidos e apremados pera viver com aquelles, que os meſter ouverem pera as lavoiras; e os ſervam e ajudem a fazer eſſa obra de lavoira por ſua ſoldada e preço aguiſado, ſegundo he taixado pelas Hordenaçooẽs, que ſobre eſto ſom feitas, e ou ſegundo taixarem e alvidrarem aquelles, que pera eſto forem poſtos em cada huum lugar.
7E qualquer, que der ao mancebo, ou aaquelle, que o ouver de ſervir, mais que aquello, que for taixado pelos Regedores dos ditos Lugares, ou per aquelles, a que pera eſto for dado carrego e poder, pague cincoenta libras pola primeira vez; e pola ſegunda cento; e dhy em diante pague eſſa conthia, e de mais ſeja-lhe eſtranhado com pena de Juſtiça, como áquelle, que quebra a Ley, e vai contra mandado de ſeu Rey e Senhor: e eſtas penas ſejam metidas em rendas pera o bem do comuum.
8E mandamos, que quaaes quer, que acharem andar chamando-ſe noſſos, ou da Rainha, ou do Ifante, ou de qualquer outro, que nom ſejam conhecidos notoriamente por daquelles, de que ſe chamam, que ſejam logo preſos, e recadados pelas Juſtiças dos lugares, pera ſe ſaber como, e per que guiſa vivem, e as obras que fazem, e de que guiſa uſam. E ſe certidooem nom amoſtrarem como vivem e andam per recado certo, ou por ſerviço daquelles, cujos diſſerem que ſom, que ſejam coſtrangidos pera ſervirem; e ſe ſervir nom quiſerem, ſejam açoutados, e toda via coſtrangidos pera ſervirem por ſuas ſoldadas taixadas, como dito he.
9E porque a vida dos homeẽs nom deve ſeer oucioſa, e a eſmola nom deve ſeer dada, ſe nom a aquelle, que a per ſy nom pode gaançar, nem merecer per ſerviço de ſeu corpo, per que ſe mantenha, e ſegundo o dito dos Sabedores, e dos Santos Doutores, mais juſta couſa he caſtigar o pedinte ſem necefidade, e que pode eſcuſar o pedir fazendo algũa outra obra proveitoſa, ca de lhe dar a eſmola, que deve ſeer dada a outros pobres, que nom podem fazer outra obra de ſerviço: Porem mandamos, que quaaesquer, que aſsy forem achados, aſsy homeés, como molheres, que andarem alrotando, e pedindo, nom uſando d'outro meſter, ſejam viſtos e catados pelas Juſtiças de cada huum lugar; e ſe acharem que ſom taaes, e de taaes corpos, e de tal hidade, que poſſam ſervir em alguum meſter ou obra de ſerviço, poſto que em alguma parte dos membros corporaaes ſejam minguados, pero com toda eſſa mingua podem fazer alguú qualquer ſerviço, ſejam coſtrangidos pera ſervir em aquellas obras, em que as ditas Juſtiças, ou aquelles, que pera eſto forem poſtos, virem que podem ſervir, por ſeu mantimento, e por ſua ſoldada, ſegundo entenderem que a podem merecer; de guiſa que nenhuũ no noſſo Senhorio nom viva ſem meſter, ou ſem obra de ſerviço, ou proveito.
10E aquelles que acharem andar ou viver em avitos Religioſos, que nom ſom profeſſos em algũa das Hordeẽs aprovadas, como ſuſo dito he, digam-lhes e mandem, que vam lavrar, e uſar do meſter da lavoira, fazendo-ſe lavradores per ſy, ſe o fazer poderem e quiſerem; ou ſe nom, que ſervaõ aos outros lavradores no meſter da lavoira. E coſtrangã-nos pera ello ſem outro meyo; e os que ſervir nom quiſerem, nem obrar do meſter que lhes mandarem, des que lhes for mandado que ſervam, e obrem do dito meſter, quaeesquer que ſejam das condiçooẽs ſuſo ditas, ſejam açoutados pela primeira vez, e coſtrangidos em toda guiſa pera ſervir; e ſe dhy emdiante ſervir nom quiſerem, ſejam açoutados com pregom, e deitados fora de noſos Regnos.
11E aquelles, que forem achados tam fracos, e tam velhos, ou doentes per tal guiſa, que nom poſſam fazer nenhuma obra de ſerviço, ou alguuns envergonhados, que já foſſem honrados, e caiſſem em mingua, e proveza, em guiſa que nom podem eſcuſar o pedir das eſmolas, e nom ſom pera ſervirem a outrem, dem-lhes as Juſtiças Alvaraaes, per que poſſam pedir eſſas eſmolas ſeguramente. E qualquer homem, ou molher, que acharem andar pedindo ſem recado, ou ſem Alvará da Juſtiça, dem-lhe a pena ſuſo dita.
12E pera ſe comprir, e poer em obra eſtas couſas, que aſsy ſom hordenadas per nós: Teemos por bem e mandamos, que em cada huma Cidade, ou Villa de cada huma Comarca, e Provincia das Correiçooens, ſejam poſtos dous homeens boõs dos melhores Cidadaaõs, que em eſſas Cidades ou Villas ouver, os quaees devem ſaber e veer todalas herdades, que há em cada huma Comarca, que ſom pera dar pam, e nom ſom lavradas e aproveitadas; e façam que ſejam lavradas e aproveitadas pera pam; e ajam poder pera coſtranger os Senhorios dellas, que as lavrem, ou façam lavrar e ſemear pela guiſa, que ſuſo he eſcripto e hordenado.
13E porque os Senhores das herdades as nom querem dar a outros, que as lavrem, ſenom por grandes peenſooẽs, ou por muy grandes rendas, e os lavradores, ou aquelles que as ouverem de lavrar, nom as querem filhar, ſe nom por muy pequenos preços, ou muy pequenas conthias, ou per ventura ſem nenhum encarrego de dar penſom, ou parte aos Senhores deſſas herdades; porem por nom averem aazo nenhuma das partes de ſe eſcuſar, e as herdades nom ficarem por lavrar: Teemos por bem e mandamos, que eſtes dous homeẽs boõs, que aſsy ficarem e forem eſcolheitos, como dito he, em caſo que ſe as partes nom poſſam avyr, taixem, e alvidrem quanta, e camanha parte, ou penſom os Lavradores dem aos Senhorios das herdades; e poſam coſtranger, aſsy os Senhores das herdades que as dem, como os lavradores que as filhem, pela eſtimaçom e taixaçom que fezerem.
14E se per ventura eſtes dous homeẽs boos antre ſy forem em deſvairo ſobre a eſtimaçom e taixaçom, que ham de fazer, entom ſeja dado huum homem boõ por terceiro polo Juiz do lugar, pera partir o deſvairo, que for antre os dous, e concordar no mais igual, ſegundo entender; e cumpra-ſe, e guarde-ſe o que polos ditos dous homeẽs boos for acordado em eſta razam. E ſe os Senhores das herdades eſto nom quiſerem conſentir, e contra ello forem, ou ho embargarem per qualquer maneira per ſeu poderio, percam eſas herdades, e deſentom ſejam apricadas ao comuum pera ſempre: e a renda dellas ſeja filhada, e recebida pera prol do comuum do lugar, em cujo terrentorio eſſas herdades jouverem.
15Outro sy teemos por bem, e mandamos que os ſobreditos dôs homeẽs boõs, que forem poſtos em cada hum lugar do noſſo Senhorio, enqueiraõ e faibaõ logo, e dhi emdiante pelos tempos, quaees e quantos ſom os que vivem e moram em eſſes lugares, aſsy naturaaes delles, como outros quaaesquer, que hy chegarem, ou viverem de fora parte, e que nom ſom meſteiraaes, nem vivem per certos meſteres neceſſarios pera prol cumunal, ou viverem com alguuns taaes, que os mereçam, e ajam meſter pera os ſervirem, &c. outro ſy dos mendigantes, e dos outros ſuſo ditos, que andam em avitos religioſos; e eſto meeſmo ſeja mandado aos vintaneiros, que ſom poſtos pera guardadores das Freiguefias e das ruas e das praças, que dem recado a eſtes ſobreditos dous homeẽs boõs de todalas peſſoas, que acharem e ſouberem, cada huum em ſua freiguefia ou rua ou praça, da condiçom ſuſo dita, per nomina que façam delles, pera ſerem coſtrangidos pera lavrar e ſemear pam na terra, que lhes for dada per eſſas Juſtiças. E ſe nom puſerem, ou nom quiſerem per ſy manteer lavoira, dem-nos a quem nos ouver meſter pera lavrar e ſemear pam, e nom pera outro meſter, nos lugares e Comarcas, hu ouver herdades e lavoiras de pam, ou pera o lavor das vinhas, hu ouver vinhas, e a lavoira do pam desfallecer, aa qual noſſa teençom he de acorrer primeiro pola razom ſuſo eſcripta, por que nos movemos a fazer eſta hordenaçom, e taixaçom a eſſes mancebos, e ſervidores em ſeus preços, e ſoldadas aguiſadas, que ajam d'aver, ſegundo ſuſo diſſemos.
16Pero teemos por bem, que nos Lugares, hu ſempre cuſtumnou d'aver gaanha-dinheiros, que ſe nom podem eſcuſar, que leixem tantos, quantos forem pera ello neceſſarios, per numero certo; e todolos outros, que perteencentes forem pera ſervir, ſejam coſtrangidos pera o meſter e officio da lavoira, pela guiſa que dito havemos, &c.
17E pera eſto, que aſsy hordenamos e mandamos fazer por ſerviço de DEOS e prol dos noſſos Regnos, nom ſeer torvado, nem embargado per nenhuũ, eſtabelecemos e mandamos que qualquer, de qualquer eſtado e condiçom que ſeja, que per ſeu poderio, ſem razom direita, defender ou embargar per qualquer maneira fora de Juiſo alguũ daquelles, que mandamos per eſta Hordenaçom coſtranger, ou que forem coſtrangidos per aquelles, a que pera eſto for dado poder ou officio, pera nom ſervirem, ou nom obrarem em aquello, que lhes for mandado, que paguem a nós, ſe for fidalgo, quinhentas libras cada vez que o fezer, ou temptar de o fazer; e ſejam logo per eſſe meeſmo feito, ſem outra ſentença de Juizo, deſterrados do lugar, hu morarem; e ſaia-ſe logo d'hy ſem outro mandado donde quer que nós eſtevermos a ſeis legoas: e ſe fidalgo nom for, que pague trezentas libras, e aja a dita pena do dito degredo; e ſejam logo penhorados, e coſtrangidos, e vendidos ſeus beẽs pela dita conthia, pela guiſa que per nós he mandado, que ſe vendam pelas outras noſſas dividas. E as Juſtiças dos lugares, e outro ſy aquelles, a que for dado poder pera eſto comprir, que a cá per nós he ordenado, o façam ſaber ao noſſo Sacador, e ao noſſo Almuxarife, e Eſcripvam dos noſſos direitos, pera mandarem coſtranger polas ditas penas; e ſe o nom fezerem, ou em ello forem negrigentes, que eſes Juizes, e Vereadores as paguem a nós em dobro.
18Outro sy porque alguuns dos que eram lavradores, e outros muitos, que o poderiam ſer ſe quiſeſſem, compram e ganham grandes manadas e ſomas de gaados, e os trazem e governam pelas coutadas e herdades alheas, e compram as hervas e pacigoos dos Senhores das herdades, de que eſſes Senhores das herdades ham algo, e eſſes Senhores dos gaados vendem os eſtercos de ſeus gaados, e ham por elles algo; e por eſta razom os huũs, e os outros, aſsy os Senhores das herdades, como os dos gaados, nom curam de lavrar nem aproveitar as herdades: Porem defendemos e mandamos, que daqui em diante nom ſofram nem conſentam a nenhuum, que aja nem traga gaados ſeus nem d'outrem, ſe nom for lavrador, ou nom mantever lavoira, ou for mancebo de lavrador, que more com eſſe lavrador pera o ſerviço da lavoira, ou pera guarda de ſeus gaados, ou pera outras obras perteencentes a meſter da dita lavoira. E os que manteverem lavoira, ou quiſerem ſeer lavradores, e lavrarem herdade ſua ou d'outrem, ou viverem com eſſes lavradores, ou que manteverem lavra pera eſſe meſter da lavoira, como dito he, poſſam aver e trazer gaados, quantos lhe comprirem, e meſter ouverem pera feus mantimentos, e pera ſuſtentamentos de ſua lavoira aguiſadamente, ſem pena e ſem outro embargo.
19E qualquer, que do dia da poblicaçom deſta noſſa Hordenaçom a tres meſes trouver, ou ouver gaados, ſe nom lavrar, e ſemear herdades, ſe tempo e ſazam for de lavoira, e ſementeira, ou ſe tempo nom for de lavrar, e ſe nom obrigar com cauçam ſoficiente pera lavrar, e ſemear ao tempo e fazom convinhavel pera ello, filhando logo, ou aſsinando alguma herdade, que pera o primeiro tempo, que ſe ſeguir da lavoira, aja de lavrar, perca todo o gaado, que d'hy em diante trouver e ouver, e ſeja-lhe todo filhado pera o comuum do lugar, hu eſto acontecer: e qualquer, que os acuſar, e moſtrar, aja pera ſy o terço. E eſſe gaado, que aſsy for filhado por do cumuum, nom ſeja deſpeſo, nem desbaratado ſem noſſo eſpecial mandado, ſe nom * nas barbas-caãs, [1] * e obras das fortelezas, e repairamento deſſes lugares.
20E despois deſto o Virtuoſo Rey Dom Joham meu Avoo, da famoſa e louvada memoria, em ſeu tempo á cerca deſte paſſo * algumas vezes mandou a muitos Lugares, e Villas de ſeus Regnos, per que deſem as terras, e herdades de ſeſmaria [2] * em eſta forma, que ſe ſegue.
21Dom Joham, &c. A vós Juizes da noſa Villa d'Eſtremôs, e a todolos outros Juizes, e Juſtiças dos noſſos Regnos, e a outros quaeesquer Officiaaes, a que deſto o conhicimento perteencer, per qualquer guiſa que ſeja, a que eſta noſſa Carta for moſtrada, ſaude. Sabede que os Juizes, e Vereadores, e Procuradores, e homeẽs boõs deſſa Villa d'Eftremós nos enviarom dizer per ſua Carta, çarrada, e feellada do Seello do dito Concelho, ſegundo per ella parecia, em a qual nos enviarom pedir por mercee, que per noſſa Carta lhes confirmaſſemos por ſeſmeiro Alvaro Gonçalves morador na dita Villa, pera poder dar de ſeſmaria Caſas, e pardieiros, e beẽs, e herdades, que jazem em mortorio, que já em outro tempo forom caſas povoradas, vinhas, e olivaaes pumares, ortas, ferrageaaẽs, e herdades de pam.
22E Nós veendo o que nos aſsy dizer, e pedir enviarom, e viſta per nós a dita Carta, e fiando nós do dito Alvaro Gonçalves, que o fará bem e como deve: Teemos por bem, e damos-lo por ſeſmeiro em eſſa Villa e termo, que poſſa dar as ditas ſeſmarias aas peſſoas, que elle vir e entender, que as melhor e mais cedo lavrarôm, e aproveitarôm. Ao qual Alvaro Gonçalves nós mandamos, que ante que elle dê os ditos beens de ſeſmaria, mande lançar pregooes, e edictos, per quatro ou cinquo dias, em a dita Villa d'Eſtremoz, e nas Villas das Comarcas d'arredor, que aquelles, cujos os ditos beens forem, e a que per direito perteencerem, que ataa huum anno os vaaõ lavrar e aproveitar, ou os vendam, ou emprazem, ou arrendem, ou os dem de foro a taaes peſſoas, que os lavrem, e aproveitem, e corregam. E nom o fazendo aſsy como dito he ataa o dito tempo, mandamos que o dito Alvaro Gonçalves os dê, e poſſa dar de ſeſmaria a quaeesquer peſſoas, que elle entender, que os melhor, e mais cêdo poderom lavrar, e adubar, e aproveitar, pela guiſa que o forom, e milhor ſe milhor poderem; e que as peſſoas, a que aſsy forem dados os ditos beens de ſeſmaria, os lavrem como dito he, e os ajam, e poſſuam, e logrem pera todo ſempre, como ſua couſa propria, ſem outro nenhuu embargo, que lhe ſobre ello ſeja poſto. E em teſtemunho deſto, lhe mandamos dar eſta noſſa Carta. Dada em a Cidade d'Evora a vinte cinco dias de Fevereiro. ElRey o mandou per Joham Gonçalves, e Fernam d'Alvares ſeus vaſſallos, e do ſeu Deſembargo. Joam Lourenço Godinho a fez, Era do Naſcimento de Noſſo Senhor Jesu Christo de mil e quatrocentos e vinte e ſete annos.
23E despois deſto, eſtando ElRey meu Senhor e Padre, de louvada e famoſa memoria, na Villa d'Eſtremoz, forom-lhe dados certos Capitulos tangentes a eſte paſſo per Alvaro Gonçalves, ſeſmeiro por elle em a dita Villa, aos quaees elle reſpondeo por terminaçom delles em eſta forma, que ſe ſegue.
24Dom Eduarte pela graça de Deos Rey de Portugal, e do Algarve, e Senhor de Cepta. A quantos eſta Carta teſtemunhavel virem, fazemos ſaber, que per Alvaro Gonçalves, ſeſmeiro em a noſſa Villa d'Eſtremoz, nos forom dados huuns Capitulos, aos quaaes per nós forom dados deſembargos a cada huum ſobre ſy, dos quaees Capitulos, e deſembargos o theor tal he.
25Senhor. Alvaro Gonçalves voſſo Vaſſallo morador em Eſtremoz faço ſaber aa voſſa mercee, que eu ſoo voſſo Seſmeiro em a dita Villa d'Eſtremoz, poderá aver oito annos e mais, per Carta d'ElRey Dom Joham voſſo Padre, cuja Alma Deos aja, e per voſſa confirmaçom, e dei muitos pardieiros pera caſas, e vinhas mortas, e herdades de pam, e olivaaes, que jaziam em matos, e ora ſom muitas caſas, e vinhas, e herdades aproveitadas, em tanto que algumas peſſoas caſaarom já ſeus filhos com as ditas ſeſmarias; e ainda outros muitos aqueece tomarem algumas heranças de ſeſmaria; e des que lhe per mim ſom dadas, e fazendo em ellas proveito, e teendo ſuas Cartas, algumas outras peſſoas lhas veem a embargar perante os Juizes da dita Villa, * ou [3] * por ſeerem offerecidos, ou por afeiçom, que lhes ham, tiram-lhes as ditas ſeſmarias, que lhes aſsy per mim, e per voſſa Carta ſom dadas; e as partes, a que aſsy ſom tiradas, com temor de nom gaſtarem ho ſeu em perlongada demanda, nom querem ſeguir o preito; e por eſte aazo muitos receam de pedir, e tomar as ditas ſeſmarias, e aſsy a terra fica por * ſe almar, [4] * e ſom muitos olivaaes perdidos, e chaaõs em grandes Azambujaaes de mato, e muitas vinhas mortas, e herdades de pam em grandes ſoboraaes, ſegundo a voſſa mercee bem pode veer: ſeja voſſa mercee declarar a quem perteence tal Juizo de taaes couſas quando vierem.
Quanto a efte Capitulo reſpondemos, que perteence aos Juizes Hordenairos, que vejam ſe o fez bem, ou mal em dar as ditas ſeſmarias.
26Outro sy faço ſaber aa voſſa mercee, que em eſta Villa, e termo ha muitos beẽs, que jazem perdidos ha dez, e vinte, e trinta, e quarenta, e cincoenta, e ſeſſenta annos, e mais, que nom forom aproveitados, e he dito que alguuns deſtes beens ſom de Capeellas, os quaees teem, e teverom ſempre aproveitadores, e os leixarom perder; e algũas peſſoas os querem tomar de ſeſmaria, e com temor de lhes ſerem tirados nom ouſam de os tomar, nem eu de lhos dar, pero em a voſſa Carta me he mandado, que dê todolos beens, que em outro tempo forom aproveitados, e agora o nom ſom: ſeja voſſa mercee declarar como ſe eſto faça.
E que outro ſy ha hy outros beens, que perteencem a algumas Igrejas, e Confrarias d'algumas Albergarias, e teem ſeus Moordomos, e Provedores, e leixam perder os ditos beens: ſeja voſſa mercee declarar ſe taaes beens, como eſtes, ſe darom.
Quanto a eſtes dous Capitulos reſpondemos, que coſtrangam os miniſtradores, e Prelados, e Priores, que per ſeus beens os corregam, e tornem ao eſtado, em que ante eram, que foſſem dapnificados, poendo-lhes penas e tempo a que os corregam.
27Outro sy faço ſaber aa voſſa mercee, que ha hy outros beens, que ſom d'alguuns menores, e ſeus tetores per ſua mingua, ou d'alguuns Juizes, os leixam perder, e jazem em poufios, e em perdiçom : ſeja voſſa mercee declarar ſe ſe darom taaes beens.
Quanto a eſte Capitulo reſpondemos, que requeiram os Juizes, que coſtrangam os tetores, que os adubem e corregam, ſe nom que lhes ponham pena, que dando-ſe os ditos beens, que elles os pagarom de ſuas caſas, e per ſeus beens.
28Outro sy faço ſaber aa voſſa mercee, que ha hy outros beens, que dizem que ſom d'alguuns omiziados, que ſom fora do Regno: ſeja voſſa mercee declarar ſe ſe darom taaes beens.
Quanto a eſte Capitulo reſpondemos, que requeiram aas molheres daquelles omiziados, e que lhes dem lugar a que o façam ſaber aos maridos; e ſe nom vierem, que lhes dem Curadores aos ditos beens, que os corregam; e feitas todalas avondanças, que entom os dem a quem os correga, &c.
29Outro sy faço ſaber aa voſſa mercee, que ha hy outros beens, que ſom d'alguuns Fidalgos, e grandes homeẽs: ſeja voſſa mercee declarar ſe taaes beens ſe darom.
Quanto a eſte Capitulo reſpondemos, que lho faça ſaber, e lhes aſſine termo a que os corregam; e que paſſado o dito tempo, que os dê a quem os amanhe, e correga.
30Outro sy faço ſaber aa Voſſa mercee, que ha hy outros beens, que jazem nos voſſos regueengos, que ora tras o Conde Dom Fernando, e parte delles Alvaro Pereira, e jazem perdidos: ſeja voſſa mercee declarar ſe ſe darom taaes beens como eſtes.
Quantoa eſte Capitulo reſpondemos, que eſto nom perteence a vós, mas perteence ao Almuxarife, e elle os pode dar por aquelle foro, que he o Regueengo do quarto, como da primeira foi afforado.
31Outro sy faço ſaber aa voſſa mercee, que em eſta Villa, e termo della ha tres couſas, per que eſta Villa, e moradores della ſom muito honrados, e as gentes ham ſua vida, e mantimento: a primeira he, que ha hy muitos olivaaes, os quaees, ſe aproveitados foſſem como deviao, averia hy muito azeite, e ora a maior parte delles ſom perdidos per mingua d'adubio, porque ſom em tam grande mato, que quando os fogos veem, nom os podem emparar nem defender, e o fogo os queima, e eſtrue em tanto, que já hy nom ha a meetade dos que em outro tempo ſoya d'aver, o que nom ſeria, ſe aproveitados foſſem: e alguuns, por lhe nom ſerem dados de ſeſmarias, e pera embargarem de lhos nom tomarem, eſcavam, ou cortam algumas oliveiras, e nom querem roçar os matos, nem lavrar as terras, e aſsy jazem em perdiçom, e elles recebem dapno, e alguuns vizinhos por elles, que o ſeu adubam: ſeja voſſa mercee tornar a eſto, e declarardes a maneira que ſe tenha.
Quanto a eſte Capitulo, reſpondemos que requeiram aos donos delles, que os corregam, ſe nom que os darom de ſeſmaria a quem nos correga.
32Outro sy faço ſaber aa Voſa mercee, que ha hy outra couſa, per que os homees, e a terra ham proveito, a ſaber, em as terras ſerem bem lavradas e * eſcavadas, [5] * e ha hy muitos, que por embargarem, lavram huum pedaço de terra, e leixam toda a outra e ſom as terras chêas de grandes Soveraaes: ſeja voſſa mercee declarardes como ſe ſobre ello faça.
Quanto a eſte Capitulo reſpondemos, que requeiram aos Senhores, que as lavrem ſegundo cuſtume da terra em folhas; e quando as nom adubarem, que entom as dem de ſeſmaria, nom as adubando ao termo, que lhes per elle for aſſinado.
33Outro sy faço ſaber aa voſa mercee, que per eſta guiſa ha hy muitos beens, a ſaber, vinhas com olivaaes em ellas, e ſeus donos polas embargarem, adubam huum pedaço, e humas poucas de cepas em huum cabo, e outras poucas em outro, e dizem e allegam, que aproveitam, e querem aproveitar, e aacima nom as adubam, e jazem aſsy poufias ſeja Voſſa mercee declarar a maneira, que ſe em ello tenha.
Quanto a eſte Capitulo reſpondemos, que pois lhes ſabem donos, que lhes requeiram, que as adubem; e paſſado o tempo, que entom ſe cumpra a noſſa Hordenaçom, e as dem a quem nas adube.
34Dos quaees Capitulos, e deſembargos Rodrigo Annes Procurador do dito Concelho d'Eſtremoz nos pedio por mercee, que lhe mandaſſemos dar o trelado, porquanto ſe o dito Concelho delles entendia de ajudar. E nós, viſto ſeu dizer e pedir, lho mandamos dar em eſta noſſa Carta. Porem vos mandamos que a cumpraaes, e façaaes comprir e guardar, aſsy e pela guiſa que em ella he contheudo, e per nós he mandado; e nom conſentaaes ao dito ſeſmeiro, que o d'outra guiſa faça: unde al nom façades. Dada em Eſtremoz a onze dias do mez de Mayo. ElRey o mandou per Diego Affonſo Eſcolar em Leix ſeu Vaſſallo, e do ſeu Deſembargo, e Juiz dos ſeus feitos. Eſteve Annes Eſcripvam em logo de Joham de Lixboa a fez Anno do Naſcimento de Noſo Senhor Jesu Christo de mil e quatro centos e trinta e ſeis annos.
35E vistos per nós a dita Ley, e mandados ſobreditos, declarando ſobre todo dizemos, que quanto he aa Ley d'ElRey Dom Fernando, que falla das lavoiras, e paſtores de guaados, mandamos que ſe guarde a uſança, que ſe agora uſa em eſtes Regnos; e quando nós virmos, que he ſerviço de DEOS, e bem de noſſos Regnos comprir de ſe fazer alguma mudança, ou nos pelos Povoos outra couſa for requerida, e nos bem parecer ſeu requerimento, nós hordenaremos ſobre ello aquello, que entendermos por mais noſſo ſerviço.
36E quanto he ao que em a dita Ley falla dos pedintes, mandamos que todo homem ou molher poſſa geeralmente pedir eſmolas honde e quando lhe aprouver, ſalvo aquelles, que d'antigamente, por uſança geeral, ou Hordenaçooẽs de Regno cuſtumárom pedir, e aver pera ello noſſa autoridade; porque taaes como eſtes mandamos que nom peçam eſmola alguma ſem noſſa liçença, e autoridade: e fazendo o contrairo, per eſſe meeſmo feito encorram em aquellas penas, que per noſſos mandados, e Hordenaçoẽs dos noſſos Regnos devem d'aver.
37E quanto he ao mandado d'ElRey Dom Joham meu Avoo, e declaraçom feita per ElRey meu Senhor e Padre acerca das ſeſmarias, mandamos que ſe guardem, aſsy como em todo he contheudo, naquellas terras, Villas, e Lugares, honde per uſança antiga, ou per mandado dos Reix, que ante nós forom, ou noſſo, ſe acuſtumarom a dar as terras e herdades de ſeſmaria.
38E com eſtas declaraçooens mandamos que ſe guardem a dita Ley, e mandados dos Reix ſuſo ditos, ſegundo en todo he contheudo, e per nós aqui declarado, como dito he.