Lendas do Sul/O Angoéra
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O Angoéra
O Angoéra, enquanto foi pagão, chamava-se desse nome; era um índio grande, forçudo e valente; mas era triste, carrancudo e calado.
Quando os Padres de Jesus, entraram no sertão da serra, corridos que vinham doutro rumo, foi Angoéra, o tapejara, que conduziu sem erro a companhia; e quando os padres sentaram pouso, batizou-se.
E foi padrinho M’bororé, que era cacique e já amigo, muito, dos padres. O nome de Angoéra, pagão, ficou sendo Generoso, nome cristão.
E foi como cobra que deixa a casca...
Angoéra, que era triste, deixou a casca da tristura, e como Generoso, nome bento ficou prazenteiro.
E ajudou a botar pedra no alicerce de todas as igrejas dos Sete Povos. E durou anos, esse ofício!... E ele sempre risonho e cantador.
Um dia, chamou o padre-cura, confessou-se e foi unjido de óleo santo e morreu.
Generozo morreu contente, pois a cara do seu cadáver guardou ar de riso; e foi muito chorado, porque tinha a estima de todos, por ser mui prazenteiro e brincador.
De forma que a sua alma saiu-lhe do corpo, de jeito alegre; e então, invisível, entrava nas casas dos conhecidos, passeava nos quartos e salas, e para divertir-se fazia estalar os forros do teto e os barrotes do chão, e também os trates novos, e os balaios de vime grosso; e se achava dependurada uma viola, fazia sonar o encordoamento, para alegrar-se com a lembrança das suas cantigas, de quando era vivo e cantava...
Outras vezes assobiava nas juntas das portas e janelas, espiando por elas os moradores da casa; e quando os homens, rodeavam a candeia, pitando, ou as crianças, brincando, ou as donas costuravam ou faziam nhanduti, o Generoso, — a alma dele, p’r’o caso — soprava devagarzinho sobre a chama da luz, fazendo-a requebrar-se e balançar-se, que para a sombra das cousas também mudar de estar quieta...
E muitas vezes — até o tempo do Farrapos — , quando se dançava o fandango nas estâncias ricas ou a chimarrita nos ranchos do pobrerio, o Generoso intrometia-se e sapateava também, sem ser visto; mas sentiam-lhe as pisadas, bem compassadas no rufo das violas... e quando o cantador do baile era bom e pegava bem de ouvido, ouvia, e por ordem do Generoso repetia esta copla, que ficou conhecida como marca de estância antiga: sempre a mesma...
“Eu me chamo Generoso,
Morador em Pirapó:
Gosto muito de dançar
Co’as moças de paletó...”