Luís Soares/VI
Adelaide contou miudamente ao amigo de seu pai os successos que a obrigavão a não preencher a condição da carta posthuma confiada a Anselmo. Em consequencia d’esta recusa, a fortuna devia ficar com Anselmo; a moça contentava-se com o que tinha.
Não se deu Anselmo por vencido, e antes de aceitar a recusa foi ver se sondava o espirito de Luiz Soares.
Quando o sobrinho do major vio entrar por casa o fazendeiro suspeitou que alguma coisa houvesse a respeito do casamento. Anselmo era perspicaz; de modo que, apezar da apparencia de victima com que Soares lhe apparecêra, comprehendeu elle que Adelaide tinha razão.
Assim pois tudo estava acabado. Anselmo dispôz-se a partir para a Bahia, e assim o declarou á familia do major.
Nas vesperas de partir achavão-se todos juntos na sala de visitas, quando Anselmo soltou estas palavras:
— Major, está ficando melhor e forte; eu creio que uma viagem á Europa lhe fará bem. Esta moça também gostará de ver a Europa, e creio que a Sra. D. Antonia, apezar da idade, lá quererá ir. Pela minha parte sacrifico a Bahia e vou tambem. Approvão o conselho?
— Homem, disse o major, é preciso pensar...
— Qual pensar! Se pensarem não embarcaráõ. Que diz a menina?
— Eu obedeço ao tio, respondeu Adelaide.
— Além de que, disse Anselmo, agora que D. Adelaide está de posse de uma grande fortuna, ha de querer apreciar o que ha de bonito nos paizes estrangeiros afim de poder melhor avaliar o que ha no nosso...
— Sim, disse o major; mas você falla de grande fortuna...
— Trezentos contos.
— São seus.
— Meus! Então sou algum ratoneiro? Que me importa a mim a fantasia de um generoso amigo? O dinheiro é d’esta menina, sua legitima herdeira, e não meu, que aliás tenho bastante.
— Isto é bonito, Anselmo!
— Mas o que não seria se não fosse isto?
A viagem á Europa ficou assentada.
Luiz Soares ouvio a conversa toda sem dizer palavra; mas a idéa de que talvez pudesse ir com o tio sorrio-lhe ao espirito. No dia seguinte teve um desengano cruel. Disse-lhe o major que, antes de partir, o deixaria recommendado ao ministro.
Soares procurou ainda ver se alcançava seguir com a familia. Era simples cobiça na fortuna do tio, desejo de ver novas terras, ou impulsos de vingança contra a prima? Era tudo isso, talvez.
Á ultima hora foi-se a derradeira esperança. A familia partio sem elle.
Abandonado, pobre, tendo por unica perspectiva o trabalho diario, sem esperanças no futuro, e além do mais, humilhado e ferido em seu amor-proprio, Soares tomou a triste resolução dos cobardes.
Um dia de noite o criado ouvio no quarto d’elle um tiro; correu, achou um cadaver.
Pires soube na rua da noticia, e correu á casa de Victoria, que encontrou no toucador.
— Sabes de uma cousa? perguntou elle.
— Não. Que é?
— O Soares matou-se.
— Quando?
— N’este momento.
— Coitado! É sério?
— É sério. Vais sahir?
— Vou ao Alcazar.
— Canta-se hoje Barbe-Bleue, não é?
— É.
— Pois eu tambem vou.
E entrou a cantarolar a canção de Barbe-Bleue.
Luiz Soares não teve outra oração funebre dos seus amigos mais intimos.