Luís Soares/V

Wikisource, a biblioteca livre

O plano de Luiz Soares estava feito.

Tratava-se de abater as armas pouco a pouco, simulando-se vencido diante da influencia de Adelaide. A circumstancia da riqueza tornava necessaria toda a discrição. A transição devia ser lenta. Cumpria ser diplomata.

Os leitores terão visto que, apezar de certa argucia da parte de Soares, não tinha elle a perfeita comprehensão das cousas, e por outro lado o seu caracter era indeciso e vario.

Hesitára em casar com Adelaide quando o tio lhe fallou n’isso, quando era certo que viria a obter mais tarde a fortuna do major. Dizia então que não tinha vocação de papagaio. A situação agora era a mesma; aceitava uma fortuna mediante uma prisão. É verdade que se esta resolução era contraria á primeira, podia ter por causa o cansaço que lhe ia produzindo a vida que levava. Além de que, d’esta vez, a riqueza não se fazia esperar; era entregue logo depois do consorcio.

— Trezentos contos, pensava o rapaz, é quanto basta para eu ser mais do que fui. O que não hão de dizer os outros!

Antevendo uma felicidade que era certa para elle, Soares começou o assedio da praça, aliás praça rendida.

Já o rapaz procurava os olhos da prima, já os encontrava, já lhes pedia aquillo que recusára até então, o amor da moça. Quando, á mesa, as suas mãos se encontravão, Soares tinha o cuidado de demorar o contacto, e se a moça retirava a sua mão, o rapaz nem por isso desanimava. Quando se encontrava a sós com ella, não fugia como outr’ora, antes lhe dirigia alguma palavra, a que Adelaide respondia com fria polidez.

— Quer vender o peixe caro, pensava Soares.

Uma vez atreveu-se a mais. Adelaide tocava piano quando elle entrou sem que ella o visse. Quando a moça acabou, Soares estava por trás d’ella.

— Que lindo! disse o rapaz; deixe-me beijar-lhe essas mãos inspiradas.

A moça olhou séria para elle, pegou no lenço que puzera sobre o piano, e sahio sem dizer palavra.

Esta scena mostrou a Soares toda a difficuldade da empreza; mas o rapaz confiava em si, não porque se reconhecesse capaz de grandes energias, mas por especie de esperança na sua boa estrella.

— É difficil subir a corrente, disse elle, mas sobe-se. Não se fazem Alexandres na conquista de praças desarmadas.

Comtudo as desilusões ião-se succedendo, e o rapaz, se o não alentasse a idéa da riqueza, teria abatido as armas.

Um dia lembrou-se de escrever-lhe uma carta. Lembrou-se de que era difficil expôr-lhe de viva voz tudo quanto sentia; mas que uma carta, por muito odio que ella lhe tivesse, sempre seria lida.

Adelaide devolveu a carta pelo moleque da casa que lh’a havia entregue.

A segunda carta teve a mesma sorte. Quando mandou a terceira, o moleque não a quiz receber.

Luiz Soares teve um instante de desengano. Indifferente á moça, já começava a odial-a; se casasse com ella era provavel que a tratasse como inimigo mortal.

A situação tornava-se ridicula para elle; ou antes, já o era ha muito, mas Soares só então o comprehendeu. Para escapar ao ridiculo, resolveu dar um golpe final, mas grande. Aproveitou a primeira occasião que pôde, e fez uma declaração positiva á moça, cheia de supplicas, de suspiros, talvez de lagrimas. Confessou os seus erros; reconheceu que não a havia comprehendido; mas arrependêra-se e confessava tudo. A influencia d’ella acabára por abatêl-o.

— Abatêl-o! disse ella; não compreendo. A que influencia allude?

— Bem sabe; á influencia da sua belleza, do seu amor... Não supponha que lhe estou mentindo. Sinto-me hoje tão apaixonado que era capaz de commetter um crime!

— Um crime?

— Não é crime o suicidio? De que me serviria a vida sem o seu amor? Vamos, falle!

A moça olhou para elle durante alguns instantes sem dizer palavra.

O rapaz ajoelhou-se.

— Ou seja a morte, ou seja a felicidade, disse elle, quero recebêl-a de joelhos.

Adelaide sorrio e soltou lentamente estas palavras:

— Trezentos contos! É muito dinheiro para comprar um miseravel.

E deu-lhe as costas.

Soares ficou petrificado. Durante alguns minutos conservou-se na mesma posição, com os olhos fitos na moça que se afastava lentamente. O rapaz dobrava-se ao peso da humilhação. Não prevíra tão cruel desforra da parte de Adelaide. Nem uma palavra de odio, nem um indicio de raiva; apenas um calmo desdem, um desprezo tranquilo e soberano. Soares soffrêra muito quando perdeu a fortuna; mas agora que o seu orgulho foi humilhado, a sua dôr foi infinitamente maior.

Pobre rapaz!

A moça foi para dentro. Parece que contava com aquella scena; porque entrando em casa, foi logo procurar o tio, e declarou-lhe que, apezar de quanto venerava a memoria do pai, não podia obedecer-lhe, e desistia do casamento.

— Mas não o amas tu? perguntou-lhe o major.

— Amei-o.

— Amas a outro?

— Não.

— Então explica-te.

Adelaide expôz francamente o procedimento de Soares desde que alli entrára, a mudança que fizera, a sua ambição, a scena do jardim. O major ouvio attentamente a moça, procurou desculpar o sobrinho, mas no fundo elle acreditava que Soares era um máo caracter.

Este, depois que pôde refrear a sua colera, entrou em casa e foi despedir-se do tio até o dia seguinte.

Pretextou que tinha um negocio urgente.