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Lupe/II

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Máo exordio
II


De subito, soaram a meu lado estas palavras proferidas em inglez por alguem, cuja approximação o ruido da helice tornara despercebida:

— Não ha, nem póde haver no mundo paizagem maritima mais arrebatadora...

Voltei-me. A dois passos de mim, bonita rapariga, morena e elegantissima, trajando rigoroso lucto, fitava com um binoculo os planos longinquos da agua e do céu. Alta, nervosa, esbelta, graciosamente petulante. Mas das linhas de seu rosto algo de desconforto resumbrava. Na commissura dos labios lobrigava-se-lhe o vinco das decepções.

Ao cabo de minutos, como eu não respondesse, repetiu em hespanhol, dirigindo-se directamente a mim:

— Não acha, cavalheiro, ser impossivel na natureza perspectiva superior a esta?!

— Perdão, repliquei. Julgo com effeito admiravel o espectaculo que presenciamos. A bahia do Rio de Janeiro, porém, excede incomparavelmente em bellezas a de S. Francisco.

— Que bahia?!... indagou ella, qual se não houvesse apprehendido o nome.

— A do Rio de Janeiro, capital do Brazil.

— Ah!... Pertence porventura o cavalheiro a semelhante terra?... murmurou com surpreza satyrica, depois de ligeira pausa.

Á minha affirmativa, a desconhecida guardou lentamente o binoculo no estojo pendente a tiracollo, e saccou do bolso uma d’essas lunetas encaixilhadas em tartaruga, que tem longo cabo perpendicular aos vidros. Limpou com o lenço devagarinho esses vidros e, em seguida, assestou-os sobre mim, mirando-me da cabeça aos pés, como se eu fôra um animal raro.

Supportei imperturbavel o impertinente exame, fixando a pesquizadora sem pestanejar.

Ao fim, soltando uma risada:

— Pois ninguem acreditaria, — declarou, — que o cavalheiro nascesse no Brazil. Está bem certo d’isso?...

— Como assim?!...

— Eu suppunha que o Brazil só produzisse negros e selvagens.

— Enganou-se, como vê. Em geral, ignoram a minha patria no estrangeiro, ou não tributam a devida justiça á sua civilisação.

— Eu conheço perfeitamente o Brazil, — interrompeu ella. É uma zona extensissima, cheia de florestas, na qual o vomito preto dizima os indigenas, onde perdura a barbaria da escravidão e governa patriarchalmente ha 50 annos um velho rei, muito sabio e bom...

— Illude-se ainda, — retorqui friamente. O Brazil é um paiz civilisado, o mais civilisado e prospero da America Latina.

Ella desfechou uma grande gargalhada insolente, mostrando soberbos dentes agudos e alvissimos.

— Lá, pelo menos, — terminei, a voz um tanto acre, — as mulheres costumam ser discretas e os homens sabem ser polidos.

Com a arrogante luneta, novamente a desconhecida submetteu-me a demorada investigação.

Curvou-se, depois, n’uma mesura ironica, exclamando:

— Cavalheiro, humilde servidora de usted...

E afastou-se, erecta e airosa, n’um passo de rainha.

Fiquei só, e, sem saber porque, furioso commigo mesmo.

Certo, eu acabava de conversar com a celebre Lupe, de quem fallara Mister Randolph.

Ao envez do que este annunciara, não se antolhavam propicias as nossas relações.