Lágrimas Abençoadas/II/XVIII

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Os esplendidos festins da depravação não se fechavam para alguem. Ponto era que o conviva fosse bem apresentado, e fechasse os labios da critica com mordaça de ouro. Já sabeis que Alvaro era rico, e quem o levou pela mão até o ultimo degrau da escada da immoralidade, fôra um conde tão rico e tão nobre como elle.

Este homem pavoneava-se de ter conquistado um nome, que exprimia uma seita. Chamavam-lhe cynico, e elle gloriava-se do nome. A sociedade nunca o maltratára, mas elle dizia que tinha uma vingança solemne a tirar da sociedade. Algoz da honra de muitas familias, a sua guilhotina era a calumnia, quando não podia mostrar as mãos salpicadas do sangue das victimas. Velava alta noite a porta de um amigo, que o recebera de dia, para que os passageiros, ao ve'-lo, o considerassem amante de sua irmã. Quando o murmurio do descredito chegava aos ouvidos do pae, que rejeitava a mão de um traidor que o visitava, o conde não tinha duvida em offerecer galhardamente a esse pae uma pistola, ou um florete. Se o ancião recuava diante da morte, ou da idéa do abandono em que ficava sua familia, o cynico ria-se-lhe na face, e chamava-lhe cobarde nas praças, ou nos salões.

Assim como conduzira pela mão Alvaro da Silveira ás bachanaes, mais de uma virgem fôra conduzida por elle á ultima estação da licença. E, depois, o maldito de Deus, e dos homens, aprazia-se de contemplar o desenfreamento d'essas mulheres, como se fossem feras, restituidas á sua liberdade.

Estas linhas, esboçadas á pressa e com repugnancia, traçam a physionomia moral do conde que entrára para o quarto de Alvaro da Silveira.