Manhã de Inverno
Coroada de nevoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de somno e de preguiça,
Nos olhos da fantastica indolente.
Nevoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas,
Essas que têm por simples ornamento
Puras capellas, lagrimas mais puras.
A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véo fulge o diamante.
Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das larangeiras humidas da chuva;
Erma de flôres, curva a planta o collo,
E o chão recebe o pranto da viuva.
Gelo não cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas tremulas a neve;
Galhardo moço, o inverno d'este clima
Na verde palma a sua historia escreve.
Pouco a pouco, dissipão-se no espaço
As nevoas da manhã; já pelos montes
Vão subindo as que encheráõ todo o valle;
Já se vão descobrindo os horizontes.
Sobe de todo o panno; eis apparece
Da natureza o esplendido scenario;
Tudo alli preparou co' os sabios olhos
A suprema sciencia do emprezario.
Canta a orchestra dos passaros no matto
A symphonia alpestre, — a voz serena
Acorda os échos timidos do valle;
E a divina comedia invade a scena.