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Marília de Dirceu/II/X

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Arde o velho barril, arde a cabeça,
Em honra de João na larga rua;
O crédulo mortal agora indaga
Qual seja a sorte sua?

Eu não tenho alcachofra, que à luz chegue,
E nela orvalhe o Céu de madrugada,
Para ver se rebentam novas folhas
Aonde foi queimada.

Também não tenho um ovo, que despeje
Dentro dum copo d'água, e possa nela
Fingir palácios grandes, altas torres,
E uma nau à vela.

Mas, ah! em bem me lembre; eu tenho ouvido
Que a boca um bochecho d'água tome,
E atrás de qualquer porta atento esteja,
Até ouvir um nome.

Que o nome, que primeiro ouvir, é esse
O nome, que há de Ter a minha amada;
Pode verdade ser; se for mentira,
Também não custa nada.

Vou tudo executar, e de repente
Ouvi dizer o nome de Filena:
Despejo logo a boca: ah! não sei como
Não morro ali de pena!

Aparece Cupido: então soltando
Em ar de zombaria uma risada,
E que tal, me pergunta, esteve a peça?
Não foi bem pregada?

Eu já te disse, que Marília é tua:
Tu fazes do meu dito tanta conta,
Que vais acreditar o que te ensina
Velha mulher já tonta.

Humilde lhe respondo: Quem debaixo
Do açoite da Fortuna aflito geme,
Nas mesmas coisas, que só são brinquedos
Se agouram males, e teme.