Marília de Dirceu/II/XXV

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Minha Marília,
O passarinho,
A quem roubaram
Ovos, e ninho,
Mil vezes pousa
No seu raminho;
Piando finge
Que anda a chorar.
Mas logo voa
Pela espessura,
Nem mais procura
Este lugar.

Se acaso a vaca
Perde a vitela,
Também nos mostra
Que se desvela;
O pasto deixa,
Muge por ela,
Até na estrada
A vem buscar.
Em poucos dias,
Ao que parece,
Dela se esquece,
E vai pastar.

O voraz Tempo,
Que o ferro come,
Que aos mesmos Reinos
Devora o nome;
Também Marília,
Também consome
Dentro do peito
Qualquer pesar.
Ah! só não pode
Ao meu tormento
Por um momento
Alívio dar.

Também, ó Bela,
Não há quem viva
Instantes breves
Na chama ativa;
Derrete ao bronze;
Sendo excessiva,
Ao mesmo seixo
Faz estalar.
Mas do amianto
A febre dura
Na chama atura
Sem se queimar.

Também, Marília,
Não há quem negue,
Que bem que o fogo
Nos óleos pegue,
Que bem que em línguas,
Às nuvens chegue,
À força d'água
Se há de apagar.
Se a negra pedra
Nós acendemos,
Com água a vemos
Mais s'inflamar.

O meu discurso,
Marília, é reto:
A pena iguala
Ao meu afeto.
O amor, que nutro,
Ao teu aspecto,
E ao teu semblante,
É singular.
Ah! nem o tempo,
Nem inda a morte
A dor tão forte
Pode acabar.