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Mattos, Malta ou Matta?/XV

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A velha endireitou os óculos, fungou três vezes, repuxou as saias nos rins e disse, apontando para o ressuscitado:

— Eis o autor da questão'

— Este? — bradei, espantado. — É impossível!

— Vai ver — replicou a velha —, vai ver!

— Não creio — repliquei. — é impossível, repito!

— Impossível o quê? — perguntou-me o acusado.

— Impossível que seja o senhor o autor da grande intriga que se tem feito a respeito de Castro Malta, de mim e de todas as pessoas que se interessam nesta questão.

— Que questão? — perguntou-me o Castro.

— Ora! que diabo de questão pode ser? A questão Castro Malta.

— Castro Malta?

— Pois o senhor não conhece a questão de que lhe falo?

— Eu não conheço senão o que me ensinou o Precioso, o meu mestre.

— Visto isso — acrescentei —, o senhor não está a par da grande questão que nos trouxe aqui!

— Juro-lhe que não.

— Não sabe do que se trata?

— Não!

— Nunca escreveu cartas a minha mulher?

— Nem a sua, nem a mulher alguma!

— Então — exclamei, voltando-me para Dona Leonarda —, então como afiançou a senhora que este homem era o autor de toda aquela trapalhada?

— Por uma razão muito simples, porque tenho as provas de que ele é o único autor da história.

— Apresente-as.

— Não é preciso — atalhou Quintino —, eu explico tudo.

— Este senhor — acrescentou, voltando-se para mim. — Este senhor não é mais que um simples romancista.

— Como? — disse eu.

— Sim, não é mais do que um simples romancista. A sua intenção dele era somente fazer um romance, um romance para A Semana e, na falta de melhor assunto, agarrou o meu!

— O seu?

— Sim, o meu, a minha questão, o meu Castro Malta.

— Como é lá isso? — perguntei.

— Pois não — respondeu-me Quintino. — Pois não! O senhor entendeu fazer um romance de uma questão séria, que levantei pelO Paiz e começou a escrever cartas disparatadas e tolas para A Semana.

— Eu? — interroguei.

— Sim, sim, o senhor! — bradou o chefe da redação dO Paiz agarrando-me pelo braço. — O senhor! que, sem o menor escrúpulo quis fazer de um assunto sério um pretexto para novelas de mau gosto!

— Repare que me ofende!

— Qual ofende, nem meio ofende! O senhor já ouviu muito pior do Jornal do Commercio e nem por isso deu o cavaco.

— Sim, mas isso é outro caso! O Jornal não é responsável por cousa alguma. Ele não sabe o que faz, coitado!

— Em todo caso, voltando à questão, posso afirmar que o senhor não passa de um especulador que se apoderou de uma questão que lhe não pertence. O senhor nunca foi casado; nunca teve o emprego público de que falou na sua carta; nunca teve relações com a tal Jeannite de que por várias vezes tratou, e muito menos teve relações com empregados da Santa Casa de Misericórdia.

— O senhor está me ofendendo!

— Ora qual, meu amigo, um romancista nunca se pode dar por ofendido com estas cousas; um romancista é um grande mentiroso, que vive a empulhar o público com as suas patranhas. Hoje afirma que o diabo é cor do céu e amanhã jura que Deus é cor de fogo!

— Eu nunca fiz em minha vida afirmações dessa ordem!

— Se não fez dessa ordem fez piores. Leia as suas próprias obras, estude-as com atenção; verá que não é mentira o que digo.

E o Sr. Quintino, voltando-se para minha sogra, acrescentou:

— Creia, minha senhora, que falo verdade. Este homem que está ao seu lado é um intrigante, é um enredador, é finalmente um romancista!

— Eu?!

— Sim! sim, o senhor, e escusa negar. Perguntem à Folha Nova, perguntem à Gazeta de Noticias, perguntem à Gazetinha, à Gazeta da Tarde, perguntem ao próprio Jornal do Commercio, e todos esses órgãos afirmarão o que avancei.

— Estou desmoralizado! — exclamei, procurando uma saída.

Mas, à porta de entrada se haviam reunido vários reporters e homens de letras que me tolheram a passagem.

Todos riam, e eu sentia já o suor correr-me pela fronte e entranhar-se pelos mistérios do colarinho.

Afinal, vendo que assomavam à porta o Valentim, o Filinto de Almeida, o Alfredo de Souza, o Luiz Murar, o Urbano Duarte, o Artur Azevedo, o Alberto de Oliveira, o Raimundo Corrêa, o Dermeval da Fonseca e muitos outros rapazes conhecidos, não tive remédio senão confessar tudo e abaixar a cabeça, resignado ao que desse e viesse.

— Então! — volveu para mim o Sr. Quintino —, creio que defronte desta gente não terá o senhor a mesma petulância de querer fazer acreditar que escreveu de boa fé tais cartas para A Semana. Vamos, explique-se, senhor romancista!

— Bem! — respondi, fazendo-me pálido e puxando para trás os meus cabelos. — Bem! vou falar com franqueza. Ouçam-me com toda a atenção.

O auditório armou um grande ar de concentração; cada uma das pessoas presentes concheou a mão na orelha e inclinou-se para o meu lado.

Senti-me intimidado. Bati na testa, revirei os olhos e disse:

— Meus senhores, querem encontrar a explicação de toda essa história? Querem? Pois leiam um romance que vai aparecer no rodapé dO Paiz.

— E como se há de chamar esse romance? — perguntou-me o Sr. Quintino.

— Ora faça-se de novas! — respondi eu. — O senhor bem sabe qual é o título do romance que vou publicar no seu jornal.

E, dizendo isto, dei por acabado este livro, que não é um romance, nem um tratado científico, nem um catecismo, nem um panfleto político, nem um dicionário, nem tão-pouco um livro de memórias; mas simplesmente — um prêmio para os assinantes dA Semana.