Memória sobre a ilha Terceira/Ao leitor
Não é a vaidade nem o orgulho que nos leva à publicação deste nosso trabalho, o primeiro que apresentamos ao público, mas sim um tributo de amor, respeito e gratidão à memória do Dr. José Augusto Nogueira Sampaio.
De amor, como filho que nos prezamos de ter sido; de respeito, pela ciência que ele cultivou, como um dos seus apóstolos mais fervorosos; e de gratidão, pelo modo com que nos soube incutir o amor ao trabalho, a veneração à ciência e o respeito à humanidade.
Este nosso livro não representa mais do que a execução de um plano que ele projetara, quando a morte cruel, já de longe, vinha minando a sua existência, tão preciosa e útil para a sociedade. Muitas vezes, quando os sofrimentos físicos e a sua vida profissional lhe concediam algumas horas de descanso, nos expôs ele o plano de um livro que tratasse exclusivamente da sua pátria, que tanto que tanto amava, e no qual descrevesse a geologia, a flora, a fauna e a topografia.
Cansado pela sua longa carreira profissional e depauperadas as suas forças físicas pela fatal doença que por muitos anos o perseguiu, apenas pôde escrever a flora e a geognosia da ilha Terceira, tendo começado a impressão daquela quando a morte o arrebatou para sempre, no fatal dia 26 de julho de 1900, àqueles que o amavam como filhos aos que o respeitavam como homem de ciência.
Aplacada, no nosso espírito, a tempestade causada por tão infausto acontecimento, pensámos nesse grande trabalho que o nosso extremoso pai começara com tanto amor, e, com franqueza o dizemos, sentimo-nos sem forças para o concluir, perante o que faltava para fazer, sem recursos de escritor público, sem conhecimentos precisos de tão árdua tarefa. Foi arrojo da nossa parte, bem o conhecemos, mas fiados na extrema benevolência dos nosso leitores resolvemos empreender este trabalho, incorreto na sua forma, incompleto no seu conteúdo.
Dividimo-lo em cinco partes, perfeitamente distintas: Geologia – Flora – Fauna – Topografia – e História Política. Como vê o leitor, fomos um pouco além, adicionando a história política, onde a ilha Terceira ocupa um lugar distinto, compilando alguns documentos que se encontravam dispersos, por nos parecer obteríamos um trabalho mais completo.
Na primeira parte encontrará o leitor as opiniões mais mais geralmente seguidas sobre a origem do arquipélago açoriano. E é para lamentar que a ilha Terceira continue a permanecer quase desconhecida para o mundo científico, quando as suas irmãs – São Miguel e Faial – situadas a pequena distância, têm sido visitadas pelos sábios estrangeiros. Uma grande lacuna se encontra nesta parte: é a constituição geológica do terreno terceirense que, muito em resumo, vai descrita na Geognosia, a qual só poderá ser preenchida quando os grandes homens científicos se dignarem visitar a nossa pátria.
A segunda parte compreende o trabalho completo do nosso saudoso pai, cuja impressão começara poucos meses antes da sua morte. Quanto às restantes, serviu-nos de guia, na parte científica, esse resumido número de livros escritos sobre a fauna açoriana, que o leitor encontrará na parte bibliográfica; e, para a História, os trabalhos dos nossos ilustres escritores terceirenses.
Procurámos dar ao nosso trabalho toda a exactidão possível e quanto permitiam as nossas forças, e o pouco tempo de que podíamos dispor nas nossas lidas profissionais. As lacunas, que e encontram, serão preenchidas por outras penas mais abalizadas que a nossa, corrigindo-lhe ao mesmo tempo a sua forma e linguagem.
E, ao terminar este pequeno prefácio, não podemos deixar de consignar nesta página o nosso reconhecimento para com os reverendos párocos da ilha Terceira, pela boa vontade com que nos forneceram os elementos de que carecíamos para a parte topográfica, e a todos os outros nossos concidadãos, que nos proporcionaram documentos, para nós valiosos. E por último, a vós, leitor, só pedimos – benevolência.
Angra do Heroísmo, dezembro de 1903.