Memórias de um pobre diabo/Primeira Parte - Capítulo 13
Verdade lizas diziam os antigos, diziam elles: hospede ao terceiro dia fede.
Na casa do proprio amor, tres dias depois, não cheira o hospede.
Ao quarto dia, me disse Aurora:
— Não te amuas comigo?
— Porque? perguntei.
— Se eu te disser a verdade?
— Não.
— És um empecilho...
— Só?
— E é pouco?
Era de facto assaz. Puz-me a pensar.
— No que pensas? tornou ella.
— Na cousa mais simples deste mundo.
— Qual?
— N'um chapéo...
— Por fallares em chapéo, de quem será um, que anda pelo sotão?
— Poderá ser meu... anda vêr...
A rapariga não se deixou rogar. Lesta foi, lesta voltou.
— É justamente meu, clamei, antes de pôr o chapéo na cabeça.
O chapéo era tanto meu como de quem me ouve. Ficava-me na cabeça por muito obsequio.
— Acautela-te, acudio Aurora, olha que elle quer subir...
— Aurora, lhe disse com seriedade, toma um beijo... é tudo quanto posso dar-te, como lembrança de minha gratidão...
Ao proferir a palavra gratidão—cresceu-me o nó da garganta.
— Não me deves nada, meu querido, respondeu a meia voz. Eu sinto muito mas... tu sabes...
— Sei... tens razão... adeus...
Beijamo-nos...
— Tornas ao tio?
— Torno.
Sahi.
— Pois, se tornares ao tio, rematou ella fechando a porta, apparece por aqui de quando em quando...
— Se tornares ao tio, repeti a mim mesmo, sim! se tornares ao tio, isto é, quando tiveres casa, a minha estará as tuas ordens... Agradecido, Aurora.
No entanto, Aurora tinha coração.
Assim houvesse ella juizo.