Memórias de um pobre diabo/Primeira Parte - Capítulo 4

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O excellente velho era homem de têmpera austera, não lia os jornaes. Se os lesse teria visto que eu, apezar de haver gasto quatro annos para no cabo chegar aos nominativos da artinha, por outro lado, dava provas do meu talento.

N'aquella idade já o Camarão e o Lagarto, periodicos literarios, artisticos, politicos e burlescos publicados então, chamavam a attenção dos leitores, o primeiro para o meu artigo intitulado O homem deve ser sceptico e o outro sobre a minha poesia — Ella (á qual meu tio alludio quando fallou na santa mulher do nosso honrado visinho o Sr. Onofre).

O meu primeiro escripto que andou em letra redonda foi o artigo. Quem conhece o gigante pelo dedo, conhecerá o artigo inteiro por este começar: — «Eil-o cabisbaixo e taciturno fitando o horisonte da existencia... Esqueleto de crenças resequidas, elle descrê da luz e das trévas, de si e de todos, etc.»

O Camarão, sem inquirir como póde a gente cabisbaixa fitar o horisonte da existencia, e muito menos a que animal pertencera o esqueleto de crenças resequidas, rematava o encomio ao artigo com estas palavras de arromba:

«É de crêr que o joven e talentoso escriptor com o andar do tempo modifique as doentias idéas, prematuramente bebidas nas fontes de Benedicto Spinosa, J. J. Rousseau, Claudio Helvecio, e outros materialistas. Asseveramos, no entanto, que se este artigo levasse o nome de um destes autores — seria uma faisca electrica lançada no meio da sociedade; tal é o vigor dos seus paradoxos...»

Muito obrigado, aos Srs. Redactores do Camarão.