Memorial de Aires/1889/XII
Estava com desejo de ir passar um mês em Petrópolis, mas o gosto de acompanhar aqueles dois namorados me fez hesitar um pouco, e acabará por me prender aqui. Rita tem o mesmo gosto, e já agora os freqüenta mais. Ontem disse-me que o casamento é certo.
— Mas quem disse a você que eles se casam?
— Ninguém me disse; eu é que adivinhei. D. Carmo, a quem falei nisto, ficou um pouco embaraçada; não queria confessar e tinha vergonha de negar, é o que é; mas eu desconversei e falei de outra coisa. Só se eles não lhe disseram ainda nada...
Não sei que escrúpulo me deteve a língua; não lhe contei o que sabia da parte do próprio Tristão, mas não me custou nada; apenas retruquei disfarçando:
— Bem, a viúva não casa comigo, casa com outro, segundo lhe parece: mas então você confessa que perdeu a aposta.
— Não digo que não. Tudo está nas mãos de Deus.
— Lembra-se daquele dia no cemitério?
— Lembra-me; há um ano.
Repito, não me custou ser discreto; é virtude em que não tenho merecimento. Algum dia, quando sentir que vou morrer, hei de ler esta página a mana Rita; e se eu morrer de repente, ela que me leia e me desculpe; não foi por duvidar dela que lhe não contei o que já escrevi atrás.
Leia, e leia também esta outra confissão que faço das suas qualidades de senhora e de parenta. Talvez eu, se vivêssemos juntos, lhe descobrisse algum pequenino defeito, ou ela em mim, mas assim separados é um gosto particular ver-nos. Quando eu lia clássicos lembra-me que achei em João de Barros certa resposta de um rei africano aos navegadores portugueses que o convidaram a dar-lhes ali um pedaço de terra para um pouso de amigos. Respondeu-lhes o rei que era melhor ficarem amigos de longe; amigos ao pé seriam como aquele penedo contíguo ao mar, que batia nele com violência. A imagem era viva, e se não foi a própria ouvida ao rei de África, era contudo verdadeira.