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Memorial de Aires/1889/XLVII

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Tristão cumpriu a promessa, veio almoçar comigo, eram onze horas e meia. Vinha triste, — triste e calado. Quer dizer que falamos muito pouco. Não havendo melhor assunto de conversa que esse mesmo silêncio, lembrou-me dizer-lhe que compreendia as saudades que ele levava daqui, já da terra, já das pessoas, e particularmente das duas pessoas que lhe queriam tanto. A ocasião era boa para dizer dos dois velhos as melhores coisas, — ou repeti-las, pois já mas tinha confiado várias vezes; outrossim, inteirar-me dos seus planos de futuro, até onde ia a viagem, e em que tempo tornaria com a formosa esposa. Não me disse nada; afirmou de cabeça e mergulhou no mesmo grande silêncio do princípio. Creio que não me ouviu metade.

No fim do almoço, como fumássemos, deu-me novamente a indicação da casa em Lisboa, o título da folha política em que colabora, e ia confiar-me alguma coisa mais que calou, pareceu-me. Mergulhou outra vez no silêncio. Eu respeitava aquela melancolia e deixava-me ir atrás do fumo do charuto. Tristão finalmente despediu-se.

— Não nos veremos mais? perguntou-me.

— Irei ao Cais Pharoux, pode ser que a bordo também.

— Até amanhã; vá fazendo as encomendas.

Levei-o até à escada, que ele começou a descer vagarosamente, depois de me apertar a mão com força. A meio caminho deteve-se e subiu outra vez.

— Olhe, conselheiro, Fidélia e eu fizemos tudo para que a velha e o velho vão conosco; não podem, ela diz que está cansada, ele que não se separa dela, e ambos esperam que voltemos.

— Pois voltem depressa, aconselhei.

Tristão fitou-me os olhos cheios de mistérios, e tornou à sala; vim com ele.

— Conselheiro, vou fazer-lhe uma confidência, que não fiz nem faço a ninguém mais; fio do seu silêncio.

Fiz um gesto de assentimento. Tristão meteu a mão na algibeira das calças e tirou de lá um papel de cor; abriu-o e entregou-mo que lesse. Era um telegrama do pai, datado da véspera; anuncia-lhe a eleição para daqui a oito dias.

Ficamos a olhar um para o outro, calados ambos, ele como que a apertar os dentes. Depois de alguns segundos de pausa:

— Eleição certa, disse ele. As cartas já me faziam crer isto, mas não cuidei que fosse tão próxima.

Restituí-lhe o telegrama. Tristão insistiu pelo meu silêncio, e acrescentou:

— Queria que eles viessem conosco; eu lhes diria a bordo o que conviesse, e o resto seria regulado entre as duas, — ou entre as três, contando minha mãe. Fidélia mesma é que me lembrou este plano, e trabalhou por ele, mas não alcançamos nada; ficam esperando.

Quis dizer-lhe que era esperarem por sapatos de defunto, mas evitei o dito, e mudei de pensamento. Como ele não dissesse mais, fiquei um tanto acanhado; Tristão, porém, completou a intenção do ato, acrescentando:

— Confesso-lhe isto para que alguém que nos merece a todos dê um dia testemunho do que fiz e tentei para me não separar dos meus velhos pais de estimação; fica sabendo que não alcancei nada. Que quer, conselheiro? A vida é assim cheia de liames e de imprevistos...

Não sei que disse mais; a mim chegava-me outra idéia que também deixei passar, não querendo ser indiscreto. Era indagar se Fidélia sabia já do telegrama; ele dissera-me que o não mostrara a ninguém, mas é claro que a mulher era ele mesmo, e estava excluída do silêncio que tivera com os outros.