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Mistério do Natal/XVII

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O esplendor é mais impenetrável que a treva e foi uma muralha fulgurante que encobriu Maria quando se realizou a profecia do bem.

Na hora em que os galos cantaram a primeira vez, súbito clarão resplandeceu no fundo da caverna. A luz foi tanta, tão intensa que atravessou o sono em que jaziam o patriarca e o pastor.

José soergueu-se d’ímpeto, firmando-se nas mãos, ofuscado pela claridade vivida que irradiava em estalactites de um brilho augusto, mudando em rútilos diamantes todas as pedras brutas e fazendo áspero solo, eriçado em pedrouços, uma área esplêndida como se fosse embutida de gemas lapidadas.

O pastor, atônito, deslumbrado, arrastava-se tateando e a caverna, a mais e mais aclarada, parecia toda uma chama alva como se um luar maravilhoso a enchesse magnificamente.

Os dois homens, atordoados, não falavam – estendiam as mãos e os seus dedos chameavam como raios d’astros e da luminosidade desprendia-se um perfume, novo na terra, aroma celestial que enlevava como um encantamento.

Além da caverna a noite negrejava calada e erma de estrelas. Pode o pastor arrastar-se até o limiar e o seu corpo, esgueirando-se, refulgiam como o de uma salamandra.

Trêmulo, chegou à entrada, respirando a largos sorvos, o ar frio que vinha dos outeiros. Levantou o olhar e recuou espavorido.

Escada altíssima, de cintilantes degraus, ligava o cimo do outeiro ao céu aberto em radiante pórtico e anjos desciam, tantos que pareciam uma catadupa que se despenhava espumejando iriada de sol, com cintilações de pedrarias.

Não pode olhar e, rojando-se, com a face na terra, ouvia o murmúrio das asas.

Não disse palavra, imóvel, tolhido de assombro, sentindo a transfiguração da noite.

José conseguiu levantar-se e caminhou lentamente através do esplendor.

Maria apareceu-lhe entre as mansas ovelhas que, reunidas, bafejavam as palhas onde um menino infante, com as mãozinhas na boca, os olhos cândidos abertos, parecia contemplar a Virgem que sobre Ele inclinava-se.

Olhou-a, fitou no tenro corpo os olhos e viu que o cercavam três figuras de incomparável beleza.

Uma, as mãos diáfanas cruzadas sobre o peito, os olhos baixos, concentrada, rezava. Outra, d’olhos enlevados, com uma palma verde na mão débil, sorria. A terceira, de joelhos, aquecia com o hálito, envolvendo-o nos seus longos cabelos louros, o corpo recém-nado.

Por onde teriam entrado os três seres? Que anjos seriam? Não os pode reconhecer o patriarca, mas chegando-se à Virgem tomou-lhe a mão e beijou-a.

Ele mostrou-lhe o filho com uma ternura tão meiga que o sorriso não pode por si só exprimi-la e lágrimas correram.

Assim deram os olhos, d’uma só vez, todos os seus tesouros: o brilho do olhar e os diamantes da meiguice, essa humildade do amor.

Pouco a pouco foi-se a luz extinguindo, a sombra retomou a caverna.

As virgens desapareceram e Maria, acolhendo o pequenino nos braços, chegou-o ao colo, aqueceu-o, afagou-o.

Foi mãe antes de ser serva. Só depois de o beijar estremecidamente ouviu as vozes que atroavam a noite:

“Glória a Deus nas alturas, paz aos homens na terra de boa vontade.”

Ocorreram-lhe as palavras do anjo. Lembrou-se, então, que o ser nascido do seu seio era o Deus da promessa.

Deitou-o delicadamente nas palhas e ajoelhou-se adorando-o.

José, afastado do grupo, prestava culto à Virgem e ao infante e o céu, pala voz dos espíritos eleitos, saudava a vinda do filho do homem, portador da piedade.

Ergueu-se o pastor, olhou o céu e, ouvindo os anjos, saiu a correr bradando inspiradamente a Boa-Nova.

E os galos puseram-se a cantar anunciando a maior e mais bela madrugada do mundo.