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Mistério do Natal/XXII

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Maria mal umedeceu os lábios à borda do tarro de leite de ovelha que o pastor ordenhara antes de partir. Cuidados traziam-na apreensiva. Se o filho estremecia sobressaltava-lhe o coração, se o via imóvel, dormindo, temia que houvesse morrido e logo, ansiosamente, afagando-o, chamando-o, despertava-o.

- Deixa-o dormir, disse-lhe o patriarca, o sono é necessário à vida, é a sombra em que a alma repousa.

O espírito das crianças refugia-se no sono como o dos velhinhos – o primeiro porque dele saiu e ainda o tem por ninho; o segundo porque o procura como abrigo. Não o despertes, deixa-o dormir.

- É que me parece estar morto. Não faz o mais leve movimento e, quando ele assim fica, meu coração pára retransido.

- É a serenidade. Só o sono dos maus transmite ao corpo a convulsão do pesadelo.

O sono é uma visita à morte. Os inocentes fazem-na sorrindo, os pecadores fazem-na espavoridos.

Não receies que ele passe tão cedo à eternidade de onde veio. Ainda que não trouxesse a missão que o fez baixar ao mundo, fosse ele tão da terra como o filho da zagala dos montes, não o deverias tirar do repouso.

Não desenterras a semente por não a veres à flor do solo, deixas que ela venha a flux e rebente, abra o renovo e cresça.

O sonho é uma incubação. Por que não sonha? porque não tem impressões. O sonho é como um reflexo em que há eco, é a reprodução confusa da vida com a repercussão indistinta das vozes e dos ruídos.

Há quem veja presságios no sonho como o nômade vê realidades na miragem.

Com que há de sonhar quem não tem consciência da vida? Deixa-o dormir.

É a noite que a floresta cresce e a criança é como a árvore.

O luar é manso, é uma luz silenciosa de vigília, uma túnica diáfana sobre a treva – não desperta. As estrelas são meigas porque a noite deve ser tranqüila para que a natureza descanse. Deixa-o dormir.

Conserva-te imóvel e calada, não perturbes a vida misteriosa. Demais, ele é o Eterno. A morte passa por ele como a lâmina de uma espada por um raio de sol. Deixa-o dormir.

em sei que o egoísmo das mães chega a insurgir-se contra as leis de Deus; não te insurjas tu, que o geraste. Ele precisa rever a humanidade entrando pela vida e gozando, saindo, talvez, pela morte com sofrimento.

- Meu senhor! Exclamou a Virgem estendendo as mãos, comovida.

- São palavras, Maria. Ai! de mim, quem sou eu para pronunciar oráculos sobre aquele que tem o destino da vida em sua mão direita!

São palavras que digo. Deixa-o dormir.