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Mulheres e creanças/Capítulo XV

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CAPITULO XV

I

 

 

São ellas a alegria da familia, como a familia é a suprema ventura dos felizes, e o supremo consolo dos desgraçados.

Quando apparecem trazem comsigo o sol; tudo se illumina.

Sorriem os labios mais ironicos, marejam-se de lagrimas doces os olhos mais aridos, estendem-se prodigas de bençães as mãos mais avaras.

Ellas são a graça que se ignora, a fraqueza que nenhum poder assusta, a innocencia que interroga, a aurora intellectual que desponta e que diffunde em torno de si uma luz cariciosa e limpida, uma luz que se reflecte em jubilos no coração das mães.

Tudo na vida é para ellas mysterio, mysterio que as chama e as attrahe, cujas trevas as não apavoram, em cujos sinistros meandros nem sequer receiam perder-se.

Em cada um d’aquelles pequeninos cerebros encerra-se em germen tudo que é no homem pequenez ou grandeza, genio ou mediocridade, força ou impotencia, virtude, abnegação, esquecimento de si ou egoismo, vicio e crime.

Onde ha maior mysterio do que a creança?

Debalde a interrogamos; não sabe responder, senão áquelles que pelo poder da sympathia logram identificar-se com ella.

Recebel-a das mãos de Deus é para a mulher, para a mãe a mais tremenda das responsabilidades, e desgraçadamente aquella de que tem a consciencia menos definida e menos clara!

 

 

Ser mãe, quem o não é?

A difficuldade e o segredo é saber sel-o.

Na sociedade, tal como ella está constituida e continuará a estar por largos e dilatados annos, dous entes, um homem e uma mulher, moços ambos, encontram-se, olham-se, sorriem-se e pensam de si para comsigo que estão apaixonados.

Durante alguns dias, alguns mezes, a que elles em falsa e sentimental linguagem chamam seculos, repetem um ao outro, n’um tom mais ou menos desafinado os duettos de ternura doentia que os romancistas, os prosadores e os maestros inventaram para conveniencia sua... dos seus emprezarios e editores, e para envenenamento do resto da humanidade.

N’este meio tempo, por detraz dos bastidores, os paes, que fingem não ver nada, calculam in petto quaes os prós e os contras pecuniarios do matrimonio hypothetico.

Se os primeiros levam certa vantagem aos segundos, celebra-se com a devida pompa o almejado consorcio, e n’essa noite ha mais dois desconhecidos, dois indifferentes, dois estranhos acorrentados um ao outro por um laço que devia ser sagrado, e que muitas vezes consegue sómente ser... dourado!

O marido no outro dia vae para as suas labutações do costume, para a vida exterior que o reclama e absorve, a mulher fica em casa provando os vestidos do enxoval, experimentando se lhe fica bem a touca, distinctivo invejavel das noivas, ensaiando os seus primeiros vôos timidos de senhora independente, que póde á sua vontade fechar o piano, atirar fóra o lapis e as tintas, deixar para um canto a costura e o bordado, e subverter-se sem receio das censuras maternas no dolce far niente, que tanto a namorava em seus dias de educanda submissa.

D’alli a um anno, se é boa, docil, se tem a intuição das cousas delicadas, se um poderoso instincto de creatura amoravel lhe pede que espalhe em volta de si a felicidade, concedamos-lhe que já tem tido tempo de conhecer e apreciar seu marido, que principia a estimal-o, que se lembra um poucochinho envergonhada dos falsos lyrismos de solteira, das cartas que lhe escrevia fazendo estylo e copiando phrases dos grandes apaixonados que a lenda e o romance immortalisam; que tem, emfim, ainda incompleta, mas já accentuada a noção da verdade e da justiça que ha de guiar-lhe a vida.

Param, porém, aqui os seus conhecimentos, e um dia, surpreza, encantada, extactica, chorando de alegria, umas lagrimas verdadeiras, d’estas que se escoam entre risos de gratidão, percebe que tem nos braços um pequenino ser, a quem tem direito de chamar filho, porque o gerou no seio em longos mezes de agonia insondavel.

Que ha de fazer d’elle? Como ha de desenvolver, robustecer, cultivar a saude d’aquelle entezinho, fragil e indefezo, que lhe solta no regaço os seus primeiros vagidos, buscando com a boquinha faminta e o instincto animal, que Deus concede a todos os seres creados, a primeira gotta do leite materno, que é a sua vida? Entram as amigas e dizem-lhe em côro:

— Não o cries que perdes a formosura, o viço, a mocidade, tudo o que prende e captiva teu marido.

— Não o cries, que tens de te despedir dos bailes, das noites triumphantes em que a valsa nos arrebata nos circulos vertiginosos, em que as flôres e as finas essencias nos embriagam com o perfume enervante, em que a musica nos côa nos sentidos as suas caricias languidas, em que a luz crúa do gaz nos beija as espaduas opalinas, em que a admiração dos homens nos envolve na audaz provocação dos seus olhares, em que a inveja das mulheres nos enrosca em espiraes de cobra.

— Não o cries, que terás de perder as noutes, não entre alegrias e folgares, mas na alcova, onde a medo bruxoleia a luz mortiça da lamparina, junto de um pequeno berço, ouvindo aquelle choro da infancia, tão doloroso para os ouvidos maternaes.

Teu marido fugirá de ti; elle, que anda cansado da faina diaria, quer as noutes tranquillas, os somnos fartos, as placidas madrugadas; repugnam-lhe os primeiros trabalhos que a creança tem que dar por força á mãe, que fôr mãe, na accepção plena da palavra.

Não creio que a maior parte das mulheres ouça os funestos e corrosivos conselhos das amigas falsas; hoje começa a radicar-se em todos os espiritos a convicção justa e sensata de que só a mãe, quando é robusta, ou quando é simplesmente sã, deve amamentar o filho.

Entregal-o aos braços mercenarios de mulher estranha é aceitar a mais tremenda das responsabilidades.

A ama póde communicar no leite os seus vicios, os seus instinctos maus, as suas doenças ou defeitos de organisação hereditaria, toda a herança fatal de um passado inteiramente desconhecido para as pessoas que tão levianamente lhe confiam o que devia ser o mais precioso thesouro da sua alma.

Abstraiamos, pois, a ama, por não querermos suppôr que se trata aqui de uma mãe frivola até ao crime, despiedosa até á ferocidade, ou fraca a ponto de não poder cumprir os deveres da sua missão maternal.

Fica-nos simplesmente a mãe inexperiente e ignorante em face da recem-nascida creatura, flôr que precisa o mais desvelado cultivo, a mais complexa das educações.

Não a accusemos ao vel-a aceitar o seu mimoso fardo com tão leviana confiança, com uma tão plena inconsciencia da grande missão que precisa de cumprir.

A culpa não é d’ella; n’este ponto ha um criminoso apenas — é o homem.

 

 

Abrem-se universidades, lyceus, escolas, seminarios, institutos scientificos, para educarem no seu seio os jurisconsultos, os medicos, os sacerdotes, os mathematicos, os commerciantes, os sabios, os cidadãos do futuro.

Só falta uma escola, a primeira, a mais indispensavel das escolas, a que facilitaria e tornaria fructiferos os trabalhos das outras: falta a escola das mães!

Ninguem se lembrou ainda de a crear, julgam-na desnecessaria, ou talvez que a julguem frivola.

— Como é que se ha de ensinar a ser mãe? é só a natureza que instrue a mulher. Ha mães de quinze annos que sabem mais n’este assumpto do que velhos pensadores de sessenta. Deixae obrar a natureza, é ella a grande mestra, a suprema inspiradora!

De accordo, meus senhores; quem é que nunca se lembrou de negar á mãe o seu divino instincto de protecção e de ternura? Quem ao vel-a segurar com tão delicado carinho o tenro corpo do filho, acalental-o nos braços, adivinhar-lhe as necessidades e os desejos até para elle indistinctos, negará que entre esses dous entes ha uma cadeia mysteriosa, que a natureza nunca poderá mais desatar?

Mas é necessario que o estudo auxilie o maravilhoso instincto, que elle ensine á mãe a comprehender no seu triplice aspecto, physico, moral e intellectual, a educação do ser complexo, que hoje é uma fraqueza que implora auxilio e ajuda, que ámanhã será uma força util ou funesta, conforme a direcção que haja recebido desde os mais tenros annos.

 

 

O estudo que comprehende todos os outros estudos, e que deve, portanto, constituir o ponto culminante da instrucção, é a theoria e a pratica da educação da infancia.

Estas palavras de Herbert Spencer, o philosopho mais notavel da moderna Inglaterra, um grande pensador, um chefe de escola, provam de sobejo até que ponto, aos olhos do homem que medita, avulta hoje o grande problema da educação.

É um erro imaginar que a creança nasce boa.

Ha n’ella instinctos innatos de natureza selvagem, instinctos primitivos, que só uma habil cultura modifica, transforma, encaminha ou desarreiga.

Toda a creança é curiosa: mães aproveitae essa grande força, que conduz o homem á conquista de todas as grandes descobertas da sciencia e da arte, e que póde quando entregue a si conduzir a creança ao mais deploravel e mesquinho dos vicios de caracter, á curiosidade esteril do ocioso, da senhora visinha. A creança tem o instincto do roubo. Apossa-se do que vê, do que attrahe pelo brilho, do que lhe desafia a cubiça, a gulodice, o amor da posse.

Leitora, quando o teu pequenino de tres ou quatro annos tiver artes de te roubar uma joia muito querida, um manjar muito reservado, um bibelot qualquer, que seja para ti de grande estimação, não chores desconsolada, lendo n’esse primeiro symptoma sinistras prophecias. Esse prenuncio de ambição desregrada póde, dirigido com previdente vigilancia, transformar-se na legitima energia que leva o homem a desejar a posse das riquezas honestamente adquiridas, a exercer no seu espirito uma influencia fortificante, a tornal-o pertinaz no caminhar para um ficto que de longe antevio.

Dirigir toda e qualquer tendencia para um fim elevado e util, combater a inercia, a preguiça physica e intellectual da creança, empregando activos reagentes, ir ajudando lenta e gradualmente a evolução natural do entendimento infantil, abrir-lhe o espirito a todas as curiosidades sãs, apontar para a natureza inteira como para um livro enorme, mysterioso, cheio de apaixonado interesse, de peripecias dramaticas, de imagens vistosas, que elle ha de ir decorando a pouco e pouco, conduzil-o até ao limiar da adolescencia, puro de coração, immaculado no corpo, prompto e apto para absorver em si os conhecimentos complexos que o esperam, robusto, são, energico, confiante, cheio de crença nos outros, e de crença maior em si, eis a missão das mães. Que de cousas não são indispensaveis para a saber cumprir!

 

 

Uma das cousas que a mulher quasi geralmente ignora é a hygiene pratica, que ella tanto precisava saber, tendo, como tem, a seu cargo a distribuição e direcção do alimento da familia.

Do alimento que se ministra á creança depende em grande parte não só a sua futura saude, mas, o que poucas mulheres sabem, — o seu caracter futuro!

Dae a uma creança alimentos irritantes, inflammaveis, apimentados; deixae-a usar sem discernimento de bebidas em que o alcool predomine, e tereis o temperamento adulterado, o caracter azedo, os habitos baixos, os gostos perversos, todas as aberrações de um organismo estragado.

Dae-lhe só carne, alimentae-a brutalmente de materias fortemente azotadas, e fareis d’ella, da meiga e fragil creatura, do pequeno anjo de cabellos louros e olhos innocentes, um temperamento sanguinario, selvagem, amigo das luctas bravias, das distracções violentas, dos exercicios athleticos, que caracterisam as rigorosas raças do norte.

Exemplo: os inglezes, que só domam as revoltas brutaes do temperamento com a forte disciplina de uma educação que é o supremo milagre do espirito sobre a materia.

A alimentação fraca produz os organismos inertes, fleugmaticos, sem impulso, sem fibra, sem energia duravel.

Saber pois, conhecer os diversos attributos que caracterisam a alimentação do homem, saber combinal-os de modo que todos concorram para o seu bem-estar physico, e que nenhum produza as graves perturbações organicas de que podem ser origem, é a sciencia das mães, sciencia para cujo estudo devem tender todos os seus esforços.

 

 

A actividade quasi incessante da creança é um dos meios que mais efficazmente concorrem para o seu crescimento physico e, por consequencia, para o seu desenvolvimento intellectual.

As mães, julgando fazer n’isto um grande serviço a seus filhos, combatem por todos os modos esta actividade, obrigando as creanças a uma quietação que se transforma em supplicio para os pequeninos corpos buliçosos, que um impulso involuntario leva a um quasi continuo movimento.

Não é só com as reprehensões, ás vezes asperas e sempre injustas, não é só encerrando os pobres seres pequeninos em espaço muito estreito para os seus desejos, é tambem vestindo-os para obedecer ao despotismo da moda, e ás exigencias da propria vaidade de um modo que está em pleno contraste com a idéa que todo o espirito um pouco sensato deve formar das aspirações e necessidades da infancia!

A creança, que quer e que precisa de correr no espaço amplo, pelas ruas pedregosas, pelos campos lavrados, pela matta cheia de raizes, traz quasi sempre uma botina alta, justa, de salto levantado e estreito! Ella, que aspira aos movimentos livres, que se compraz nos grandes gestos, que trepa ás arvores, que se roja pelo chão, que atira ao longe os improvisados projectis que encontra, sente-se cruelmente cingida por um fato rico, elegante, phantasioso, caro por força, e que tem o defeito duplo e contradictorio de a entristecer lentamente, inconscientemente pelas censuras e ralhos de que lhe é motivo incessante — visto que não ha nada mais avarento do que a prodigalidade e nada mais economico do que a ostentação — e de a tornar vaidosa pelo habito e pelo gosto de attrahir as vistas dos frivolos, e a inveja dos pobres, dos pequenos rotos, dos miseraveis de cinco annos, que ignoram as alegrias bemditas da sua liberdade indomada! Mães, arrancae ao vestuario dos vossos filhos tudo que fôr vaidade, falso luxo, ostentação ridicula!

A graça das creanças consiste na plena expansão da sua vitalidade; o luxo d’ellas está no doce aroma de infancia que de si exhalam, e que falla de aceio, de pureza, de carinho materno, que revela — aos que sabem ver — as matinaes e frescas alegrias do banho, as risadas crystallinas como perolas que se desfiam, os gritinhos infantis, as fugidas subitas, todo esse poema, que ninguem traduz, de um bando de pequeninos corpos, feitos de leite e rosas, com cabelleiras louras por aureola, que uns braços amorosos amparam, susteem, acariciam, em quanto que um sorriso meigo e pensativo illumina em clarões de limpidez ideal, uma bocca que só sabe abençoar, uns olhos de mãe, que nunca desamparam nem desfitam o tepido ninho das suas doces aves implumes. Curava-se sómente da alma considerando a terra morada transitoria, cheia de males e de miserias, e o corpo ephemero involucro, especie de lodoso carcere onde o espirito prisioneiro anciava por levantar o vôo para as altas espheras da eterna bemaventurança.

Este pensamento, que dominava todos os outros e ao qual todos os outros se subordinavam, é a causa suprema de onde deriva toda a philosophia da edade média, e que determina o ideal a que tenderam os sonhos de milhares de gerações, nossas predecessoras na vida.

Foi elle que estabeleceu o medonho antagonismo entre o espirito e a materia, causa de tantos erros e de tão falsas interpretações; foi elle que levou o homem perdido e transviado a considerar a natureza como a sua mais cruel inimiga, como a sua tentação mais perigosa e abominavel.

D’esta guerra anti-humana e anti-natural nenhuma conquista verdadeira poderia provir.

Era falso o ponto de vista de que o homem partia, falsissimas todas as deducções que d’esse ponto de vista resultavam.

O corpo era um farrapo miseravel que só merecia desprezo e humilhação; todo o prazer, ainda o mais natural era um peccado que cumpria expiar cruelmente; a vida era um periodo curto de passagem e penitencia; a creança nascida já vinha contaminada do peccado original; a alma, só a alma precisava dos nossos cuidados, das nossas meditações, do nosso mais especial e esmerado cultivo!

Quantos erros de educação, de moralidade e de hygiene!

Quantas revoltas medonhas este despotismo espiritual não excitava!

Mas foi por acaso esse tempo de pura espiritualidade?

Pelo contrario!

Nunca os instinctos maus do homem imperaram com mais violencia! Nunca se materialisaram mais todos os cultos e todas as idéas!

O Deus que todos adoravam em extasis apaixonados, era o Christo dolorido, cadaverico, crivado de pregos, escorrendo sangue de cada uma das suas chagas abertas.

A dôr maternal era symbolisada por sete espadas atravessando um coração dilacerado.

Os fanaticos mostravam á admiração das turbas os estygmas sangrentos das suas carnes palpitantes.

Os ascetas tinham visões nas quaes o Padre Eterno, o Christo, a Virgem, os Santos, lhes appareciam sob a fórma humana, com feições diversas e caracteristicamente accentuadas, fallando na linguagem mais correntia e mais chã.

A resurreição da carne era um dos pontos fundamentaes do dogma catholico. O espiritualismo d’essas éras barbaras era muito mais material do que a sciencia de hoje.

— Para que aperfeiçoarmos e amenisarmos a vida, — diziam do alto dos seus pulpitos ou nas paginas dos seus tractados as terriveis authoridades d’essas éras tão hostis para o homem. — Quanto maiores supplicios houvermos padecido n’este momento rapido, maior quinhão de gloria tem para nós a eternidade. Sofframos todas as humilhações mais abjectas, curvemo-nos diante de todas as tyrannias, deixemos que os vermes devorem o nosso corpo ulcerado, sejamos grandes em face do Senhor, como Job na sua gloriosa estrumeira. Os que forem ultimos cá em baixo, serão os primeiros no céu!

E a humanidade, ébria de um sonho de beatitude immortal, perdia a força para combater, e esperava passivamente a resurreição esplendida que os illuminados lhe promettiam!

Oh! quanto devemos á robustez de espirito, á fé fecunda e creadora que moveu alguns homens privilegiados a fazerem-nos sahir d’esse marasmo estagnador! Foram esses homens os verdadeiros creadores da sciencia, que hoje illumina até os mais ignorantes, dos bens que hoje desfructam até os mais desgraçados.

 

 

Um dos problemas resolvidos pelos modernos, e que se não fossem esses benemeritos de que acima fallamos ficaria para sempre obscuro, é o problema da educação.

Segundo o ponto de vista da edade média, a mãe não devia attender senão á alma de seu filho.

Era preciso fazer d’elle um santo, e as mais das vezes só se fazia um bandido.

E que o alvo a que se tendia era estupido e anti-natural e os meios de que se usava eram inteiramente contraproducentes.

Hoje a mãe já não tem desculpa nem da sua ignorancia propria, nem da ignorancia da sua época.

Se não sabe é porque não quer saber.

O homem moderno tem applicado grande parcella da sua prodigiosa actividade em descobrir os meios mais efficazes de fazer as gerações que vão seguir-se-lhe melhores do que as gerações que o precederam.

Está pacificada a guerra que se havia travado entre a alma e o corpo.

Mais ainda; hoje comprehende-se perfeitamente que é da saude do corpo que depende a saude da alma, e que os maus são quasi sempre os enfermos ou os defeituosos.

O caminho das boas mães está naturalmente traçado.

Não poupar esforços para aperfeiçoar e robustecer o corpinho querido, dentro do qual está crescendo e desabrochando a flôr maravilhosa, a flôr delicadissima, que é a alma infantil.

Poucas pessoas comprehendem a fundo qual seja a responsabilidade de ser mãe.

Não a póde haver mais seria e mais tremenda.

Desde que a creança nasce até ao segundo periodo da sua vida, em que ella já começa a ser susceptivel de ensino, quantos cuidados multiplos, engenhosos, delicados e constantes!

Um movimento menos suave, um golpe de ar quando a creança está no banho, um abafo excessivo ou uma imprudente e rapida mudança de habitos, qualquer pequena cousa que á primeira vista parece insignificante, póde ter um alcance enorme no futuro do querido entezinho.

Sabemos de uma creança que ficou cega, porque estabeleceram uma corrente de ar no quarto em que ella tomava um banho tepido.

Conhecemos uma pobre mulher, que tem padecido toda a vida cruelmente, que nunca pôde trabalhar, nem ser util a ninguem, porque a tornou rachitica uma quéda que a fizeram dar brincando com ella em pequena.

Ha muita gente que se diverte estupidamente atirando as creanças ao ar, fazendo-as dar voltas, abalando-lhes o pequeno cerebro.

Quem póde dizer os resultados fataes para o seu organismo que d’ahi resultam!

A creança é tudo que ha de mais fragil e de mais delicado.

Pensem bem todas as mães que um erro de hygiene póde ás vezes fazer de uma indole pacifica uma indole perversa.

A alma e o corpo, os dous irreconciliaveis, inimigos de outro tempo, estão hoje para todos os olhos tão estreitamente unidos, tão profundamente identificados, que não ha abalo ou sensação que um experimente e de que o outro deixe de resentir-se logo.

 

 

Pensam muitas mães que o melhor meio de emendarem os erros de seus filhos, são os ralhos repetidos e os castigos severos.

Engano perfeito!

O unico meio de educação verdadeiramente proficuo é o exemplo.

Que encargo de almas não assume a mulher que quizer ser boa mãe!

A mais doce e a mais tocante relação reciproca que existe entre a mãe e o filho, é aquella em virtude da qual a mãe educando-se educa, e o filho sendo ensinado ensina.

Emquanto ensinamos os nossos filhos, a nós proprias nos estamos illustrando.

Pensando nas virtudes que elles devem adquirir e no meio de lh’as inocularmos no coração, como que se nos vão lentamente revelando todas as bellezas incomparaveis d’este mundo moral, de cuja contemplação andavamos, senão alheiadas, ao menos distrahidas.

Oh! de quantos rasgos bons não é origem para a mãe, o receio de vêr traduzir-se um espanto accusador nos olhos limpidos de seu filho.

E depois é necessario que todas as educadoras pensem muito n’esta verdade tão simples e tão lucida.

O exemplo, é que ensina, guia e robustece a alma e educa o espirito.

Que importa que ella pregue e ensine as boas palavras, e a brandura do caracter, se ella não provar com o seu exemplo de todos os dias a divina graça d’estas qualidades e d’estes usos?

A creança obedecerá talvez, mas sem convencimento e sem alma!

Para que todas as bençãos de Deus chovam sobre a cabeça das que sabem ser boas mães, nem esta benção suprema lhes faltou.

Ao contacto divino da infancia, na doce intimidade da innocencia, perdem defeitos e ganham virtudes.

A educação bem comprehendida é tão util á mãe como á creança.

 

 

Imagine-se uma creatura fraca, indolente, tendo sido de pequena criminosamente amimada, mas ao mesmo tempo possuidora de claro e perspicaz entendimento.

Tem habitos inveterados de preguiça, tem horas desoladoras de tedio e de morbida melancolia. O tempo para ella é pesado e longo.

Vive, não gosando as horas porém matando-as como póde.

Não se occupa, não reage contra o seu natural e funesto prostramento, não tem um fim util e querido para o qual viva.

Um dia esta creatura infeliz é mãe! Comprehende toda a responsabilidade que lhe cahiu sobre os hombros, e como no fim de contas é intelligente e boa, quer cumprir dignamente a sua sagrada missão.

Como é milagrosa e abençoada a influencia que n’este caso a creança innocente exerce no caracter de sua mãe.

Acabaram-se as longas scismas dolentes, as doentias tristezas, os inuteis desalentos! É preciso que ella ensine a viver á fragil creaturinha que Deus confiou aos seus braços.

Quantas d’estas redempções se não devem á infancia! Quantas vezes a mão inconsciente de um pequeno ser de dous ou tres annos não tem redimido os erros de seus paes!

 

 

Lembra-nos, a proposito d’isto, uma poesia deliciosa que lêmos ha muitos annos, e cuja idéa é esta.

Duas desgraçadas creaturas, d’estas que a miseria prende ás vezes mutuamente por ephemeros laços, arrastavam juntas uma vida angustiada e degradante.

Ellasem coragem, sem aceio, sem actividade, sem aquella força que ao mais negro albergue póde dar a mysteriosa graça dos ninhos; elle, ocioso, cruel, covarde diante da desgraça e diante do trabalho, ébrio ás vezes, d’aquella selvagem embriaguez da aguardente e do absintho.

Porque se conservaram unidos?

Nem elles proprios o sabiam.

Poder do habito, abjecto marasmo das supremas degradações.

Um dia, n’aquelle antro miseravel, soou o vagido de uma creança.

Não se admirem.

Tambem ás vezes das podridões de uma sepultura desabrocha uma rosa de maio.

Quando á noite o homem voltou de suas divagações sem rumo, a pobre mulher prostrada nas palhas apodrecidas da enxerga, perguntou-lhe espantada:

— Porque me não bates? porque me não ralhas? quem é que suspendeu o insulto da tua bocca, e os golpes dos teus braços?

E elle, o homem perdido e brutal, respondeu baixinho com um enternecimento desconhecido na voz rouca:

Tenho medo de acordar o pequenino.

J’ai peur de réveiller l’enfant.

Oh! creanças, creanças, como isto revela bem o poder divino que é tão vosso!

 

 

Tenho fallado muito ás mães n’este assumpto.

Nunca me cansarei de lhes repetir que se entreguem bem do intimo d’alma á educação dos seus filhos!

É que não ha creanças más, como não ha homens perversos.

Ha creanças mal educadas e ha homens pervertidos.

Na educação que as creanças recebem dominam ainda perigosos preconceitos, e dizemos perigosos, por que n’este grave assumpto todo o erro é um perigo.

Apontemos alguns.

Toda a mãe ambiciona possuir um filho modelo.

Quer dizer, um menino muito direito, muito aprumado, que falla como um livro, que sabe grammatica, maximas moraes, que repete versos classicos, que nunca faz bulha, que tem gestos desdenhosos e reprehensivos para a travessura dos outros, que nunca se esquece das lições, que é emfim um prodigio que todas as mães invejam, e apontam como ideal a seus filhos menos privilegiados.

Esta classe de creanças póde dizer-se que é a unica verdadeiramente antipathica.

Evitemos quanto possivel que os nossos filhos sejam meninos modelos.

Para evitar este resultado, é preciso não dar excessiva attenção ás graças naturaes da creança, não a louvar de modo que ella ouça, não a forçar a estudos precoces, fazel-a brincar, correr dar-lhe plena liberdade de movimentos e de impulsos.

Se a creança tem demasiada propensão para os estudos mais proprios de outra edade, cumpre distrahil-a, pôl-a em contacto com a natureza, ensinal-a a comprehender a alma das cousas.

Nada melhor para desenvolver o espirito e o coração das creanças do que a vida no campo.

Plantas, arvores, animaes, os alegres trabalhos da lavoura, tudo que desperta sans curiosidades no entendimento infantil.

Dae ao vosso filhinho um alegrete do jardim para elle tratar, dae-lhe um animalzinho manso e inoffensivo a que elle se affeiçoe.

 

 

Ás vezes quando o nosso filhinho bate com a cabecinha no chão, ou em qualquer movel da casa, vemos com indifferença a criada que o trata bater tambem, fingindo-se muito zangada, no objecto que sem culpa nem consciencia é a causa da magoa que afflige o nosso pequeno amor.

Este velho costume das aias e das mães pouco atiladas, é um erro.

Torna a creança absurdamente vingativa.

D’ahi a bater ou a ter vontade de bater em quem a contraria, não vae nada.

De cada idéa falsa se faz n’estes cerebros delicados e impressionaveis o germen de um vicio ou de um defeito.

Quantas mães eu não tenho ouvido dizer: Meu filho é tão teimoso! Meu filho é tão guloso! Ou tão tagarella, ou tão curioso! — ou tão colerico!

Mães, procurae bem no passado e achareis a semente d’isso que hoje é planta damninha e venenosa.

 

 

Combater a teima, com a teima, a gulodice natural com a abstinencia forçada, a cólera instinctiva, com os castigos implacaveis, é pessima tactica.

O meio de levar uma creança a esquecer-se de que teimava, é distrahir-lhe a attenção para assumpto muito diverso d’aquelle que a absorvia.

Quando uma creança é exageradamente gulosa, o meio de a emendar é leval-a a envergonhar-se do seu defeito, a córar d’elle diante de si propria.

Nas cóleras a que todas as creanças são mais ou menos sujeitas, o remedio mais efficaz é uma brandura magoada.

Que a mãe deixe ver que os erros de seu filho a não enfurecem, mas a fazem soffrer muito.

A creança ficará desarmada e moralisada.

Para ella a revelação subita de que foi causa de grande amargura para aquella a quem mais estremece, corresponde ao despertar da consciencia e ao pungir do seu primeiro espinho!

Usemos na educação dos meios puramente moraes, e não das degradantes correcções physicas.

Acordemos por todos os modos imaginaveis o bom senso da creança, e a impressionabilidade do seu ser moral.

Que ella conheça sempre o mal e o bem, não pelos inconvenientes ou vantagens que d’estas duas cousas possam provir, mas pelo que ellas valem, pelo que significam, pelo rebaixamento que uma inclue em si, e pela essencia superior de que a outra é feita. creança existe no mundo que seja absolutamente egual a outra creança; é ao espirito da mãe que pertence o gravissimo e delicado encargo de corrigir, ampliar, alterar, restringir as regras e os preceitos enunciados pelos educadores e pelos moralistas.

O que é, pois, necessario antes de tudo, é levar as mães a pensarem profundamente n’estas altas questões, e a estudarem com pertinaz paciencia o caracter das creanças cujos destinos teem de dirigir.

Conhecemos uma senhora, aliás muito boa e muito dedicada, que, tendo cinco filhos, os educa a todos pelo mesmo systema.

Resultado inevitavel e fatal:

As creanças são todas deploravelmente educadas.

Ernesto Legouvé, distincto escriptor francez, que tem consagrado grande parte da sua vida a notaveis estudos sobre a sorte da mulher, e sobre a educação da creança, publicou ha mezes um bello livro que d’aqui recommendo a todas as minhas leitoras.

Intitula-se — Nos filles et nos fils, e contém uma serie de scenas e estudos de familia, muito proprios para ampliar e esclarecer o coração e o entendimento das mães em certos momentos criticos da sua difficil missão.

Um d’esses trechos, e talvez um dos mais importantes, trata das creanças e dos criados, da intimidade forçada e muitas vezes perigosa que entre elles se estabelece, e dos resultados nocivos que d’essas relações resultam para a educação.

Legouvé leu este trecho na Academia Franceza; por aqui se reconhece a sua importancia, a maneira superior por que foi tratado.

Muitas mães desattendem na educação dos seus filhos a questão gravissima dos criados.

Deixam que as creanças vivam n’um contacto muito intimo com gente de tracto grosseiro, de comportamento equivoco, de linguagem eivada de erros, de conversação baixa e degradante.

Quantas mães eu não tenho ouvido dizer ás suas filhinhas de quatro, cinco e oito annos: — Vae lá para dentro; deixa-me conversar?!

Imaginam ellas que para a creança nenhuma consequencia má póde provir da sua intimidade com as criadas.

Enganam-se.

Antigamente, quando os domesticos faziam, por assim dizer, parte integrante da familia, nasciam e morriam na casa, não havia perigo em que as creanças estivessem junto d’elles e com elles tagarellassem e brincassem.

O instincto d’essas boas creaturas, afinado na convivencia de pessoas de educação elevada, fazia-lhes comprehender que as creancinhas eram uns seres sagrados e queridos, cuja intelligencia se não devia macular nem de leve, cujos ouvidos tinham de ser escrupulosamente respeitados.

Hoje, infelizmente, como já o dissemos, esse modo de comprehender a vida de familia, modificou-se completamente.

Os nossos criados entram e sahem com uma rapidez e uma facilidade incrivel; não criam raizes em parte alguma, e este viver de párias no meio dos que teem lar e alegrias intimas e familia e tecto seu, desenvolve-lhes contra os amos uma estranha hostilidade.

Dizem mal por gosto, por necessidade, por um costume de classe.

Precisam de vingar-se, e vingam-se dos maus e dos bons, sem escrupulo e sem remorso.

De cada casa d’onde sahem trazem os segredos, as anecdotas mais intimas, os incidentes comicos, os acontecimentos grotescos; e contam tudo isto, uns aos outros, n’uma grande liberdade de palavras, de apreciações e de commentarios.

Surprehenderam aqui um drama, alli um ridiculo, conhecem as miserias de muito interior, os vicios que se fazem pobreza, e a pobreza que se faz vicio.

Com o amor do pittoresco e do maravilhoso, que ha sempre na alma do povo, dão um colorido phantastico aos seus contos, que attrahe por força a curiosidade da creança.

Imaginem-se uns ouvidos de cinco, de seis, de oito ou nove annos a beberem essa deploravel sciencia!

E não se diga que a creança não entende!

A creança tem o instincto da curiosidade desenvolvido n’um extraordinario grau!

A creança entende quasi tudo, e d’aquillo que não entende guarda a memoria até á edade em que o mysterio lhe seja naturalmente explicado.

Não levar nunca para um caminho mau a curiosidade de uma creança, deve ser um dos maiores cuidados da mãe.

Mas dir-me-hão: as pessoas crescidas conversam por força em mil assumptos melindrosos; se realmente as creanças percebem, como evitar que ouçam?

É n’isso positivamente que está o mal.

Na sala de uma senhora que tem filhos e que se compenetra absolutamente dos seus deveres de mãe, deve haver o maximo escrupulo na escolha das diversas conversações.

Assim como ha limpeza nas habitações, porque não haverá limpeza nos espiritos?

Não ha tantos assumptos attrahentes de conversação? Será absolutamente preciso dizer mal, murmurar, revelar indiscretamente mysterios alheios?

Não quer isto dizer que a humanidade se limite a um puritanismo de palavras, que degenerará por força em hypocrisia; mas entre esse excesso ridiculo e a liberdade absoluta que se usa diante das creanças, creio que ha um meio termo que seria facil de adoptar.

E depois, seja dito com toda a coragem: ou se é mãe no sentido completo e absoluto d’esta palavra ou se é mulher do mundo.

Ou nos havemos de consagrar á companhia dos nossos filhos, á sua educação, ao desenvolvimento gradual das suas delicadas faculdades, á vigilancia solicita das suas almas e dos seus corpos, ou havemos de dar aos tenros espiritos de quem somos guias, o deploravel espectaculo das fraquezas e dos defeitos que tanto lhes desejamos fazer evitar.

 

 

Na creanca do sexo feminino a tendencia que mais cedo se desenvolve é a vaidade.

A pequenita de tres annos já começa a ter orgulho e presumpção no seu vestidinho bordado, nas suas saias de folhos, no seu chapéu vistoso e garrido.

Todos se riem da gracinha.

— Meu anjinho! Como é presumida! Diz a mãe toda enlevada. E gaba-a muito. — Estás linda! a minha filha é muito bonita. Fica-lhe tão bem este vestido!

Mais tarde, d’ahi a quinze annos, quando a creancinha do outro tempo é um rapariga delambida, arrebicada, cheia de appetites luxuosos, de ambições extravagantes, sonhando com um noivo muito rico que lhe sacie todos os seus desejos de riqueza e de pomposa elegancia, quando os homens serios e honestos olham para ella com desdem, e no seu intimo a desprezam como uma boneca inutil e frivola, de quem é a culpa, digam-no sinceramente?

A culpa é de quem favoreceu, em vez de combater, esse pendor funesto, tão natural á mulher, e que só á custa de muita reflexão ella consegue vencer.

A culpa é da mãe, que teve orgulho dos defeitos da sua filha, em vez de lidar por transformal-os em virtudes.

A mulher é vaidosa? Pois bem! se não podemos destruir esse vicio organico, demos-lhe ao menos um rumo diverso do que elle leva.

Que, em vez de ter vaidade dos seus trapos e dos seus miseraveis arrebiques, ella tenha vaidade de ser boa, laboriosa, honesta, instruida e forte.

Façamos comprehender bem ao nosso anjinho de tres annos, que é bem mais difficil e glorioso ser docil do que ter um vestido novo; que é muito mais digno de louvor saber ler do que trazer um chapéu de plumas.

Isto não é mais do que indicar o caminho.

Não ha mãe cujo instincto a não advirta de que estamos fallando verdade.

 

 

Até a escolha da boneca é uma cousa importante!

Uma boneca esplendidamente vestida, de chapéu com flores, de luvas e cabellos d’ouro annellados, inspira um certo assombro, e depois uma certa inveja. Uma boneca de trapos, estupida, inerte e molle causa desdem e antipathia.

Oh! a primeira boneca! que jubilo supremo que ella não deu a todas nós! Comparavel á alegria da primeira boneca, só a alegria do primeiro filho!

É a mesma hesitação em lhe tocarmos com medo que ella se quebre! o mesmo susto! a mesma curiosidade! o mesmo enlevo! o mesmo espanto namorado e feliz!

A mãe intelligente comprehende e sabe aproveitar isto.

A boneca é como a aprendizagem da maternidade!

— Está nua, coitadinha, está nua a tua boneca, Lili. Que frio que ella deve ter! Que desconforto! Que pena de olhar para ti e de te vêr tão bem vestida e quente e confortavel. Senta-te aqui ao pé de mim, Lili, vamos nós fazer o fatinho da tua boneca!

E como o coração é que sempre domina e guia a mulher, eis o coração fazendo um milagre n’aquella mulhersinha de oito annos, que deixa de ser a traquinas, a turbulenta, a ociosa creaturinha, e que principia a conhecer as delicias do trabalho e os santos prazeres do sacrificio.

O sacrificio por uma boneca!

Sim, o sacrificio, e porque não?

Só quem não é mãe e quem nunca foi creança é que escarnecerá da expressão que empregamos.

Pois não sabem que essa primeira boneca, que se recolhe nua nos braços, e que se veste, que se calça, que se conchega, que se adormece entre beijos e affagos, é o primeiro sonho de um coração de mãe?

 

 

As amigas das nossas filhas!

Grave e momentoso assumpto, não raro descurado e de cujo esquecimento ou de cujo desleixo resultam ás vezes damnos irremediaveis.

No collegio é que se travam quasi sempre as primeiras amizades. Ora, nós para as meninas desadoramos o collegio.

Por muito bom que elle seja, achamol-o sempre pessimo.

Quem é que nos responde pela boa escolha de relações que alli adquirem nossas filhas?

Quem nos diz que essas creanças todas que alli se reunem, e que entre si trocam as mais intimas e minuciosas confidencias, só viram bons exemplos, só conhecem quadros de santa e impeccavel moralidade?

Pois nenhuma d’ellas trará comsigo aquella funesta curiosidade, que perdeu a nossa primeira mãe?

Todas são innocentes, todas ignoram da vida o que ella tem de baixo ou de corrosivo?

Quem nos affirma que ellas saberão ser boas e honestas companheiras, que não lançarão com uma palavra imprudente um germen venenoso, que não corromperão com precoce perversidade o espirito da creança innocente, que n’ellas se confiar?

As amigas das nossas filhas são aquellas de quem logo depois de nós depende a pureza, a candura, a innocencia d’ellas!

É de uma grave imprudencia acceitar para uma filha nossa, sem escolha e sem criterio, a companhia de outra creança.

Cumpre conhecer bem a mãe, a educação que ella dá aos seus filhos, o modo porque vivem, o caracter, a moralidade d’essa familia.

E que as mães, n’este ponto, se não prendam com preoccupações de banal delicadeza. Primeiro que tudo está o futuro das suas filhas.

Se a educação de um rapaz é já difficilima, que será a educação de uma menina?

Quantos perigos a evitar, quantos obstaculos a temer, quantas contrariedades em meio do caminho!

Que a mãe procure ser a melhor amiga de sua filha, e que esta não receie confiar-lhe nem os seus pequeninos segredos infantis, nem as mysteriosas comoções da sua alma adolescente.

N’esta deploravel educação que hoje se dá e se recebe, a primeira cousa de que os filhos tratam é de enganar os paes.

De que provém isto? Da mal entendida severidade d’estes.

A indulgencia para as primeiras travessuras prepara naturalmente a creança para se confiar sem medo ao coração que a sabe entender e lhe sabe perdoar.

Mas é muito delicado este ponto da missão maternal.

Se o excesso da severidade cria a desconfiança e a mentira, o excesso da indulgencia cria o cynismo e a desvergonha.

Que difficil não é para um espirito de mãe saber ao mesmo tempo attrahir a confiança e impôr o respeito!

Levar o filho que peccou a confessar a culpa, não por ter a certeza de que será facilmente perdoado, mas por lhe exigir a consciencia que não esconda o seu delicto aos olhos d’aquella que sabe com mão delicada e firme repôr no caminho direito o ente fragil que se transviou.

No dia em que a mãe tiver alcançado do coração de sua filha ou de seu filho esta singular conquista de veneração e de amor, póde sentir-se tranquilla e satisfeita, póde sem medo responder pelo futuro.

 

 

Para concluirmos este capitulo que, talvez por muito incorrectamente desenvolvido enfastiasse as leitoras, sem lograr a ventura de as convencer, damos em seguida o fragmento de uma carta, que por circumstancias que seria inutil referir, ha pouco tempo chegou ás nossas mãos.

Como verão, pertence esse trecho a uma carta que na vespera do seu casamento foi dirigida á sua filha por uma extremosa mãe.

Explica muito melhor do que nós o podemos fazer o triumpho de um bom coração maternal.

«Não tive animo de te dizer todas estas cousas frente a frente.

Tive medo de chorar, e tu sabes, meu anjo, que detésto acima de tudo os enternecimentos intempestivos.

Depois, teria pejo, eu, tua mãe, eu que julgo ter concorrido pelos cuidados de toda a vida para o excellente exito da minha obra — quer dizer, da tua educação — teria pejo de te encher de louvores que embora justos, recahiriam um pouco sobre mim.

Sabes que eu nunca te deixei, que por amor de ti renunciei, e de muito boa vontade, á companhia dos indifferentes e dos frivolos, que só viriam destruir ou modificar o effeito de todos os meus esforços, tão santamente abençoados por Deus!

Com que saudades eu me lembro dos serões de outro tempo, em que tu já serena, grave e modesta como és hoje, lias ao pé de mim, emquanto os nossos bons e velhos amigos conversavam em cousas sãs, em cousas simples, das que não podem ferir os ouvidos de uma menina!

Não te aconselho que renuncies ao mundo por amor dos anjinhos que virão de certo abençoar e consagrar o teu casamento; mas peço-te que sejas escrupulosa como eu sempre fui na escolha d’aquelles que admittires na sagrada intimidade do teu lar.

Procurei sempre evitar em ti todos os excessos, mesmo os excessos bons. Não te quiz beata, nem espirito forte; não desejei que fosses uma metaphysica, nem um entendimento demasiadamente positivo, nem mulher só de sala, nem mulher exclusivamente do ménage.

O ideal, minha filha, é que de tudo se saiba ser um pouco.

Gostarei que recebas com graça senhoril na tua saleta de todos os dias, artistica e confortavel, mas não desejarei menos que saibas ensinar a tua cozinheira, fazer o rol da tua roupa, concertar o fato de teus filhos, e economisar sem mesquinhez e gastar sem avareza.

Não quiz nunca que tivesses outra amiga, e creio ter feito bem.

Se foi egoismo, Deus não me castigou por elle, porque devi a essa precaução, por ventura excessiva, ter tido a deliciosa confidencia das tuas primeiras alegrias e dos teus primeiros sonhos.

Ámanhã já não serás minha, querido encanto; nem já serão os meus beijos os unicos que a tua pura testa de vinte annos receberá! Mas n’esta saudade dilacerante que me punge, quantas compensações supremas eu não encontro!

Entrego-te ao teu noivo, tão candida, tão ignorante do mal como deviam ser todas as creanças da tua edade, que tivessem mãe, que só n’ellas pensasse e só por ellas vivesse!

Nunca ouviste pronunciar uma palavra grosseira, nunca ouviste applaudir um acto injusto, nunca se abaixaram os teus olhos seraphicos a um espectaculo ignobil.

Eu fui sempre a tua fiel companheira; e, como as vestaes velavam o fogo sagrado, velei eu pela tua immaculada innocencia!

De que ventura se privam as que preferem o mundo aos seus filhos!

Ignoram as alegrias profundas de ser mãe, como eu fui, como tu serás, minha joia!

Não ha na tua alma um pensamento, uma idéa, uma saudade, que eu não conheça, e se ámanhã quizer folhear diante de teu marido o livro radioso da tua infancia e da tua adolescencia, não haveria n’elle uma só pagina que eu lhe não podesse repetir de cór.

Respondo pelo passado e respondo pelo futuro. Basta-me essa gloria para me consolar de todas as minhas saudades! É bem pezada n’este mundo a cruz das boas mães, mas não te esqueças nunca, minha filha, que mesmo n’esta hora de tantas lagrimas, eu confesso bem alto, não ha rosas mais frescas, mais puras e mais orvalhadas do que as rosas que enfloram e entrelaçam essa cruz!

Só d’aqui a muitos annos comprehenderás a angustia com que te digo — adeus!

Então, sei que has de chorar por mim!»