Mulheres illustres do Brazil/Carta á leitora
CARTA Á LEITORA
No principio soberano de todas as nações cultas, a alma da mulher é o maior alcance das bazes sociaes. Vemos nella a bençam divina que a glorifica como mãe e cuja veracidade acha-se comprovada desde os mais remotos tempos.
Os primeiros talentos têm-lhe dedicado as suas mais bellas estrophes, os seus mais suaves ideaes, em razão da sua propria fraqueza, provir a sua maior força.
Qual o grande centro que agita o seio das nações, ella é ainda a natural baliza da humanidade e tanto que, todos os povos se orgulham em nomeiar aquellas que honram a patria e o logar onde nasceram.
A historia ahi está. Pelo assumpto e pela fórma, o Pantheon podia ser um ramalhete de flores perante a historia; mas a auctora, obedecendo a tendencia do seu tempo, preferio biographar heroinas a fazer a apotheose do bello sexo.
Entretanto, a magnifica collecçãoémenos uma galeria de retratos do que uma adoravel clientela, defendida por advogado de ordem superior.
Expliquemo-nos: as Mulheres Illustres do Brasil são modelos de distincção e virtude, e para que se inuponham á sympathia e imitação, para que sirvam de licção e exemplo, basta a leitura do presente livro pelos, delicados espi ritos. aos quaes é dedicado. 0 que é preciso, é não exagerar as proporções do quadro para não perder-se o trabalho, que vae transformando o antigo deserto em delicioso horto.
O homem e a mulher são seres que se completam, são elementos que entram para a formação deste ser superior, que constitue o par.
Mas apezar do que elles têm de commum, possuem caracteres particulares, que constituem as faces diversas da psyché masculina e feminina. Assim, o espirito da mulher caminha do geral para o particular, da especie para o individuo; o espirito do homem segue marcha opposta, parte da differença para a semelhança, da multiplicidade para a unidade.
Segundo Miramont, não ha n’esta diversidade de aspectos antagonismo; mas antes collaboração, da mesma sorte que não ha opposição entre a sciencia e a natureza, posto que marchem em sentido inverso, esta multiplicando, e aquella simplificando sempre.
Mas se existe distincção entre o espirito do homem e o da mulher, a conclusão é que ambos não pódem receber a mesma educação.
A um espirito, que procede por analogia, por generalisação, por synthese, não pódem ser ensinadas as mesmas materias, que a um espirito, que procede por individualisação, por differenciação, por analyse. A organisação da mulher, vindo mais de perto, e a do homem mais de longe, como faces distinctas do espirito humano, seguem caminhos distinctos, e n’este sentido é que deve ser dirigida a educação de um e de outro sexo.
Não combatemos a educação superior da mulher sob o brutal motivo de inferioridade intellectual; pelo contrario, n’este assumpto, estamos de perfeito, accordo com Bernard, quando escreve: «A maior parte das objecções, que a principio foram feitas, quando se propoz estender ás mulheres as vantagens do ensino superior, eram puramente especulativas; não éram fundadas senão sobre hypotheses, e os resultados irrefutaveis da experiencia vieram desmentil-as.»
O que dizemos é que, de accordo com as propriedades diversas da psyché masculina e feminina, devem ser applicados os programmas e methodos de ensino. É preciso que a educação da mulher corresponda ao seu triplice destino de irmã; esposa e mãe.
Sem uma cultura accommodada à sua organisação mental, a mulher não será «a pedra angular da ordem e do progresso», de que fala Mismer,
Em materia de educação, têm predominado até hoje dous erros tão oppostos, quão fecundos em funestas consequencias: o primeiro consiste om equiparar o espirito do homem ao da mulher, eem pretender dar-lhes uma identica instrucção, como se ambos os sexos possuissem a mesma disposição mental; o segundo está em considerar a mulher um ser inferior ao homem e em conserval-a systhematicamente em requintada ignorancia.
A verdade, porém, é que existe um elemento feminino para a intelligencia, como existe um elemento masculino para o sentimento, devendo cada um d’elles receber cultura accommodada á sua natureza.
É preciso estudar o mundo moral, fazer a histologia da alma, a psychologia dos sexos, distinguir o que é masculino do que é feminino, para determinar a educação, que deve ser dada especialmente a cada um dos sexos.
Existe uma psychologia das raças, uma psychologia das multidões, resta fazer a psychologia dos sexos.
Em um curioso trabalho, intitulado: — A psychologia dos sexos e seus fundamentos physiologicos. Fouillée procurou determinar a constituição mental dos sexos; mas fel-o tirando das propriedades physico-chimicas dos germens, nas especies inferiores, precipitadas conclusões psychicas e sociaes para o homem e para a mulher. Assim, escreve o brilhante psychologo:
«A independencia é o proprio do sexo e. do elemento masculino; a solidariedade pertence ao sexo e ao elemento feminino.»
Um ou outro psalmo entoado a esta ou aquella excellencia feminina não exclue o conceito geral — a mulher creadora do ninho, do lar domestico.
«O papel e as occupações sociaes do homem, diz ainda Fouillée, exigem uma força de intelligencia, um vigor de espirito scientifico, que não são necessarios á mulher, que poderiam mesmo ser-lhe prejudiciaes na realisação de suas verdadeiras funcções.».
Fouillée considera cada um dos sexos tendo uma natureza estavel, sempre identica a si mesma.
Basta, porém, lançar um golpe de vista sobre os achados da Biologia para comprehender que não se pode partir dos phenomenos da fecundação, grosseiramente observados, e das manifestações mentaes do actual par humano, filhas de circumstancias provisorias, para se concluir que a mulher foi feita para procrear, para conservar a especie, e não para crear, para produzir na ordem moral e intellectual.
A Biologia ahi está a ensinar que o ovo não tem um sexo predeterminado, que o ovo varia de condição conforme as circumstancias de fecundação, de temperatura, de nutrimento. Sabe-se que nos casos, em que o ovo pode desenvolver-se parthenogeneticamente, elle varia de sexo segundo é ou não fecundado. Entre outros mu casos basta cita o das abelhas, em que o ovo não fecundado produz sempre o macho, caso interessantissimo, que dá claramente a entender que um individuo póde independentemente de sexuação transmittir a seus productos o sexo ou qualidades de sexo, que não possue.
Os trabalhos de Siebold, de Treat, de Born, de Yung provam que o calor e o nutrimento determinam o sexo entre os ovos. No genero Hydatina Maupas produzio á vontade machos ou femeas, elevando ou abaixando a temperatura.
O sexo não é, portanto, hereditario nem predeterminado, o que importa dizer que elle não tem uma natureza estavel, permanente, immutavel, sempre a mesma, quaesquer que sejam as condições de tempo e de logar.
O presente livro visa, por meio de uma excellente licção de cousas», arrancar a mulher da submissão, do receio e da timidez, em que até hoje tem vivido; tende a despertar-lhe o sentimento da autonomia, a consciencia do proprio valor.
A psychologia moderna demonstrou que toda ideia é um começo de acto, e, sendo assim, convem inspirar a mulher a ideia de que a sua missão não é somente conservar a especie, mas tambem desenvolver o genio da Humanidade.
Esta ideia, por si só, segundo a theoria das ideias forças, do proprio Fouillée, não terá o poder magico de arrancar a mulher da condição inferior, em que até hoje tem vivido?
Arthur Orlando.