Não é mel para boca de asno/VI
Quinze dias depois da volta de Hortênsia, o jovem advogado encontrou Azevedo, e perguntou-lhe notícias da família.
— Todos estão bons. Hortênsia, compreende, está triste, com a notícia daquele fato. Pobre menina! mas há de consolar-se. Apareça, doutor. Está mal conosco?
— Mal por quê?
— Então não nos abandone; apareça. Vai lá hoje?
— Talvez.
— Vá; lá o esperamos.
Meneses não queria ir; mas a retirada absoluta era impossível. Mais tarde ou mais cedo era obrigado àquela visita; foi.
Hortênsia estava divinamente pálida.
Meneses, contemplando aquela figura de martírio, sentiu que mais do que nunca a amava. Aquela dor causava-lhe ciúmes. Doía-lhe que aqueles olhos vertessem lágrimas por outro, e por outro que as não merecia.
— Há ali, pensava ele consigo, há ali um grande coração, que torna um homem feliz só em palpitar por ele.
Meneses retirou-se às onze horas da noite para casa. Sentia que o mesmo fogo de outrora ainda lhe ardia dentro do peito. Estava um pouco coberto, mas não extinto; a presença da moça reavivou a chama.
— Mas que posso esperar? dizia Meneses entrando em casa. Ela sofre, é que o ama; aqueles amores não se esquecem facilmente. Sejamos fortes.
O protesto era sincero; mas a execução era difícil.
Meneses continuou a freqüentar a casa de Azevedo.
Pouco a pouco, Hortênsia adquiria as antigas cores, e posto que não tivesse a mesma alegria de outro tempo, o olhar apresentava uma serenidade de bom agouro.
O pai tornava-se contente de ver aquela transformação.
Entretanto, Meneses escrevera a Marques uma carta de exprobração; dizia-lhe que o seu procedimento não era somente cruel, mas até feio, e procurava chamá-lo à corte.
A resposta de Marques foi a seguinte:
Meu Meneses,
Eu não sou herói de romance, nem tenho vontade disso.
Sou um homem de resoluções súbitas.
Cuidei que não amava a ninguém mais senão a essa bela Hortênsia; mas enganei-me; encontrei Sofia, a quem me entreguei em corpo e alma.
Isto não quer dizer que eu não abandone Sofia; estou mesmo a ver que me prendo nos laços de alguma destas argentinas, que são as andaluzas da América.
Variar é viver. São dois verbos que começam por v: profunda lição que nos dá a natureza e a gramática.
Penso, logo existo, dizia creio que o Descartes.
E vario, logo existo, digo eu.
Não te importes, portanto, comigo.
O pior é que Sofia já me tem comido umas boas centenas de pesos. Que estômago, meu caro!
Até um dia.
Esta carta era eloqüente.
Meneses não respondeu; guardou-a simplesmente, e lastimou que a pobre moça tivesse posto em tão indignas mãos o seu coração de vinte anos.