Não me espanto, que você

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1Não me espanto, que você,
meu Padre, e meu camarada,
me desse a sua cornada
sendo rês de Marapé:
mas o que lhe lembro, é,
que se acaso a carapuça
da sátira se lhe aguça,
e na testa se ajustou,
a chuçada eu não lhe dou,
você se meta na chuça.
  
2E se por estes respeitos
diz, que versos não farei
à pedrada, que eu levei
quando fazia os meus feitos:
agora os dará por feitos,
pois eu de boga arrancada
a uma, e outra pedrada
os faço, à que levei já,
e à que agora você dá,
que é inda maior pedrada.
  
3Era pelo alto serão,
fazia um luar tremendo,
quando eu estava fazendo
ou câmara, ou vereação:
não sei, que notícia então
teve um Moço, um boa-peça,
pôs-se à janela com pressa
tão sem propósito algum,
que quis ter comigo um
quebradeiro de cabeça.
  
4Cum torrão na mão se apresta,
e tirando-o com seu momo
me fez o memento homo,
pondo-me a terra na testa:
fez-me uma pequena fresta,
de que arto Sangue corria,
mas eu disse, quem seria
um Médico tão sem lei,
que primeiro me purguei,
do que levasse a sangria.
  
5Ergui-me com pressa tanta,
que um amigo me gritou,
inda agora se purgou,
tão depressa se levanta?
Sim, Senhor, de que se espanta?
Se este Médico, este tramposo
é médico tão forçoso,
que faz levantar num dia
depois de curso, e sangria
ao doente mais mimoso.
  
6Este caso, e desventura
foi na verdade, contado,
e sendo eu por mim curado,
o Moço me deu a cura:
com uma, e outra brabura
jurei, e prometi, que
lhe daria um pontapé:
mas o Moço acautelado
me deixou calamocado
para servir a você.