No limiar (1864)
Cahia a tarde. Do infeliz á porta,
Onde mofino arbusto aparecia
De tronco secco e de folhagem morta,
Elle que entrava e Ella que sabia
Um instante pararam; um instante
Ella escutou o que Elle lhe dizia;
— «Que fizeste? Teu gesto insinuante
Que lhe ensinou? Que fé lhe entrou no peito
Ao mago som da tua voz amante?
«Quando lhe ia o temporal desfeito
De que raio de sol o mantiveste?
E de que flores lhe forraste o leito?»-
Ella, volvendo o olhar brando e celeste,
Disse: — «Varre-lhe a alma desolada,
Que nem um ramo, uma só flor lhe restel
«Torna-lhe, em vez da paz abençoada,
Uma vida de dôr e de miseria,
Uma morte continua e angustiada.
«Essa é a tua missão torva e funerea.
Eu procurei no lar do infortunado
Dos meus olhos verter-lhe a luz etherea.
«Busquei fazer-lhe um leito semeado
De rosas festivaes, onde tivesse
Um somno sem tortura nem cuidado.
«E porque o céu que mais se lhe ennegrece,
Tivesse algum reflexo de ventura
Onde o cançado olhar espairecesse,
«Uma restea de luz suave e pura
Fiz-lhe descer á erma phantasia,
De mel ungi-lhe o calix da amargura.
«Foi tudo vão, — foi tudo van porfia,
A ventura não veio. A tua hora
Chega na hora que termina o dia.
«Entra» — E o virgineo rosto que descóra
Nas mãos esconde. Nuvens que correram
Cobrem o céo que o sol já mal colora.
Ambos, com um olhar se comprehenderam.
Um penetrou no lar com passo ufano;
Outra tomou por um desvio. Eram:
Ella a Esperança, Elle o Desengano.