O Fim do Mundo/II
O meu primeiro pensamento foi organisar uma companhia que tivesse por fim fazer construir uma estrada de ferro para o mundo da lua; mas
abandonei esse projecto porque com a noticia da nova empreza poderia o banco do Brazil lembrar-se de elevar ainda mais a taxa de juros, e tinhamos o diabo na praça, ainda antes de apparecer o cometa.
Meditei depois sobre a construcção de uma segunda torre de Babel, pela qual pudesse eu subir aos planetas e esconder-me no seio de Venus, ou pelo menos em uma das azas do caducêo de Mercurio : não me faltavão materiâes para a obra; porque a torre de Babel é torre de confusão, e eu podia consequentemente arranjar muito bons architectos no corpo legislativo ; mas tive também de rejeitar esta idéa, considerando que, publicada ella, encontraria eu logo algum outro pretendente competidor, e dava-se então um caso de duplicata, em que não é de regra que o bom direito seja attendido.
Tornei a pensar, a reflectir, a combinar, e dei emfim o meu salto de alegria, e mesmo de casaca e de gravata ao pescoço (porque isto succedeu exactamente á hora de ensaio no theatro de S. Pedro de Alcantara, portanto sem estar em menores, ou nusinho em pello, como Archimedes, soltei o meu brado enthusiastico: Eureka!
Guardei muito em segredo o meu projecto, e esperei ancioso pelo dia 13 de Junho, e para que não me faltassem recursos pecuniários para a minha longa viagem, fiz o meu beneficio no theatro de S. Pedro na noite de 9 de Junho isto é, 4 dias antes do cometa.
E fiquei esperando.