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O Mambembe/II

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Quadro 5

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Praça numa cidade do interior. À esquerda, grande árvore e à direita, um sobrado de duas janelas, onde mora o coronel Pantaleão.

CENA I

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DONA RITA, LAUDELINA, EDUARDO, VILARES, MARGARIDA,

FLORÊNCIO, COUTINHO, VIEIRA, artistas, pessoas do povo (Ao levantar o pano, os artistas e as pessoas do povo formam dois grupos distintos; aqueles à esquerda, debaixo da árvore, e estes à direita, fundos. As bagagens da Companhia Frazão, caixões, malas, sacos de viagem, pacotes etc., estão debaixo da árvore. Os artistas estão uns sentados nas malas, outros de pé e ainda outros deitados, parecendo todos fatigados por uma viagem penosa. Dona Rita dorme a sono solto, sentada numa das malas, e Vieira também sentado e um pouco afastado dos companheiros, lê uma carta, sempre com o seu ar fúnebre. As pessoas do povo examinam os artistas de longe, curiosamente, mas como receosos de se aproximarem deles.)

Coro das pessoas do povo

Aquela gente, de surpresa
Aqui na terra amanheceu!
E ninguém sabe com certeza
Como foi que ela apareceu!

CORO — São ciganos!

OUTROS — São artistas!

UNS — São ciganos!

OUTROS — Não insistas!

UNS — São ciganos!

OUTROS — Não há tal!

Com certeza é pessoal

Teatral!

CORO — Com certeza é pessoal

Teatral!

OS ARTISTAS (Entre si.)

— Aquela gente não se aproxima...

Falar deseja, mas não se anima.

Está decerto desconfiada

De que nós somos ladrões de estrada,

E de que temos, talvez, vontade

De saquear-lhes toda a cidade!


Junção dos dois Coros

Aquela gente, de surpresa etc.

Aquela gente não se aproxima... etc.

LAUDELINA — Como estão desconfiados!

EDUARDO — Que olhares nos lançam!

FLORÊNCIO — Demo-nos a conhecer.

VILARES — Sim, porque do contrário são capazes de nos correr a pedrada!

MARGARIDA (A Eduardo.) — Tu, que és o nosso orador oficial, vai ter com eles.

EDUARDO — Dizes bem. Vou dirigir-lhes a palavra!

(Encaminhando-se para as pessoas do povo.) Meus senhores... (Vendo Eduardo aproximar-se, as pessoas do povo soltam um grito estridente, e fogem por todos os lados. Só ficam em cena os artistas que, à exceção de Vieira, riem às gargalhadas.) Bonito! Fugiram todos!

VILARES — Estamos arranjadinhos... Aqui o público foge dos artistas!

COUTINHO — Eu bem disse que não viéssemos cá... que era uma asneira!

MARGARIDA — Mas que lembrança do Frazão! Vir a uma cidade que ele não conhecia e onde não conhecia ninguém!

FLORÊNCIO — Sem trazer sequer uma carta de recomendação!

EDUARDO — Nem dinheiro!

LAUDELINA (A Eduardo.) — Olhe, dindinha adormeceu...

EDUARDO — Pudera! Com esta viagem de três dias!

LAUDELINA — Se ainda fosse em trem de ferro, mas em carros de boi!

VILARES — E em burros!

FLORÊNCIO (Olhando para dona Rita.) — Pudesse eu fazer o mesmo! Se apanho uma cama, há de me parecer um sonho! (Vieira soluça forte.)

TODOS (Voltando-se.) — Que é isto?

VILARES — É o Vieira, que chora! Recebeu há cinco dias aquela carta da família, e tantas vezes a tem lido que já deve sabê-la de cor e salteada!

FLORÊNCIO — Assim decorasse ele os seus papéis!

VIEIRA (Como para si.) — Meus pobres filhos!

MARGARIDA — Estão doentes? (Aproxima-se dele)

VIEIRA — Não; mas estão longe, muito longe!

EDUARDO — Vê, dona Laudelina, em que deu a sua loucura? Que triste desilusão! Durante o primeiro mês a coisa não foi mal, mas daí por diante tem sido o diabo. Estavam-nos reservadas todas as contrariedades.

VILARES — Todas? Falas assim porque és marinheiro de primeira viagem. Pelo menos o nosso empresário até hoje nos tem pago em dia...

FLORÊNCIO — Pois sim, mas durante as viagens suspende os ordenados!

COUTINHO — E como levamos todo o tempo a viajar...

VIEIRA (Fúnebre.) — É com dificuldade que se manda algum socorro à família.

MARGARIDA — Outro que não fosse o Frazão já nos teria abandonado. Isso é que é verdade!

VILARES — O caso é que temos vivido... e que ele pouco deve. O seu primeiro cuidado foi mandar pagar no Rio os três contos que pediu emprestados.

COUTINHO — Fez mal em pagar tão depressa: ficou sem fundo de reserva.

FLORÊNCIO — Qual ficou, qual nada! Pois vocês acreditam que o Frazão não tenha dinheiro?

TODOS (Protestando.) — Não! Isso não! Oh!...

FLORÊNCIO — Ora! Querem vocês conhecê-lo melhor do que eu! Aquele sabe viver!

MARGARIDA — És muito má língua! O que vale é que ninguém faz caso do que tu dizes.

FLORÊNCIO — Bem fez o Lopes: quando viu que a coisa desandava, rodou, e por aqui é o caminho.

LAUDELINA — Perdão, senhor Florêncio, não foi por isso que o senhor Lopes se retirou.

EDUARDO — Foi porque ficou enciumado comigo, e disse que a companhia não precisava de dois galãs dramáticos.

VILARES — Pudera! Se dona Laudelina não queria representar senão contigo!

LAUDELINA — Porque o senhor Lopes não era sério... fazia muito ao vivo os seus papéis...

COUTINHO — É um artista consciencioso.

DONA RITA (Que abriu os olhos.) — Pois sim, mas não precisava beijar ela quando a peça não mandava! (Risos.)

MARGARIDA — Ah, isso é costume antigo do Lopes. Foi assim que começaram os nossos amores... e foi por isso que o deixei, porque, depois de estar comigo, entendeu que devia continuar a fazer o mesmo com as outras... Todas as vezes que entrava para a companhia uma atriz nova e bonita, ele abusava dos beijos!

LAUDELINA — E dos abraços! E dos apertos de mão!

DONA RITA (Erguendo-se.) — Eu cá é que nunca imaginei representar senão em sociedades particulares, onde os beijos são suprimidos. O artigo 17 dos estatutos do Grêmio Dramático Familiar de Catumbi diz o seguinte: “É proibido aos amadores beijar as amadoras em cena, a menos que para isso estejam autorizados por quem de direito.”

EDUARDO — Mas o Frazão teve a habilidade de convencê-la de que a senhora devia substituir a Engrácia!

FLORÊNCIO — Substituir é um modo de dizer, meu caro amigo... uma amadora não substitui uma artista...

DONA RITA — Ora quem sabe! Talvez o senhor se julgue insubst... insubst...

TODOS — Insubstituível.

DONA RITA — Quem sabe? Pois agradeçam à Providência haver à mão uma amadora, porque, se assim não fosse, muitas peças ficavam desmontadas!

VILARES — Tem razão, dona Rita: com peças desmontadas não se faz fogo! (Risadas.)

FLORÊNCIO — Mas o Frazão, o Frazão, que não volta!

COUTINHO — Há uma hora que foi procurar um hotel... e deixou-nos acampados aqui, como um bando de ciganos.

FLORÊNCIO — Sabe Deus se não passou as palhetas!

TODOS (Protestando.) — Oh!

FLORÊNCIO — Vocês não o conhecem, como eu!

MARGARIDA — Cala a boca, má língua! Ali vem ele!

TODOS — Ah! (Erguem-se todos os artistas que estavam sentados ou deitados. Frazão entra do fundo, à direita, com as mãos nas algibeiras, o chapéu deitado para trás e fisionomia contrariada.)

CENA II

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OS MESMOS, FRAZÃO

ARTISTAS — Então? Arranjou um hotel? (Frazão passeia de um lado para outro, sem responder.) Então? Fale! Responda! (Mesmo jogo de cena.) Vamos! diga alguma coisa!

FRAZÃO (Parando.) — Sebo!

OS ARTISTAS — Hein?

FRAZÃO — Sebo! Três vezes sebo! (Pausa. Ansiedade geral.) Há, nesta próspera e florescente cidade de Tocos, um hotel... um único... o Hotel dos Viajantes...

LAUDELINA — Então estamos bem.

FRAZÃO — Bem mal. O dono do hotel diz que não tem lugar nem comida para tanta gente.

DONA RITA — Mas ao menos eu e minha afilhada, que somos as principais figuras da companhia...

VILARES — Protesto!

MARGARIDA — Olhem a velha!

(Ao mesmo tempo.) FLORÊNCIO — Aqui não há primeiras figuras!

COUTINHO — Toleirona!

OUTROS ARTISTAS—Isso é que não! Alto lá!...

FRAZÃO — Desculpem-na. Dona Rita não tem ainda bastante prática do ofício... não sabe guardar as conveniências.

VIEIRA (Num tom fúnebre.) — A primeira figura da companhia, modéstia à parte, e sem ofender os colegas, sou eu.

FRAZÃO — Tem razão, Vieira. Pelo menos, depois de mim, és o que mais agrada.

VIEIRA (No mesmo tom.) — Quando estou em cena, o público torce-se de riso...

DONA RITA — Por isso, aquele crítico de Uberaba disse que o senhor tinha muita noz-vômica.

FRAZÃO — Que noz-vômica! Vis comicas! (Risadas.)

VILARES — Mas vamos ao que serve... o hotel? Quantos cabemos lá?

FRAZÃO — Nenhum, porque o homem diz que não fia.

EDUARDO — Por quê?

FRAZÃO — A última companhia que aqui esteve pregou-lhe um calo de quatrocentos e oitenta e sete mil, e duzentos réis.

LAUDELINA — Como o senhor decorou a quantia!

FRAZÃO — Pelo hábito de decorar os papéis. Fiz-lhe ver que havia muita diferença entre um empresário da minha categoria e o Chico dos Tiros, que aqui esteve; mas todo o meu talento, toda a minha eloqüência, todos os meus esforços foram vãos!

TODOS — Oh!

VILARES — Insiste-se.

FRAZÃO — Não há que insistir. O dono do Hotel dos Viajantes é um antigo colega nosso.

TODOS — Sim? Um ator?

FRAZÃO — Um ator muito ordinário. Veio há muitos anos para esta cidade com um mambembe que aqui se dissolveu. Diz ele que conhece a classe. Respondi-lhe com uma descompostura daquelas... vocês sabem!... e contive-me para não lhe quebrar a focinheira!

FLORÊNCIO — Que grande patife! Não saiamos daqui sem lhe dar uma lição!

TODOS — Apoiado!

FRAZÃO (Levando o dedo polegar à testa.) — Tenho uma idéia!

TODOS — Uma idéia! Qual?

FRAZÃO — Onde dormimos nós esse três dias que levamos do Tinguá até aqui?

LAUDELINA — Nos carros que nos trouxeram.

FRAZÃO — Pois bem, hospedemo-nos neles, até acharmos casa.

EDUARDO — Pois o senhor não viu que mal nos apeamos dos burros e as senhoras desceram dos carros, tudo voltou para o Tinguá?

VILARES — Só ficou o carreiro para receber nestes três dias os duzentos mil-réis da condução.

FRAZÃO—É isso, é (Com um repente, elevando a voz e erguendo as mãos para o céu.) Manes de Téspis e de Molière! Alma do defunto Cabral, o maior mambembeiro de que há notícia nos fastos da arte nacional, inspirai-me nesta situação tremenda!... (A Vilares, indicando-lhe uma rua.) Ó Vilares, vai tu com a Margarida por esta rua fora, e façam o possível por descobrir alguma coisa.

VILARES — Está dito! (A Margarida.) Nem que seja só para nós.

FRAZÃO — O ponto de reunião é nesta praça, daqui a uma hora.

MARGARIDA — Vamos cavar. (Sai com Vilares.)

FRAZÃO — Florêncio, vai com a Marcelina por esta outra rua.

FLORÊNCIO — Por que com a Marcelina?

FRAZÃO — Para parecer gente casada... Oh, eu sei o que são estes lugares!...

FLORÊNCIO — Vamos lá! (Sai com uma das coristas.)

FRAZÃO — Coutinho, embica por acolá, e leva contigo a Josefina.

COUTINHO — Anda daí! Olha que vais passar por minha mulher! Vê lá como te portas! (Saem.)

FRAZÃO — Tu, Vieira...

VIEIRA — Deixa-me. Vou informar-me onde é o cemitério e passar lá uma hora... apraz-me o silêncio dos túmulos. (Sai.)

FRAZÃO (Contemplando-o enquanto ele vai saindo.) — Quem será capaz de dizer que ali vai o rei da gargalhada? (Distribuindo outros atores e atrizes.) Vocês por aqui, vocês por ali... (A um ator velho.) Tu, meu velho, ficas tomando conta da bagagem. (Têm saído todos menos Frazão, dona Rita, Laudelina, Eduardo e o ator velho.) Eu e dona Rita vamos por este lado. O Eduardo e a Laudelina por aquele...

DONA RITA — Não. O melhor é seu Eduardo ir com o senhor, e eu com Laudelina.

LAUDELINA — Ó dindinha! É para parecermos todos casados!

DONA RITA — Nesse caso, vai com seu Frazão e eu vou com seu Eduardo.

FRAZÃO — Como eu disse está bem! Que receia a senhora? Pois se não temos casa, quanto mais quartos!

DONA RITA — Enfim... (Sai com Frazão.)

EDUARDO (Á parte.) — Passar por marido dela! Que ironia da sorte! (Sai com Laudelina.)

CENA III

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IRINEU, o VELHO ATOR, sentado numa das malas, depois PANTALEÃO

IRINEU (Entrando da direita alta, estacando diante das bagagens.) — Que é isto? Ah! Já sei... é a bagagem da companhia dramática chegada hoje do Tinguá! (Ao Velho Ator.) Não é? (Sinal afirmativo do Velho Ator.) Eu vinha justamente dar esta grande novidade ao coronel Pantaleão. (Indo bater à porta de Pantaleão.) Coronel! Coronel! Na sua qualidade de dramaturgo, ele vai ficar contentíssimo com a notícia!

PANTALEÃO (Aparecendo à janela do sobrado em mangas de camisa.) — Quem é? Ah! É você, capitão?

IRINEU — Em primeiro lugar, cumprimento a Vossa Senhoria por ser hoje o dia do seu aniversário natalício, e colher mais uma flor no jardim da sua preciosa existência.

PANTALEÃO — Muito obrigado!

IRINEU — Em segundo lugar, dou-lhe uma notícia, uma grande notícia que interessa a Vossa Senhoria, não só como ilustre presidente da Câmara Municipal de Tocos, mas também, e principalmente, como dramaturgo!

PANTALEÃO — Ah, sim? Qual é?...

IRINEU — Chegou esta manhã, há uma hora, uma companhia dramática!

PANTALEÃO — Uma companhia dramática! Que está dizendo?

IRINEU — Para a prova aqui estão as bagagens. (Lendo o letreiro de uma caixa.) “Companhia Frazão.”

PANTALEÃO — Frazão? Será o célebre, o popularíssimo Frazão?

IRINEU — Deve ser. Não creio que haja dois Frazões.

PANTALEÃO — Vou vestir o rodaque e desço já! (Saindo da janela.) Ó dona Bertolesa!

IRINEU — Ficou entusiasmado! Já não quer saber de outra coisa! O teatro é a sua cachaça! Quem não deve gostar é dona Bertolesa, que tem muitos ciúmes das cômicas.

PANTALEÃO (Saindo de casa a vestir o rodaque.) — Ora muito me diz! Uma companhia dramática! (Vai examinar as bagagens e cumprimenta o Velho Ator.) O senhor é o célebre Frazão?

VELHO ATOR — Ai, não, senhor, quem me dera!

PANTALEÃO — Mas é artista?

VELHO ATOR — Sim, senhor, do pano do fundo... só faço pontas.

PANTALEÃO (A Irineu.) — Diz que só faz pontas. Esta linguagem teatral é incompreensível!

IRINEU — Já sei que Vossa Senhoria vai de novo fazer representar o seu drama?

PANTALEÃO — Não me fale! Um drama que me obrigou a estudos de história, de geografia, da mitologia e da Bíblia, para afinal não ser compreendido por estes idiotas!...

IRINEU — Ele foi pateado porque o Chico dos Tiros não o pôs em cena como devia pôr.

PANTALEÃO — Como não, se gastei perto de cinco contos de réis? Foi o major Eufrásio que promoveu a pateada, por fazer oposição à municipalidade! Mandou para o teatro toda a sua gente!...

IRINEU — E a coisa acabou num formidável turumbamba! O subdelegado suspendeu o espetáculo!

PANTALEÃO — E a representação não acabou! Ah, mas o meu drama há de ir à cena, quer queiram, quer não queiram! Você já viu o Frazão?

IRINEU — Já... isto é, creio que foi ele que eu vi, no Hotel dos Viajantes, passando uma descompostura ao tenente Gaudêncio, porque este não quis hospedar a companhia.

PANTALEÃO — Gaudêncio está escabreado.

CENA IV

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OS MESMOS, EDUARDO e LAUDELINA

EDUARDO — E esta! Demos uma volta e, sem querer, viemos ter à mesma praça de onde saíramos!

LAUDELINA — Estão ali dois sujeitos... pergunte-lhes...

EDUARDO (Dirigindo-se a Pantaleão e cumprimentando-o com muita cortesia.) — Bom-dia. O cavalheiro dá-me uma informação?

PANTALEÃO — Pois não! Se puder... (Acotovela Irineu, mostrando-lhe Laudelina com os olhos, que arregala.)

EDUARDO — Indica-me com quem se poderá, nesta cidade, contratar casa e comida para o pessoal da grande Companhia Dramática Frazão, do Teatro São Pedro de Alcântara, da Capital Federal, que vem dar qui uma pequena série de representações?

PANTALEÃO — Ah! Os senhores são artistas?

EDUARDO — Eu sou o galã e esta senhora é a primeira-dama da companhia.

PANTALEÃO — Minha senhora... (À parte.) É um pancadão!

LAUDELINA — Meus senhores...

IRINEU — Excelentíssima!... (À parte.) Que tetéia!...

EDUARDO — A companhia é dirigida pelo afamado e ilustre ator Frazão e traz um escolhido repertório de dramas e comédias.

PANTALEÃO — De dramas?... Representam dramas?... Dramas compridos, que levam muito tempo?

LAUDELINA — Compridos e curtos!

EDUARDO — De todos os tamanhos!

PANTALEÃO (Subindo.) — Esta é a bagagem?

EDUARDO — Sim, senhor.

PANTALEÃO — Não deve ficar na rua. Vou mandá-la para o teatro. (A Irineu.) Capitão Irineu, você fica encarregado disso. A chave do teatro está ali em casa. Peça-a a dona Bertolesa.

IRINEU — Às ordens de Vossa Senhoria. (Entra em casa de Pantaleão.)

EDUARDO (Alegre.) — Ah! O cavalheiro é o dono do teatro?

PANTALEÃO — Quase.

LAUDELINA — Como quase?

PANTALEÃO — O teatro é da municipalidade... e como eu sou presidente da Câmara Municipal...

EDUARDO e LAUDELINA — Ah!

PANTALEÃO — É como se fosse dono do teatro.

EDUARDO e LAUDELINA — É.

IRINEU (Saindo da casa de Pantaleão.) — Aqui está a chave do Templo das Musas. Vou abri-lo! (A Eduardo.) Quer vê-lo?

EDUARDO — Pois não! (Baixo a Laudelina.) Trate de agradar-lhe. (Sai com Irineu. Ao sair, recomenda ao Velho Ator, por um gesto, que tenha olho em Laudelina. O Velho Ator, por outro gesto, diz-lhe que vá descansado.)

CENA V

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PANTALEÃO, LAUDELINA, o VELHO ATOR

LAUDELINA (À parte.) — Agradar-lhe como?...

PANTALEÃO — Com que, então, a senhora é a primeira-dama?

LAUDELINA — Sim, senhor.

PANTALEÃO — A sua graça é?...

LAUDELINA — Laudelina Pires, uma sua criada.

PANTALEÃO — Pois eu sou Pantaleão Praxedes Gomes, coronel comandante superior da Guarda Nacional, negociante, venerável da Maçonaria, presidente da Câmara Municipal e autor do drama em doze atos e vinte e um quadros A passagem do Mar Amarelo.

LAUDELINA — Ah! É dramaturgo?

PANTALEÃO (Modestamente.) — Sim... dramaturgo.

LAUDELINA (À parte.) — Ai, o Frazão aqui! (Alto.) Por que não aproveita a nossa vinda e não pede ao empresário que leve a sua peça? PANTALEÃO — Se ele quiser... O drama está montado... os cenários e vestuários estão no teatro. O papel da primeira-dama é um papelão!

LAUDELINA — Deveras?

PANTALEÃO — Ouça esta fala: “Faraó é rigoroso nas suas crenças e inimigo de Moisés, a quem hostilizou em todos os terrenos, tanto que, regressando da guerra, por um decreto real, proibiu aos habitantes de Mênfis dar casa e comida a esse povo...

LAUDELINA — Casa e comida? Mas olhe que não somos hebreus!

PANTALEÃO — Não me refiro à companhia. (Outro tom.)...“a esse povo, e ainda sinto horror ao recordar-me da crueldade dos soldados e esbirros torturando essas vítimas inocentes!”

LAUDELINA — Mas deixe-me dizer... O Mar Amarelo fica entre a China e o Japão, e o senhor fala em Moisés e Faraó. Creio que se enganou de cor: deve ser o Mar Vermelho.

PANTALEÃO — Vejo que a senhora sabe geografia. Ainda bem! Eu lhe explico: o assunto do drama é, realmente, a ida do povo de Moisés à terra da Promissão, mas se eu o fizesse sair ali da Palestina para levá-lo ao Egito, passando pelo Mar Vermelho, seria uma coisa à toa! Quis dar mais peripécias ao drama. Fiz com que o povo desse uma volta maior. Levei-o pela Sibéria, para haver uma cena nos gelos... De lá ele desce à Mandchúria, da Mandchúria à Coréia, da Coréia ao Japão, do Japão atravessam o Mar Amarelo. Fim do sexto ato. No dia seguinte...

LAUDELINA — Como no dia seguinte?

PANTALEÃO — O meu drama leva dois dias a representar-se. Então a senhora queria que eu fizesse toda essa viagem numa noite só? No dia seguinte, o povo de Moisés vem pela China, Indostão, Afeganistão, Beluquistão, Arábia, e então é que passa o Mar Vermelho! Fim do ato décimo-segundo!

LAUDELINA — Deve ser bonito!

Duetino

PANTALEÃO — Creia, senhora, que o meu drama

Não é de todo mau; talvez

Que ao dramaturgo desse fama,

Se fosse acaso ele francês;

Porém metido aqui na roça,

Sem um estímulo qualquer,

Autor não há que alçar-se possa,

Tenha o talento que tiver!

LAUDELINA — Coronel, por que razão

Não aprende o francês e não vai para a França?

PANTALEÃO — Senhora, eu já não sou criança.

Não posso ter essa ambição,

De mais a mais eu sou casado e pai de filhos,

E tenho muitos outros empecilhos.

LAUDELINA — Sim, já me disse Vossa Senhoria

Que é venerável da Maçonaria...

PANTALEÃO — E coronel da Guarda Nacional...

LAUDELINA — E presidente...

PANTALEÃO — Perfeitamente...

AMBOS — Da Câmara Municipal. (Repetem três ou quatro vezes.)

LAUDELINA — Tarda-me ver no programa

Da Companhia Frazão

Anunciando o seu drama

Que espero ser um dramão.

PANTALEÃO — Um dramão?

LAUDELINA — Não quis dizer um dramalhão.

Hei de vê-lo fazendo furor,

E o povinho gritando — que belo! (Bis, pelos dois.)

Bravos! Bravos! À cena o autor

Da Passagem do Mar Amarelo!

PANTALEÃO — Agradece-lhe tanta simpatia

O venerável da Maçonaria...

LAUDELINA — E coronel da Guarda Nacional!...

PANTALEÃO — E presidente...

LAUDELINA — Perfeitamente...

AMBOS — Da Câmara Municipal! (Repetem quatro vezes.)

Municipal!

LAUDELINA — Fale hoje mesmo ao Frazão, que não tarda aí.

PANTALEÃO — Logo mais, agora não tenho tempo: estou pondo em ordem uns papéis da Câmara. Demais, faço hoje anos, e é provável que os amigos repitam, o que têm feito nos anos anteriores... um manifestação espontânea... Preciso mandar avisar alguns.

LAUDELINA — Avisá-los para quê? Se é espontânea...

PANTALEÃO — Sim, mas talvez não se lembrem. Aqui não é como no Rio de Janeiro, onde há jornais para anunciar quem faz anos. O boticário é o promotor da manifestação. Pelo menos o tem sido nos outros anos.

LAUDELINA — O boticário?

PANTALEÃO — Sim, o capitão Irineu... aquele que ainda há pouco saiu daqui com seu marido.

LAUDELINA — Meu marido, não.

PANTALEÃO — Ah! Não são casados?

LAUDELINA — Nem casados nem outra coisa.

PANTALEÃO — Desculpe... mas como a vi ao lado dele...

LAUDELINA — Não quer dizer nada.

PANTALEÃO — Seu marido é outro?

LAUDELINA — Não, senhor. Eu sou solteira.

PANTALEÃO (Contente.) — Ah! é solteira?

LAUDELINA (À parte.) — Já tardava!

PANTALEÃO — Bom... até logo... Vou ver os papéis da Câmara!

LAUDELINA — Até logo, senhor coronel.

PANTALEÃO (À parte.) — Solteira! (Entra em casa.)

LAUDELINA — E dizer que em toda a parte tem sido a mesma coisa: não há pedaço de asno que não me faça perguntinhas impertinentes... Não! Noutro mambembe não me apanham nem que me dourem!... Mas é preciso avisar o Frazão da existência providencial deste dramaturgo de Tocos.

CENA VI

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LAUDELINA, o VELHO ATOR, EDUARDO, IRINEU e carregadores

EDUARDO (A Laudelina, coçando as pernas.) — O teatro não presta para nada, mas em compensação tem muitas pulgas.

IRINEU (Que também se coça, aos carregadores.) — Levem tudo isto para o teatro! (Os carregadores obedecem, ajudados por Eduardo e pelo Velho Ator.)

LAUDELINA (A Irineu.) — Capitão, dá-me uma palavra?

IRINEU — Ó minha senhora!... Duas, três, quantas queira! (Á parte, coçando-se.) É uma tetéia!

LAUDELINA — É verdade que o senhor vai promover uma manifestação ao coronel presidente da Câmara?

IRINEU — Quem lhe disse?

LAUDELINA — Ele mesmo.

IRINEU — Ah! Está com a boca doce? Mas nessa não caio eu! Há já três anos que faço tal engrossamento e ainda não sou vereador. Só a música me tem custado setenta e cinco mil-réis.

LAUDELINA — Por ano?

IRINEU — Ah, não! Vinte e cinco mil-réis de cada vez. Fora os foguetes!

LAUDELINA — Não é caro.

IRINEU — Ainda mesmo que este ano eu quisesse fazer a manifestação, não podia, porque, segundo ouvi dizer, o major Eufrásio tratou a banda de música por quarenta mil -réis, só para meter ferro ao coronel Pantaleão.

LAUDELINA — Major... coronel... aqui todos os senhores têm postos...

IRINEU— Todos! Até eu sou capitão!

LAUDELINA — Bem sei.

Coplas

I

IRINEU — Aqui, não sendo a gente
Ou padre ou bacharel,
Apanha uma patente
E chega a coronel.
Não há maior desgosto,
Nem mais profundo mal
Do que não ter um posto
Na Guarda Nacional!

II

Alferes e tenente,
Já fui; sou capitão,
E espero brevemente
Major ser, pois então!
E peço a Deus, na Igreja,
Pois sou devoto fiel,
Viver até que seja
Tenente-coronel!

(Terminada esta cena todas as bagagens devem ter desaparecido. Irineu, Eduardo e o Velho Ator acompanharam as últimas.)

CENA VII

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LAUDELINA, FRAZÃO, DONA RITA, VILARES, MARGARIDA, FLORÊNCIO, COUTINHO, artistas, depois EDUARDO, depois VIEIRA, depois IRINEU

FRAZÃO — Sem nos combinarmos, fomos todos ter no largo da Matriz e aqui estamos juntos. Só falta o Vieira, que se meteu no cemitério.

VILARES — Foi ver se os defuntos lhe davam de almoçar!

DONA RITA — Estamos perdidos, seu Frazão! Vamos todos morrer de fome!...

FLORÊNCIO — Fogem de nós como se fôssemos a peste!

FRAZÃO — Não desanimem!... Já lhes disse que do Tinguá telegrafei ao Madureira, pedindo-lhe que me tornasse a emprestar o conto de réis que paguei. A todo o momento pode chegar a resposta.

EDUARDO (Entrando.) — As bagagens estão no teatro.

FRAZÃO—As bagagens? (Reparando.) É verdade!

ARTISTAS (Idem.) — É verdade!

FRAZÃO — Como foi isso?!...

LAUDELINA — Alegrem-se! Travei conhecimento com o coronel Pantaleão não sei de quê, venerável da Maçonaria e presidente da Câmara Municipal de Tocos!...

EDUARDO — Foi ele quem mandou as bagagens para o teatro.

LAUDELINA — Esse ilustre cidadão, que mora ali, dar-nos-á casa e comida...

TODOS — Deveras?... (Entra Vieira, sempre muito triste.)

LAUDELINA — Mas para is so serão necessárias duas coisas...

TODOS — Quais?

LAUDELINA — Primeira, que o senhor se comprometa a representar um drama que ele escreveu, de grande espetáculo, em doze atos vinte e um quadros!

FRAZÃO — Doze atos? Olha que são muitos atos!

LAUDELINA — A peça está montada... os cenários e as vestimentas estão no teatro...

EDUARDO (Coçando-se.) — Por sinal que devem ter muitas pulgas.

FRAZÃO — E qual é a segunda coisa?

LAUDELINA — Fazer ao mesmo coronel, venerável e dramaturgo, uma manifestação obrigada a banda de música e foguetes, pois que é hoje o dia dos seus anos!

FRAZÃO — Sim... mas onde vamos buscar dinheiro para os foguetes e a música? Nós estamos a nenhum!

EDUARDO — Vou dizer-lhes uma coisa pasmosa! Preparem-se para pasmar!

TODOS — Que é?

EDUARDO — Ainda me restam vinte e sete mil e quinhentos réis dos ordenados que me adiantaram no Rio de Janeiro!

TODOS — Oh! ... Vinte e sete mil e quinhentos réis! ... Oh!...

FRAZÃO (Passando o braço em volta do pescoço de Eduardo.) — Meus senhores, mirem-se neste exemplo! Dos meus artistas é ele o único que não ganha, e foi o único que economizou!

EDUARDO — Quanto custará essa música?

LAUDELINA — Vinte e cinco mil-réis, disse-me o capitãoboticário. (A Eduardo.) Ainda ficam dois mil e quinhentos réis.

FRAZÃO — Para os foguetes.

EDUARDO — Vocês limpam-me!

FRAZÃO — Dê cá o cobre. Eu me encarrego de tudo!

EDUARDO (Dando-lhe o dinheiro.) — Mas o senhor não sabe onde se trata a música!

FRAZÃO — Quem tem boca vai a Roma! (Entra Irineu.)

LAUDELINA — Cá está quem sabe. (A Irineu.) Capitão, onde se contrata a música?

IRINEU — É perto. Quem é que vai?

FRAZÃO — Eu.

IRINEU ( Tomando-o pelo braço e levando-o ao bastidor.) — Não tem que saber. O senhor vai por esta rua... vai indo... vai indo... quebra a segunda esquina... e pergunta onde mora o mestre Carrapatini... um sapateiro italiano... é logo ali.

FRAZÃO — Sapateiro?

IRINEU — Sim, sapateiro e mestre da banda. Creio até que eles estão ensaiando. Os músicos estão reunidos.

FRAZÃO — Não é preciso mais nada. (Sai a correr.)

CENA VIII

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OS MESMOS, menos FRAZÃO

EDUARDO (A Irineu.) — O senhor é amigo do homem?

IRINEU — Que homem? O Carrapatini?

EDUARDO — Não; o coronel.

IRINEU — Amicíssimo.

EDUARDO — Nesse caso, tenha a bondade de convidar outros amigos para aderirem à manifestação que nós queremos fazer ao eminente dramaturgo de Tocos... Como é mesmo que ele se chama?

IRINEU — Coronel Pantaleão Praxedes Gomes.

EDUARDO — ... Praxedes Gomes!

IRINEU — Não é preciso. Basta mandar tocar a música, soltar foguetes e dar umas voltas pela cidade gritando “Viva o coronel Pantaleão”, para que o povo acuda.

VILARES — É então muito popular esse homem?

IRINEU — Não... quase toda a gente embirra com Sua Senhoria... mas como se sabe que em casa dele há comida e bebida em penca... (Os artistas descem e aproximam-se.)

DONA RITA — Comida!

VILARES — Bebida!

MARGARIDA — Em penca!

TODOS — Em penca! Comida! Bebida! Não é um sonho? Oh, que bom! (Dançam à volta de Irineu.)

IRINEU (Espantado.) — Sim! Comida e bebida! Leitã o! Arroz de forno! Peru recheado! Fritada de palmito!

TODOS — Leitão! Peru! Arroz de forno! Palmito!... (Dançam e abraçam Irineu. Ouve-se ao longe a banda de música, que pouco a pouco se vem aproximando.)

EDUARDO — Aí vem a música!

TODOS — Sim, aí vem, aí vem a música!

IRINEU — Pois olhe, não supus que ele arranjasse a banda. O Carrapatini disse-me que o major Eufrásio já a tinha tratado por quarenta mil-réis.

EDUARDO — Quem sabe? Vem talvez por conta desse major Eufrásio.

FLORÊNCIO (Olhando para fora.) — Não, porque o Frazão vem à frente!

MARGARIDA — Sim, é o Frazão, que dá os vivas!

A VOZ DE FRAZÃO — Viva o coronel Pantaleão!

VOZES — Viva!... (A banda de música, cujos sons se têm

aproximado aos poucos, entra em cena trazendo à frente Carrapatini a reger, e Frazão entusiasmado a dar vivas. Vêm atrás dela algumas pessoas do povo.)

CENA IX

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OS MESMOS, FRAZÃO, CARRAPATINI, músicos, povo, depois

PANTALEÃO à janela

FRAZÃO — Viva o coronel Pantaleão!

TODOS — Viva!

PANTALEÃO (Aparecendo à janela com a família.) — Muito obrigado! Muito obrigado! (Quer fazer um discurso mas não pode falar por causa do barulho da música. Bate palmas.)

TODOS — Psiu! Psiu! Pára! Pára! (A banda deixa de tocar.)

PANTALEÃO — Meus senhores, eu...

IRINEU (Aproximando-se da janela e interrompendo-o.) —Coronel! Coronel!

PANTALEÃO — Que é, capitão?

IRINEU — Ainda não é hora. Precisamos reunir mais gente.

PANTALEÃO — Ah, sim, eu espero. Saia da janela, dona Bertolesa... saiam meninas!... (Saem da janela.)

IRINEU (A Frazão.) — Vamos dar uma volta pela cidade para arrebanhar mais povo.

FRAZÃO — Mas é que a fome é muita.

IRINEU — Não faz mal: eu já almocei. (A Carrapatini.) Então a

banda não estava tratada pelo major Eufrásio?

CARRAPATINI — Si, per cuarenta, ma il signore Frazone trató por xinquanta.

EDUARDO — Por cinqüenta?

CARRAPATINI — Ha dato vinte e xinque per conta.

FRAZÃO — E ficate devendo altri vinte e xinque... Siga a banda. Viva o coronel Pantaleão!

TODOS — Viva! ... (Saem todos à frente da banda. Os sons desta e os vivas de Frazão perdem-se ao longe. Sai por último Vieira, sempre muito triste.)

CENA X

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PANTALEÃO, depois visitas, depois todos os personagens do quadro

PANTALEÃO (Aparecendo à janela.) — Decididamente o capitão Irineu é um bom amigo! Esta é a quarta manifestação com que me engrossa! O homem precisa ser vereador! Quem se vai ralar é o major. Eufrásio, e dona Bertolesa também, porque temos que dar de comer a muita gente! Não faz mal. Há aí comida para um exército! (A um tipo, que entra.) Ó seu alferes Xandico! Vá entrando! (Xandico entra na casa.) Ó seu major Anastácio Pinto, vá subindo! Esta casa é sua! (A outro.) Ó seu capitão Juca Teixeira! Entre! (Entram ambos depois de trocar cerimônias à porta.) Ó siá dona Mafalda! Seu major Carneiro! Façam o favor! (A música da banda vem agora mais perto.) Ó seu tenente Guedes! Dona Constança! (Entram.) Xi! Agora, sim! Agora vem muito povo! (Chamando.) Dona Bertolesa!... Meninas!... Venham!... (A família vem para a janela e bem assim algumas visitas. Outras vêm à porta da rua. As janelas das outras casas abrem-se de gente.) Vou fazer o meu discurso, que é o mesmo do ano passado. (Ouvem-se foguetes. Entra Frazão à frente da banda, que toca acompanhada por todos os personagens do quadro e considerável massa de povo. A cena deve ficar cheia. Quadro animado.)

FRAZÃO — Viva o coronel Pantaleão!

TODOS — Viva! (Mutação.)

Quadro 6

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Sala de aparência modesta completamente vazia. Porta ao fundo e laterais.

CENA I

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DONA RITA, LAUDELINA

DONA RITA (Entrando da esquerda acompanhada de Laudelina.) — Deixa-me! Deixa-me! Quero estar só!

LAUDELINA — Mas por que está zangada comigo?

DONA RITA — Se não fosses tu, não passaríamos por tantas vergonhas! Não sei como sair desta maldita cidade!... A passagem do Mar Amarelo, em vez de salvar a situação, agravou ela! ... Mas que peça! ... Que peça bem pregada!

LAUDELINA — Não conseguiu ser representada na segunda noite.

DONA RITA — Pois se nem na primeira acabou! Que pateada!...

LAUDELINA — Parecia vir o mundo abaixo!

DONA RITA — Mas que borracheira! Bem diz o ditado: “Se não houvesse mau gosto, não se gastava o amarelo!” E amarelo é desespero! Estou desesperada!

LAUDELINA — E eu.

DONA RITA — Tu? Tu tens o que mereces! Os amigos do Frazão não respondem às cartas nem aos telegramas. A renda dos espetáculos não chegou para pagar o que temos comido. O público não quer saber de teatro. O coronel Pantaleão nos garantiu nesta casa até o dia dezoito... mas o dia dezoito é hoje... A tal dona Gertrudes, a dona da casa, já me preveniu...

LAUDELINA — Como se, na situação em que nos achamos,

precisássemos de folhinha. A senhora que lhe disse?

DONA RITA — Que se entendesse com o Frazão. Mas o Frazão não pode fazer milagres! Pois se nem ao menos pagou os vinte e cinco mil-réis que ficou a dever ao mestre da banda! E o italiano não nos deixa a porta! (Imitando Carrapatini) Vinte e xinque mila ré! Vinte e xinque mila ré!

LAUDELINA — O que mais me aborrece é o tal coronel não querer pagar a nossa ida para o Rio de Janeiro!

DONA RITA — Ele anda se enfeitando para ti, e eu estou vendo o momento em que seu Eduardo faz a lguma! ... É o diabo, é o diabo! Estou desesperada! Deixe -me! Quero estar só! Vou meter-me no meu quarto e trancar-me por dentro!... (Sai furiosa pela esquerda.)

LAUDELINA — Dindinha! Dindinha! ... (Acompanha-a até à porta, mas dona Rita fecha-se por dentr o.)

CENA II

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LAUDELINA, depois EDUARDO

LAUDELINA (Só, voltando à cena.) — Ela tem razão. A culpada sou eu. Pensava que a coisa era uma... e a coisa é outra. Que seria de mim se dindinha e seu Eduardo não me houvessem acompanhado? A quantos perigos estaria exposta? Fui eu a culpada... logo, compete-me salvar a situação... e é o que vou fazer... Só há um meio, um meio que me repugna, mas não tenho outro... é embelezar esse ridículo coronel, até que ele se explique... Mas com que olhos seu Eduardo verá o meu procedimento?... Que juízo fará de mim?...

EDUARDO (Entrando do fundo.) — Bom-dia.

LAUDELINA — Bom-dia. Já tão cedo na rua?

EDUARDO — Fui ver se tinha carta no correio. Escrevi ao Trancoso, aquele vinagre da rua do Sacramento, o tal que recebeu os meus ordenados... mas o miserável fez ouvidos de mercador!

LAUDELINA — Também o senhor deve estar desesperado.

EDUARDO — A tudo me resignaria se a senhora me dirigisse ao menos uma palavra de consolação... se correspondesse a este afeto insensato... Mas, em vez disso, faz-me ter ciúmes... de quem?... Desse pateta, desse coronel Pantaleão, homem velho e casado!

LAUDELINA — Os seus ciúmes, além de serem absurdos, são injuriosos!

EDUARDO — Se são injuriosos, perdoe. Absurdos não podem ser. Não há ciúmes absurdos.

LAUDELINA — Pois não foi o senhor mesmo que me recomendou que agradasse ao coronel?

EDUARDO — Sim, agradasse, mas não tanto...

LAUDELINA — Tanto... como?

EDUARDO — Consentindo, por exemplo, que lhe pegue na mão, assim... (Pega-lhe na mão.) que a beije... ( Vai beijar-lhe a mão.) assim...

LAUDELINA (Retirando a mão.) — Alto lá! Ele nunca me beijou a mão! Pegou nela, isso pegou... e disse-me umas bobagens... mas se eu me zangasse, não teríamos o que comer. Francamente: era preciso dar-lhe esperanças...

EDUARDO — Essas esperanças são indignas da senhora! Se fosse a Margarida, eu não diria nada...

LAUDELINA — Olhe, seu Eduardo, vou confessar-lhe uma coisa pela primeira vez: eu gosto do senhor.

EDUARDO — Ah, repita! Diga que me ama!...

LAUDELINA — Não! Eu não disse que o amava; disse que gostava do senhor... O verbo amar só se emprega no teatro e no romance... Eu gosto do senhor; vem a dar na mesma.

EDUARDO — Gosta de mim!

LAUDELINA — Gosto. Agora, diga: é pelo seu dinheiro?

EDUARDO — Não. Estou sem vintém...

LAUDELINA — É pela sua posição na sociedade?

EDUARDO — Também não.

LAUDELINA — É pelo seu espírito? Pelo seu talento? (Eduardo não responde.) Também não. É pela sua beleza?

EDUARDO — Não há homens bonitos.

LAUDELINA — Na opinião dos feios. Pois bem; no entanto eu gosto do senhor. Gosto porque gosto, e hei de ser sua mulher...

EDUARDO — Que felicidade!

LAUDELINA — Espere. Hei de ser sua mulher, mas sob uma condição...

EDUARDO — Qual?

LAUDELINA — Enquanto estivermos no mambembe... enquanto durar esta excursão, faça de conta que não tem direito algum sobre mim, nem me peça conta dos meus atos, porque a nossa vida aqui é toda anormal e fictícia. Só me considere sua noiva quando chegarmos ao Rio de Janeiro.

EDUARDO — De Maxambomba para lá?

LAUDELINA — De Belém mesmo, se quiser... ou da Barra do Piraí. Até lá, prometo... juro não praticar ato algum que me torne indigna de ser sua esposa.

EDUARDO — Ó Laudelina!

Dueto

EDUARDO — Depois do que te ouvi, anjo querido,

Pode a sorte fazer de mim o que quiser,

Contanto que algum dia eu seja teu marido,

E tu minha mulher!

LAUDELINA — Sim, mas se acaso fizer cenas,

E se ciúmes tolos tiver,

Não terei pena das suas penas,

Não serei nunca sua mulher!

LAUDELINA — Não terei pena das suas penas,

AMBOS — Não serei nunca sua mulher!

EDUARDO — Não terá pena das minhas penas,

Não será nunca minha mulher!

EDUARDO — Prometo que farei o que meu bem quiser!

LAUDELINA — Não creio nessas

Vagas promessas.

EDUARDO — Que mais quer de mim?

Quer que eu jure?

LAUDELINA — Sim!

I

LAUDELINA — Jura que só chegando ao Rio

Se lembrará que é o meu futuro?

EDUARDO — Juro!

LAUDELINA — Não me lançar olhar sombrio

Quando agradar alguém procuro?

EDUARDO — Juro!

LAUDELINA — Não lhe passar pela cabeça

Que o meu amor não seja puro?

EDUARDO — Juro!

LAUDELINA — Ciúmes não ter quando aconteça

Eu com alguém ficar no escuro?

EDUARDO — Ju... Perdão! Isso não juro!

LAUDELINA — Se não jura, eu lhe asseguro:

Não serei sua mulher!

EDUARDO — Juro, juro, juro, juro!

Juro tudo que quiser!

EDUARDO — Juro, juro, juro, juro!

AMBOS — Juro tudo que quiser!

LAUDELINA —Jura, jura, jura, jura,

Jura tudo que eu quiser!

II

LAUDELINA — Jura deixar que pra viagem

Eu tente ao menos achar furo?

EDUARDO — Juro!

LAUDELINA — Não se zangar co’uma bobagem

Que por necessidade aturo?

EDUARDO —Juro!

LAUDELINA — Jura deixar que ponha tonto

Um coronel tolo e maduro?

EDUARDO — Juro!

LAUDELINA — E mesmo lhe apanhar um conto,

Seja isto muito duro?

EDUARDO — Ju... Perdão! Isso não juro!

LAUDELINA — Se não jura, etc. (Como acima.)

LAUDELINA — Bom! eu precisava desses juramentos... porque vou, talvez, parecer o que não sou... Ao contrário não sairemos de Tocos!...

A VOZ DE DONA RITA — Laudelina!

LAUDELINA — Lá está dindinha a chamar-me! Ela disse que ia trancar-se no quarto, mas não pode passar meia hora sem me ver. Descanse: estou bem guardada. (Sai pela esquerda.)

CENA III

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EDUARDO, depois BONIFÁCIO

EDUARDO (Só) — Parece-me que fiz juramentos que não devia ter feito. Mas que poderei recear? Laudelina é honesta... Se não o fosse, que necessidade teria de dizer que gosta de mim e há de ser minha mulher?

BONIFÁCIO (Da porta.) — Dá licença, nhô?

EDUARDO — Entre. Que deseja?

BONIFÁCIO (Entrando e apertando a mão de Eduardo) Não cortando seu bão prepósito: é aqui que é a casa de siá dona Gertrude?

EDUARDO — Sim, senhor.

BONIFÁCIO — Vancê é empregado da casa?

EDUARDO — Não, senhor. (À parte) Quem será este animal?

BONIFÁCIO — Vancê tá assistino aqui?

EDUARDO — Está o quê?

BONIFÁCIO — Pregunto se vancê tá assistino aqui ... sim, se é ospe dela?

EDUARDO — Hospedela? Sou.

BONIFÁCIO — Nó vê que eu queria falá co ela pro morde a cumpanhia de treato qui tá qui.. ou com seu Frazão...

EDUARDO (À parte) — É o credor dos carros! (Alta) Bom; espere aí que vou chamar o senhor Frazão.

BONIFÁCIO — Homessa! Então dona Gertrude é seu Frazão?

EDUARDO — Não, dona Gertrudes é a dona da casa em que está hospedada a companhia. Com quem o senhor quer falar: com dona Gertrudes ou com o senhor Frazão?

BONIFÁCIO — Com quem é que vancê qué que eu fale?

EDUARDO — Sei lá! Com quem você quiser!

BONIFÁCIO — Então vancê chame seu Frazão. Tenho um negoço co’ele. (Eduardo sai)

CENA IV

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BONIFÁCIO, só

BONIFÁCIO — Tô coas perna qui não posso, e aqui não tem uma cadeira pra gente descansá! Seis légua no pangaré em quatro hora é da gente se matá! E óiem que eu fui tropero! Já gramei aquela serra de Santo co meu trote de burro, um bandão de veis. Era uma vidinha de cachorro que se passava, mais assim às veis, dá um poco da sodade. A gente tomava o seu cafezinho da priminha bem cedo, arreava as mula e tocava inté notro poso. Quando eu via as bruaca tudo alinhada, as mula tudo amarrado na estaca, mar comparando (Gesto.), tá e quá o jeito de vancêis, óie era bonito memo. A madrinha era uma mula turdia ferrada dos quatro péis qu’era um gambelo de gorda. Quando ela ia na frente (Imita chocalho.) gue... leim... gue... leim... eu atrás co meu tupa, pendurado no ombro, era só! E baju! Ta cumeno capim da cangaia diau!... (Assobia.) Orta mula!... De repente alguma mula desguaritava nalguma incruziada qu’era um inferno: “Nhô Bonifácio, cerque essa mardiçoada !“ E eu se galopeava atráis da tinhosa, pracatá, pracatá! Que nem um inferno! De uma feita a mulinha pangaré que levava o cargueiro tropicô num toco, cortô a retranca, esparramô a carga da cangáia e abriu-se pro campo afora, veiaquiano, dando coice de céu in terra! Home, dessa feita perdi a cabeça, passei mão na guerrucha e tin... (Imita tiro.) Sortei um panázio nela, que’ela viu o diabo escangaiado. (Outro tom.) Homessa! Mas o tar nhô Frazão não virá? (Mesmo tom que acima.) E ota bestinha boa que era ela! Eu queria bem ela que nem qui fosse minha irmã!

CENA V

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BONIFÁCIO, FRAZÃO

FRAZÃO (Da direita.) — Como passou, seu?...

BONIFÁCIO — Beimecê.

FRAZÃO — Olhe que por enquanto não é possível. Não fizemos nada.

BONIFÁCIO — Ahn?

FRAZÃO — Não é possível!

BONIFÁCIO — Como não é possive?

FRAZÃO — Tenha paciência. Não posso agora pagar os seus carros.

BONIFÁCIO — Não faz má. Nhô Chico Inácio paga.

FRAZÃO — Nhô Chico Inácio paga?

BONIFÁCIO — Ele me deu orde, conforme a sua resposta, de trata e pagá.

FRAZÃO — Então foi Nhô Chico Inácio quem fez a gentile za?...

BONIFÁCIO (Sem entender.) Quem fez o quê?

FRAZÃO — A gentileza?

BONIFÁCIO — Não sei se ele fez isso... o que eu sei é que ele paga.

FRAZÃO — Paga? Belíssimo! Esplêndido! Estou livre dos carros! Olhe, diga a nhô Chico Inácio que escreva um drama.

BONIFÁCIO — Ele escreveu, sim, sinhô.

FRAZÃO — Escreveu? Então que o mande! Eu represento!

BONIFÁCIO — O que ele escreveu foi esta carta. (Dá-lhe uma carta.)

FRAZÃO — Ah! Temos uma carta?

BONIFÁCIO — Vancê leia! (Frazão vai abrir a carta e é interrompido por Vilares, que entra da direita.)

CENA VI

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OS MESMOS, VILARES, depois PANTALEÃO

VILARES (A Frazão em mangas de camisa, com um leque de doze cartas na mão.) — Ó filho, vê se nos livras daquele italiano!

FRAZÃO — Que italiano?

VILARES — O tal Carrapatini, o mestre da banda. Está nos amolando! Não nos deixa jogar o solo! Entrou pelos fundos da casa e quer porque quer os seus vinte e cinco mil-réis! Cara banda!

FRAZÃO — De cara à banda estou eu, que não tenho com que pagar.

VILARES — Conversa com ele.

FRAZÃO — Mas conversar como, se estou na disga! (A Bonifácio.) Você sabe o que é disga?

BONIFÁCIO — Não, sinhô.

FRAZÃO — Homem feliz. (A Vilares.) Dize ao Carrapatini que venha ter comigo! Esse italiano, por causa dos vinte e cinco mil -réis, é capaz de arranjar uma questão de protocolo!

VILARES — Cá o terás. (Sai pela direita.)

BONIFÁCIO — Vancê leia a carta!

FRAZÃO — É agora! (Vai abrir a carta e suspende-se vendo o coronel, que entra.) Oh! O coronel! (Guardando a carta.) Leio depois. (A Bonifácio.) Vá esperar a resposta sentado na porta da rua.

BONIFÁCIO — Antão inté logo. (Aperta a mão ao coronel e a Frazão, e sai.)

CENA VII

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FRAZÃO, PANTALEÃO

PANTALEÃO — Ora muito bom-dia, caríssimo artista!...

FRAZÃO — Cumprimento o ilustre autor de Passagem do Mar Amarelo.

PANTALEÃO — Não me fale nisso. (Procura onde se possa sentar.)

FRAZÃO — Por que não? (À parte.) É preciso engrossar esta besta! (Alto.) Um drama que só não foi aplaudido como devia ser por causa dos inimigos do autor! Que procura Vossa Senhoria?

PANTALEÃO — Uma cadeira.

FRAZÃO — Não há. Dona Gertrudes tinha muito poucas, e distribuiu -as pelos quartos dos artistas; mas quer... (Menção de sair.)

PANTALEÃO — (Detendo-o.) Não, não se incomode! Estou bem de pé. Acha, então, que o meu drama?...

FRAZÃO — Foram os sequazes do major Eufrásio que sufocaram os aplausos. Maldita politicagem! Mas deixe estar, coronel! Vou representar o seu drama no Rio de Janeiro, no meu teatro e no Teatro São Pedro de Alcântara! Vai ver o sucesso! É peça para centenário! O que é preciso é póla em cena a valer! Forneça-me Vossa Senhoria os recursos necessários... nós partimos para o Rio amanhã ou depois...

PANTALEÃO — Não! Já estou desenganado! Desisto de ser dramaturgo! Vou queimar a Passagem do Mar Amarelo!

FRAZÃO — Queimá-lo? Não pode! Não pode! Aquele trabalho não lhe pertence!

PANTALEÃO—Como?

FRAZÃO — Pertence à literatura brasileira! Faz parte do patrimônio nacional! Não deve ser representado só em Tocos!

PANTALEÃO — Representado é coisa que nunca foi. A representação dura duas noites, e ainda não conseguiu ir até ao fim da

primeira!

FRAZÃO — Por causa de quem? Do major Eufrásio!

CENA VIII

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OS MESMOS, CARRAPATINI

CARRAPATINI — Buon giorno... signor colonello... buon giorno, signor Frazone.

FRAZÃO — Senhor Carrapato, buon giorno!

CARRAPATINI — Signor Frazone, sono qui per ricever vinte e xinque mila ré della manifestazione ao colanello.

PANTALEÃO (À parte.) — Da manifestação? Então não foi o Irineu?

FRAZÃO — Senhor Carrapatini, neste momento não posso satisfazer esse importante débito.

CARRAPATINI — Ma per Dio! Vengo qui tutti i dia, tuttii dia, e lei dixe sempre hogi, manhana, hogi manhana.

PANTALEÃO (Baixo, a Frazão.) — Diga-me cá: foi o senhor que pagou a música?

FRAZÃO — Que paguei é um modo de dizer... que devia pagar... Paguei apenas metade.

PANTALEÃO — Nesse caso, a festa foi sua?

FRAZÃO — Eu não queria dizer, mas este Carrapato me obriga a confessar que sim.

CARRAPATINI — Carrapatini.

PANTALEÃO — E eu que não lhe agradeci! O capitão Irineu tinhame dado a entender que o promotor da manifestação foi ele, mas deixa estar que há de ser vereador quando eu for bispo! (Baixo, a Carrapatini) Quanto lhe deve o senhor Frazão?

CARRAPATINI — Há tratato la banda per xinquenta... ha dato vinte e xinque, manca ancora vinte e xinque...

PANTALEÃO — Eu também estou lhe devendo o conserto deste par de botinas. Quanto é mesmo?

CARRAPATINI — Xinque mila ré. E uno remonte.

PANTALEÃO (Pagando.) Bom. Tome lá trinta mil-réis e deixe-nos em paz.

CARRAPATINI — Grazie tanta, Signor Colonello!... Signor Frazone

FRAZÃO — Vai para o diabo, Carrapato!

CARRAPATINI — Carrapatini. (Sai pelo fundo.)

CENA IX

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FRAZÃO, PANTALEÃO

FRAZÃO — Não sei como hei de pagar Vossa Senhoria...

PANTALEÃO — Não sabe como me há de pagar? Com dinheiro!

FRAZÃO — Não! Não é isso! (À parte.) Que bruto! (Alto.) Não sei como lhe hei de pagar tanta generosidade! Ah, juro-lhe: o seu drama será representado no Rio de Janeiro!

PANTALEÃO — Muito obrigado. O meu drama tem-me custado muito dinheiro. Já chega. Senhor Frazão, vim aqui de propósito para avisa-lo de que de amanhã em diante não me responsabilizo mais pelas despesas que os senhores fizerem aqui em casa de dona Gertrudes.

FRAZÃO — Coronel, tente ainda mais uma cartada! Consinta que representemos o seu drama na Capital Federal. Quando Vossa Senhoria vir o São Pedro repleto de espectadores, a platéia cheia de cavalheiros encasacados, os camarotes assim (Gesto.) de senhoras decotadas, com magníficas toaletes... a imprensa toda a postos... Quando acabar o primeiro ato: à cena o autor! À cena o autor!... E as pipocas!

PANTALEÃO — Pipocas?

FRAZÃO — Sim, as palmas!

PANTALEÃO — Esta linguagem teatral é incompreensível.

FRAZÃO — E Vossa Senhoria em cena só assim... (Faz mesuras e abaixa-se como para apanhar alguma coisa.) agradecendo e apanhando as flores. E os jornais falando da peça quatro dias depois!

PANTALEÃO — Quatro dias?

FRAZÃO — Sim, porque leva duas noites a ser representada. Só no quarto dia a crítica se pronunciará!

PANTALEÃO (Entusiasmado.) — Parece-lhe então que?...

FRAZÃO — Se me parece? Tenho quase quarenta anos de tarimba! Não! Lá no Rio de Janeiro não há majores Eufrásios que sufoquem as aclamações populares! Lá ninguém fará politicagem à custa do seu drama! O triunfo é certo!

PANTALEÃO (Radiante.) — Pois bem! Consinto!...

FRAZÃO (À parte.) Apre! Custou!... (Limpa o suor.)

PANTALEÃO — Consinto que represente o drama.

FRAZÃO — Podemos então contar com Vossa Senhoria?

PANTALEÃO — Como contar?

FRAZÃO — Sim... contar com as despesas da nossa ida para o Rio?

PANTALEÃO — Com as despesas podem contar... (Frazão alegra-se) mas não comigo: não dou vintém!

FRAZÃO — Como?

PANTALEÃO — Não dou vintém! (Laudelina aparece à esquerda. Toma o fundo da cena e aos poucos desce à direita ouvindo o diálogo.)

FRAZÃO — Ora bolas! Então como quer Vossa Senhoria que saiamos daqui?

PANTALEÃO — Sei lá! Não tenho nada com isso!

FRAZÃO — Não me empresta, ao menos, o dinheiro preciso para mover a companhia?

PANTALEÃO — Não, senhor... dou-lhe a peça, os cenários, as vestimentas e dispenso os direitos de autor. Não faço pouco!...

FRAZÃO (Desesperado.) — Ó terra desgraçada! Ó Tocos do diabo, que eu não conhecia! Quem mandou aqui vir?... Uma peste de cidade em que nem ao menos se pode passar um benefício! (Vendo Laudelina e indo a ela, baixo.) Ó filha! Só tu nos podes salvar! Deixa-te de luxos e arranca daquele bruto o dinheiro das passagens! (Sai pela direita.)

CENA X

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PANTALEÃO, LAUDELINA, depois EDUARDO

Terceto

LAUDELINA — Meu caro coronel...

PANTALEÃO — É ela! é ela!...

‘Stá cada vez mais bela!

LAUDELINA — Meu caro coronel...

PANTALEÃO — Coronel, não!

Chama-me antes Leão,

Diminutivo de Pantaleão!

LAUDELINA — Meu caro Leãozinho...

PANTALEÃO — Leãozinho!

Que meiguice! Que carinho! ( Toma-lhe a mão. Eduardo aparece à esquerda.)

EDUARDO (À parte.)

— Ela com ele! Ó desgraçada! (Quer avançar mas contém-se.) Mas eu jurei que não faria nada!

LAUDELINA — Leãozinho, tenha pena,

Tenha pena do Frazão!

Uma soma tão pequena

Não recuse, coração!

PANTALEÃO — De você, meu bem, depende

Que eu socorra a esse ator.

LAUDELINA — Como assim?

PANTALEÃO — Você me entende...

LAUDELINA — Não entendo, não, senhor.

PANTALEÃO — Se você ficar macia,

Se você me quiser bem,

Vai-se embora a companhia

E eu com você vou também...

EDUARDO (À parte) — Ele com ela! Ó desgraçada! (Como acima.)

Mas eu jurei que não faria nada!

LAUDELINA — Dê-lhe as passagens, coitado!

Dê-lhas! Quem pede sou eu...

PANTALEÃO — Como és linda!

EDUARDO (À parte.) — Estou danado!

Meu sangue todo ferveu!

PANTALEÃO — Menina, se na viagem

Pertinho de ti não vou,

Eu posso dar-lhe [a] Passagem,

Mas as passagens não dou.

LAUDELINA — Leãozinho, tenha pena,

Tenha pena do Frazão!

Uma soma tão pequena

Não recuse, coração!

PANTALEÃO — Se você tem pena,

OS TRÊS Tenho pena do Frazão;

Mas se você me condena,

Eu pena não tenho não!

EDUARDO (À parte) — Laudelina não tem pena

Deste amor, desta paixão!

Não suporto aquela cena!

Espatifo o paspalhão!

PANTALEÃO — Então?... Que dizes?... Sê boazinha para mim!

LAUDELINA — Se dona Bertolesa o visse...

PANTALEÃO — Não me fales em minha mulher... Aquilo é uma fúria!... Vamos... sê boa, e serás feliz! Sou rico, muito rico!

LAUDELINA — Para mim não peço nada... mas para os meus companheiros, que se acham numa situação desesperadora.

PANTALEÃO — Os teus companheiros pouco me importam! Só tu me interessas! (Agarrando-a.) Olha, dá-me um beijo... um beijinho!... Um só!...

LAUDELINA — Largue-me!

PANTALEÃO (Tentando beijá-la.) — Uma boquinha!... Uma beijoca!

LAUDELINA — Eu grito!

PANTALEÃO — Não grites! Uma beijoca! (Quando vai a beija -la, Eduardo corre para ele, separa-o dela, e dá-lhe um murro.) Que é isto?!

LAUDELINA — Seu Eduardo! ... (Pantaleão tira um apito do bolso e apita.)

EDUARDO — Ah! Tu apitas. (Atraca-se com ele e dá-lhe um trambolhão. Pantaleão, mesmo no chão, apita.)

CENA XI

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OS MESMOS, FRAZÃO, os artistas, o SUBDELEGADO, dois soldados, pessoas do povo

CORO — Que foi? Que foi? Que sucedeu?

Que aconteceu? Que aconteceu?

Levou pancada e trambolhão

O coronel Pantaleão!

Ah! ah! ah! ah! ah! ah!

Pobre coronel Pantaleão!

LAUDELINA — Desculpar queira Vossa Senhoria

Um venerável da Maçonaria

Que é coronel da Guarda Nacional,

E presidente...

CORO — Perfeitamente.

LAUDELINA — Da Câmara (Repete três ou quatro vezes.)

Municipal!...

CORO — Da Câmara (Repete três ou quatro vezes.) Municipal!...

OS ARTISTAS — Mas que foi? Que foi?...

LAUDELINA — Seu Eduardo bateu no coronel!

O SUBDELEGADO — Prendam aquele indivíduo! (Os soldados prendem Eduardo. A Pantaleão, dando-lhe a mão para levantar-se.) Levante-se Vossa Senhoria.

FRAZÃO (Ao Subdelegado.) Atenda, senhor... Quem é mesmo o senhor?

SUBDELEGADO — Eu sou o subdelegado! A nada atendo!...

PANTALEÃO (Baixo, ao Subdelegado.) — Atenda, atenda, para evitar o escândalo!

SUBDELEGADO — Desculpe, coronel, já disse, nada atendo! Há dois anos que sou subdelegado e ainda não consegui prender ninguém em flagrante... E hoje foi por acaso... eu ia passando com a ronda... se passasse um pouco antes ou um pouco depois, teria perdido a ocasião. (Satisfeito.) Enfim! O meu primeiro flagrante!... Vou arrumar-lhe o 303; ofender fisicamente alguém ou lhe causar alguma dor. (A Pantaleão.) Doeu?

PANTALEÃO — Doeu.

SUBDELEGADO — Doeu? Parágrafo 2º. (Aos soldados.) Sigam com o preso para o xadrez! Vamos, coronel, Vossa Senhoria é a vítima!

PANTALEÃO (Baixo.) — Mas eu não quero ser vítima. E dona

Bertolesa, se sabe...

SUBDELEGADO — A nada atendo! Vai a corpo de delito. (A

Laudelina.) A senhora também vai.

LAUDELINA — Eu?

SUBDELEGADO — É testemunha. Sigam! Sigam!

MARGARIDA — Vamos todos! Não podemos abandonar o colega!...

ARTISTAS — Decerto! Vamos! Vamos todos!... (Saem em confusão pelo fundo todos, menos Frazão.)

CENA XII

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DONA RITA, FRAZÃO, e depois o CARREIRO

DONA RITA (Entrando.) — Que foi isto?

FRAZÃO — A senhora não viu?

DONA RITA — Estava dormindo. Acordei agora.

FRAZÃO — O Eduardo foi preso, por ter enchido o coronel Pantaleão!

DONA RITA — Eu já esperava por isso! E o senhor não o acompanhou?

FRAZÃO — Não! Mas lá foi toda a companhia.

DONA RITA — Mas o senhor... como empresário...

FRAZÃO — Por isso mesmo. Aquilo é negócio de fiança e, como empresário, eu faria uma figura muito ridícula não tendo com que pagá-la.

CARREIRO (Entrando.) — Louvado Suscristo! Vancê dá licença?

DONA RITA — Olhe, aí está o Carreiro que nos trouxe do Tinguá.

CARREIRO — É verdade.

FRAZÃO — Como vai, seu?...

CARREIRO — Como Deus é servido. Eu vim por morde aquilo?...

FRAZÃO (Sem entender.) — Morde quê?

CARREIRO — Vancê não disse que passando três dia da nossa chegada eu vinhesse arrecebê os duzento da condução?

FRAZÃO — E nhô Chico Inácio?

CARREIRO — Eu achei mió vortá pro Tinguá, e como tinha de í cos meus carro pra levá quem quisé i na Festa do Divino, que vai havê no Pito Aceso...

FRAZÃO — Onde é esse Pito Aceso?

CARREIRO — É uma cidade que tem seis légua daqui. A gente sobe a Serra da Mantiqueira, depois desce um tico...

FRAZÃO — Vai haver lá uma festa?

CARREIRO — Um festão! Vai um mundo de povo desta vinte légua em redó!

FRAZÃO (A dona Rita, baixo.) — Se nós lá fôssemos?

DONA RITA (Idem.) — Eu não digo nada!

FRAZÃO (Idem.) — Este homem já recebeu do tal Chico Inácio os duzentos que lhe devíamos. Temos, com certeza, crédito para esta nova viagem.

DONA RITA (Idem.) — O diabo é seu Eduardo preso...

FRAZÃO (Idem.) — Dão-se lá uns espetáculos e manda-se o dinheiro para a fiança. (Ao Carreiro.) Você quer nos levar para o Pito Aceso?

CARREIRO — Sim, sinhô.

FRAZÃO (A dona Rita.) — Não dizia? (Ao Carreiro.) E quanto quer por esse serviço?

CARREIRO — Outro duzento...

FRAZÃO — Pois está fechado nas mesmas condições.

CARREIRO (Desconfiado.) — Como nas mesma condição?

FRAZÃO — Você recebe o dinheiro três dias depois da chegada.

CARREIRO — Mas esses três dia quanto dia demora?

DONA RITA — Ora essa!...

CARREIRO — Sim, porque a viage do Tinguá, que vancê tinha de pagá, já passa mais de vinte e eu ainda não arrecebi!

FRAZÃO — Então não falou com nhô Chico Inácio?

CARREIRO — Que nhô Chico Inácio?

FRAZÃO — Ora! Nhô Chico Inácio. Não conhece?

CARREIRO — Não!

FRAZÃO — Nem eu: mas o seu companheiro disse que ele pagava.

CARREIRO — Meu companheiro?

FRAZÃO — Sim, que por sinal me deu esta carta que ainda não li. Olhe! Ele aqui está! (Aponta para Bonifácio, que aparece ao fundo.)

CENA XIII

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OS MESMOS, BONIFÁCIO

CARREIRO — Este é que é o tá de Chico Inácio?

FRAZÃO — Não; este é o que supus seu companheiro, mas vejo que não é. (A Bonifácio.) Então, que embrulhada é esta? Nhô Chico Inácio não pagou os carros de boi?

BONIFÁCIO — Não pagou, mas paga.

CARREIRO — Sei lá quem é nhô Chico Inácio!

BONIFÁCIO — É meu patrão! O chefe do Pito Aceso!

CARREIRO — Seja lá o que ele fô, mas o que eu quero é os meu duzento mi réis.

FRAZÃO — Que trapalhada!

BONIFÁCIO — Quem tá fazendo trapaiada é vancê. Vancê já leu a carta?

FRAZÃO — Ah! É verdade. Estou com a cabeça a juros!... (Abre a carta e lê.) “Senhor Frazão. O portador é o meu empregado Bonifácio Arruda, que vai, em meu nome, propor a vinda de sua companhia para dar aqui três espetáculos. Como Vossa Senhoria sabe, há agora aqui uma festa do Espírito Santo, e eu sou o Imperador. O dito Bonifácio leva ordem para adiantar dinheiro para a viagem. De Vossa Senhoria, etc... Francisco Inácio.” (Declamando) Não há a menor dúvida! Vamos! (A dona Rita.) Não é?

DONA RITA — Isso não se pergunta!

FRAZÃO (Ao Carreiro.) — Você tem aí os carros e os animais?

CARREIRO — Tenho, mas não levo vancê sem arrecebê meu dinheiro!

BONIFÁCIO (Ao Carreiro.) — Ó home, vancê pensa que tou enganando vancê? Dinheiro tá qui! (Mostra um maço de notas.)

FRAZÃO (Tomando o braço de dona Rita para não desmaiar.) — Dinheiro!

DONA RITA — Dinheiro!

FRAZÃO — Comecemos por pagar a fiança do Eduardo!

CENA XIV

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OS MESMOS, LAUDELINA, EDUARDO, os artistas

LAUDELINA (Entrando.) — Não tem que pagar nada!

EDUARDO — Estou solto!...

TODOS — Está solto!

FRAZÃO — Solto! Mas como?

LAUDELINA — Ameacei o coronel Pantaleão de ir à sua casa dizer a dona Bertolesa que tudo foi por ele ter-me querido dar um beijo. Tanto bastou para que se abafasse a questão.

FRAZÃO — Tudo foi, não por isso, mas por ter eu conservado uma carta na algibeira, sem a ler. Meus senhores, vamos ao Pito Aceso dar três espetáculos!

TODOS — Pito Aceso? Onde é?...

FRAZÃO — Daqui a seis léguas. Fomos contratados. Este homem trouxe-nos dinheiro para a condução!

TODOS — Dinheiro! Dinheiro! ... (Dançam.)

FRAZÃO — Tratem de se preparar! Vamos! Vamos! Saiamos, quanto antes, destes malditos Tocos!

TODOS — Vamos! Vamos! ... (Saem todos.)

FRAZÃO (Ao Carreiro.) — Vá buscar os carros e os animais.

CARREIRO — Sim, sinhô! (Sai.)

FRAZÃO (A Bonifácio.) — E você arranje uns carregadores para as bagagens.

BONIFÁCIO — Sim, sinhô! (Sai.)

FRAZÃO (Só.) — E dizer que, quando eu chegar ao Rio de Janeiro para descansar de tantas consumições e fadigas, a primeira coisa em que hei de pensar é na organização de outro mambembe!...

CENA XV

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FRAZÃO, PANTALEÃO

PANTALEÃO — Meu caro artista, estou inquieto... Se dona Laudelina cumpre a sua ameaça, e vai dizer à minha mulher que eu... O senhor não conhece a dona Bertolesa! É uma fúria!...

FRAZÃO — Tranqüilize-se: nós vamos todos daqui a pouco para o Pito Aceso. Só o tempo de preparar as malas. Antes disso, Vossa Senhoria será pago dos vinte e cinco mil réis que lhe devo. (Sai à esquerda.)

PANTALEÃO (Só.) — Querem ver que os homens foram contratados para dar espetáculos no Pito Aceso? Não é outra coisa! É a época da famosa festa do Espírito Santo, em que se reúnem mais de dez mil pessoas. E o meu drama pode ser representado lá! ... Sim... aqui não pode ser, mas lá... O sucesso! O aplauso! As pipocas! À cena o autor!... À cena o autor! ... (Agradece e faz menção de apanhar flores.) E depois, a Laudelina lá... Dona Bertolesa aqui... Está decidido! Vou ao Pito Aceso! ... (Sai pelo fundo. Mutação.)

Quadro 7

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Na Mantiqueira, em pleno sol. Os artistas formam grupos nos carros de bois. Frazão monta um burro. Todos admiram a paisagem.

CENA I

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LAUDELINA, FRAZÃO

LAUDELINA (Do alto de um carro.) — Como o Brasil é belo! Nada lhe falta!

FRAZÃO — Só lhe falta um teatro...

[(Cai o pano.)]