O Matuto/XII
O engenho Bujary estava situado em um ponto de que inteiramente se perdeu a memoria. O que se sabe ainda, pela tradição oral, é que tendo elle ficado, pelo tempo adiante, todo em capoeira em consequencia do longo desamparo, veiu a confundir-se com a mata virgem. O engenho que traz hoje esse nome fundou-se muito depois do desapparecimento do primeiro.
Nesse tempo—aureo periodo da vida do respectivo proprietario—era elle uma das mais importantes propriedades rusticas de Goyanna, e a sua situação uma das mais formosas do termo.
O tempo, na fórma do costume, não respeitou as prendas naturaes e ainda menos as obras de grosseira architectura da grande propriedade de João da Cunha. No lugar onde foi a casa-de-vivenda—sobrado acaçapado de telhado ennegrecido, que, por muito alto no centro, era a primeira parte da casa que se via de longe acima dos matos, com seis janellas quadradas, entre as quaes se rasgava a porta, para onde se subia por uma escada de tijolos grosseiros—existe hoje seguramente uma renque de sicupiras colossaes, cuja folhagem enche os vãos das duas salas fronteiras—uma reservada aos hospedes, a outra á familia—agora desapparecidas. Mais para o centro, no lugar dos aposentos interiores, floresce o amarello, o páo-d'arco, o jatobá. Na casa-de-purgar, que devia ficar á esquerda, nasceram cedros, que se mostram giganteos, cobertos de cipós, que entrelaçando-se com a vegetação circumvizinha, formam galerias e abobadas naturaes, onde não penetra luz e se acoitam durante o dia aves nocturnas e cobras venenosas. A direita no lugar da capella, é agora uma elevaçãosita, de que se atiram aos ares uns sambaquis, umas maniçóbas, uns marmeleiros, umas cabuatãs, cujos ramos e folhas se entretecortam e amigam. Por onde corria a rua dos negros, composta de vinte a vinte e cinco casinhas, de cada lado, veem-se adjuntos de embiribas e jucás. A casa-da-moenda foi substituida por um grupo de colossaes angicos. Enfim a actividade da grande propriedade passou, para dar lugar á serenidade, ao socego, ao silencio magestoso e solemne da mata virgem. Ás obras da arte substituiram-se as producções, desde as minimas até ás maximas, da natureza. Ao viver do homem succedeu o do bicho bravio. Assim são as coisas deste mundo. No topo de uma civilização germinam latentes as raizes de uma barbaria.
Uma excepção destaca-se, para confirmar a regra geral, do circulo vicioso em que gyram, após vidas, gerações, progressos humanos, os seres ou antes, as forças indestructiveis da materia. Por entre uns páos secos aqui, umas moitas enredadas alli, umas arvores frondosas além, arrasta ainda a existencia um ente contemporaneo de João da Cunha. Está mais selvagem porém mais vivo e bello. Suas forças não diminuiram, antes augmentaram. Em suas faces ha risos continuados. Não lhe alvejam na fronte as cans da velhice. Esse ente é o rio Capibaribe-mirim, de que em 1711 passava por dentro do cercado do engenho Bujary, um braço cheio e vigoroso, o qual se estendia então sobre limpo e arenoso leito emquanto hoje só o caçador ou algum viajor transviado o vê dilatar-se por entre matos e por baixo de frescas e amenas sombras. Semelhante ás cobras que rastejam em suas margens, elle serpêa desconhecido e caracolla, ora brando e vagaroso, ora barrento e assanhado, atravessando os proprios pontos onde no seculo passado brincava com a luz do dia e recebia os beijos da franca viração dos descampados. As aguas, com que refresca essa parte central da mata banham, antes de chegar ahi, as povoações denominadas Mocós e Timbaúba, unicos pontos populosos por onde passam. Toda a restante região que ellas percorrem é solitaria e erma. O morador do centro civilizado fez-se quasi exclusivo habitante da solidão e da floresta.
O negro André, carreiro do engenho, tinha descarregado, no pateo da casa-de-vivenda muito antes do anoitecer do dia 23 de junho de 1711 varios carros de lenha destinada ás fogueiras de S. João. De dispôr os grossos tóros de angico e cajueiro tinham sido encarregados tres ou quatro parceiros daquelle carreiro, de proposito dispensados com cedo do serviço diario para este fim.
No sobrado habitualmente silencioso, notava-se a animação, o bulicio que acompanham fatalmente esta festa popular.
Viam-se senhoras na sala dos hospedes. Algumas delas eram mulheres, outras eram filhas dos nobres propietarios convidados para a reunião; e conversavam sentadas nas cadeiras de sola com pregaria que guarneciam a sala e das quaes ainda se veem algumas, que são como as reliquias do tempo em que representaram grande adiantamento da arte.
A mobilia, não obstante ser de uma casa em que se professavam habitos de nobreza e riqueza não era de dar na vista; ao contrario pouco adiantava á que se encontra presentemente em alguns engenhos, donde grande parte dos habitos daquelle tempo não desappareceu inteiramente. Além das cadeiras viam-se dois canapés, tambem cobertos de sola, tres ou quatro bancas de acajú, e uma grande commoda de nogueira com muitas ordens de gavetas. Sobre as bancas havia alfaias de prata e sobre a meza estava assente um candieiro grande do mesmo metal. Pendiam da parêde, fronteiros e na mesma altura dois quadros em que appareciam retratados o senhor e a senhora do engenho.
A sala das mulheres, aquelle momento deserta, attestava melhor o gosto, a educação e a mocidade de d. Damiana. Sobre commoda de formas menos pezadas do que o da sala contigua, certamente obra de fóra, em que se procurara entalhar uns longes do gosto de Luiz XIV, via-se um rico sanctuario de jacarandá, que, estando aberto, deixava ver por entre ramalhetes de frescas flores naturaes, formosas e ricas imagens, adornadas com seda, ouro e pedras preciosas. Por junto da parede corria um estrado coberto de damasco, e fronteiro a elle mostrava-se o bufete de especial estimação da aristocratica senhora. Um tear ao canto, bancas de jacarandá de delicadas entalhas e sobre as bancas garrafinhas e frascos de vidro e crystal completavam, com o grande espelho affixado na parede a sala particular de d. Damiana.
Ao accender das fogueiras achavam-se os homens, não na sala-de-visitas, mas no aposento immediato—espécie de gabinete onde tinha João da Cunha cama para descançar, papeis, roupas e armas.
Á luz amarellenta de um candieiro, collocado sobre uma secretária de fórma de piano, lia o senhor de engenho, para os amigos ouvirem, as ultimas regras de uma carta que recebera de André da Cunha, morador em Olinda.
As regras rezavam assim:
«Eis o extremo a que chegamos. Os mascates em armas, senhores do porto, das fortalezas e agora do governo, visto que tem o bispo guardado por 150 soldados e ás ordens deles, tudo podem contra nós, enquanto nós muito pouco ou coisa nenhuma podemos contra elles. Si o bispo tivesse espiritos, ou si o seu espirito fosse tão grande como é o seu coração, certo as coisas presentes seriam para nós pequenas. Mas é fraco e entende pouco de estrategias e ciladas. Que força se póde esperar de um governador que se deixou cahir, por molleza, nas mãos dos seus proprios inimigos?»
— Que havia de fazer elle? inquiriu Mathias Vidal. Aquelle feixe de virtudes não é para semelhantes lutas.
— É isto exactamente o que escreve André, respondeu João da Cunha.
E proseguiu a leitura:
«Emfim o Recife está cercado de trincheiras, fortemente guarnecidas de gente e providas de munições de guerra.
«Como não tenho certeza de que esta vá ter ás suas mãos, por isso que a todo canto a nobreza se está picando nos espinhos da traição, finalizo rogando a Deus se sirva olhar por nós e por nossas familias ameaçadas de toda sorte de calamidades, das quais a menos crua será a morte.
«Olinda, 19 de junho de 1711. —André da Cunha.»
Após breve silêncio:
— Meus amigos—disse João da Cunha dobrando a carta e mettendo-a em um dos escaninhos da secretaria—foi menos para tomardes parte no meu prazer, do que na desgraça da patria, que me pareceu mandar chamar-vos a minha casa. Estão consternadoras para nós—os pernambucanos—as coisas publicas. Commandada a força militar por Miguel Corrêa, Manoel Clemente, Euzebio de Oliveira e Antonio de Souza Marinho, mascates conhecidos como odientos por todos nós, aos filhos da terra não nos resta, a meu parecer, outro recurso que o de lançarmos mãos das armas. Devemos accudir com as nossas fabricas e moradores, ao lugar do perigo, e ahi castigar a audacia dos rebeldes. Este recurso deve ser usado sem perda de tempo. Dar pancada mortal na cabeça da cobra peçonhenta.
Não obstante ser mais forte João da Cunha em preconceitos de fidalguia, do que em eloquencia, dote que vem do berço mas que a cultura acrescenta e apura, suas palavras resoaram, como echos de discurso divino nos corações dos amigos.
Entre estes viam-se algùns que eram mais bem versados em letras e em orações incendiarias do que o sargento-mór.
Contava-se neste numero Cosme Bezerra dentre todos os que ali se achavam o mais ardente membro da nobreza, e o que, por sua força de vontade e grandeza de espirito, maior nome deixou nas chornicas do tempo, porque degradado para a India em 1713, d'ahi não voltou mais a sua patria. Era juiz ordinario e capitão de ordenanças. Tinha a presença attractiva e gestos largos e arrebatados.
Cosme Bezerra, que foi dos primeiros que reagiram contra os mercadores, como dos que soffreram as consequencias dessa reação, quiz tomar a mão em seguida do sargento-mór; mas antecipou-se-lhe Manoel de Lacerda, ex-alcaide-mór, emprego que devera a seus longos e distinctos meritos.
— Estou de accôrdo convosco, disse Lacerda a João da Cunha. Querem grande e rude lição esses que só têm recebido de nós hospitalidade e favores? Pois satisfaçamos á sua vontade. Não gosto de violencias; mas quando sagrados direitos andam em perigo, não olho a desastres nem espero pelo dia de amanhã. O fogo, o sangue, a morte não me amedrontam, nem o receio de ser victima na luta me retem no regaço morno da vida domestica.
— Demais, observou Cosme Bezerra, que estava impaciente por manifestar-se sobre o assumpto, nas actuaes circumstancias a guerra é inevitavel. Certo os mascates a esperam. Si nós não formos leval-a a elles, hão de vir elles trazel-a a nós. Das fortalezas passarão ás estradas, e por estas virão ter ás villas mais importantes e enriquecidos, menos pela grandeza do seu trabalho do que do nosso coração e da nossa complacencia projevtam sobre as ruinas da agricultura, levantar em pedestaes de ouro o seu commercio illicito e plebeu. Quem julgar que elles ficam ahi, engana-se. Elles põem a mira em completar a obra do desmoronamento pernambucano, derramando o sangue daquelles que com os nobres portuguezes, e não com a gentalha de Portugal, sustentaram no mar e nos campos de batalha a honra e o poder da lusa monarchia. Hão de ir mais longe ainda, porque em seu bestunto suppoem, e até o dizem, que somos tão selvagens como os indios que elles destruiram ou escravizaram. Armarão ciladas a nossa honra, tentarão manchar nossas familias. Em seus tenebrosos planos, tem mais lugar a idéa de enxovalhar do que a de destruir a fidalguia, que os admitiu em sua terra, levada de dó pela miseria deles. E havemos de consentir em que esta baixeza sem nome se tente praticar ainda que não passe da tentativa? De modo nenhum. Cá por mim estou prestes para a luta e entendo que é tempo de a travar com esses vis e ingratos hospedes.
— Este ponto está fóra de duvidas, acrescentou Filippe Cavalcanti. Mas o essencial é assentarmos nos meios de ferir a batalha. Temos gente prompta para seguir á metropole da capitania? Convirá seguirmos? Ou será mais prudente esperarmos que de lá se nos peça o auxilio das nossas forças? A meu parecer são estes os pontos mais importantes e graves da presente conjunctura.
— E que mais esperaremos? Inquiriu Jorge Cavalcanti. A luva está atirada, e embora nos venha de villão, cumpre-nos apanhal-a para castigarmos a vinlania.
— A nobreza da capital, ajuntou Cosme Bezerra, está ameaçada. A tardança no soccorro poderá trazer males irremediaveis.
Estava neste ponto a discussão, quando Mathias Vidal tomou a mão, e disse:
— Senhores, tudo o que acabo de ouvir de vossas bocas, parece-me inspirado pelo principio da própria conservação de cada um de nós, pela dignidade da nobreza pernambucana, e pelo amor da terra de que os forasteiros querem assenhorear-se. Mas quem nos afiança que não estamos já ameaçados tambem de perdermos as nossas vidas e propriedades? Honroso seria corrermos immediatamente á capital, afim de reforçarmos a sua defeza; mas um dever que me parece superior a todos, exige talvez a nossa presença no seio das nossas familias. Teremos acaso tão seguros estes penhores da nossa estima que possamos, sem risco, deixal-os entregues a si proprios, emquanto vamos auxiliar os nossos parentes e amigos longe d'aqui? Certamente o plano dos forasteiros ficaria abaixo das suas ambições si nelle entrasse o pensamento de só hostilizar a nobreza dos arredores da villa de fresco creada. Tudo ao contrario faz crer que elles conspiram contra a nobreza de toda a provincia, porque sem a destruição total della não poderão ficar senhores de todo paiz. Não moro na vila de Goyanna, mas lá mesmo no meu mato soube que o ouro dos mascates andava por aqui nas mãos de baixos commissarios.
— Tendes razão, tendes razão—disse Manoel de Lacerda. O que dizeis é verdade.
— Antes de montar a cavallo para vir a esta reunião, disse-me um dos meus lavradores que soubera terem sido distribuidos em Goyanna, donde chegava, 14,000 cruzados para a compra de gente que apoie a causa dos mercadores. Si isto é veridico...
— É veridico—disseram muitos dos que se achavam presentes.
— Si assim é, proseguiu Mathias Vidal, não será imprudencia desampararmos nossas casas, que, privadas de nosso encosto e sem nenhum meio de defeza, visto que teremos de levar comnosco as nossas escravaturas, ficarão expostas a grandes desgraças?
A estas palavras que sahiram fracamente dos labios de Mathias Vidal, como d'entre duas pedras cahem gottas de agua nativa, seguiu-se um momento de silencio. Nellas vinha um cunho de madura prudencia que abatia e resfriava os impetos e os éstos dos precedentes oradores. Aqui estava o pai de familia, o agricultor, o matuto, sem exclusão do patriota. A inspiração sensata, a lúcida intuição que adivinhava os perigos proximos, ao mesmo tempo que via os remotos já descobertos, tomaram o lugar aos assomos da soberba de João da Cunha, da valentia de Lacerda, da ardencia de Bezerra, e apresentaram a solução natural do grave problema que os trazia alli reunidos.
— Elle é verdade—disse primeiro o ex-alcaide-mór, como quem cahia em si e via agora de todo clara a situação ha pouco envolvida em densas trevas. Junto, em torno de nós mandatarios disfarçados espreitam os nossos passos para os denunciarem aos mandantes, nossos inimigos.
— Que diz vôce a isto, irmão André? Perguntou Luiz Vidal a André Cavalcanti, que attento ouvira os varios conceitos dos conferentes.
— Digo que o nosso primeiro empenho deve consistir em tratarmos da nossa própria defeza. Estou por isso inteiramente de accordo com o parecer de Mathias Vidal. Quem sabe si dentro de poucas horas não teremos de haver-nos com revolta identica á do Recife.
— Nem devemos esperar coisa differente—disse Jorge Cavalcanti.
— A que fim, senão a este, mandaram para cá os mascates o seu ouro? Observou José de Barros.
— Hontem corria nas lojas e tabernas de Goyanna—disse Manoel de Lacerda, que um motim se preparava contra a nobreza. Antonio Coelho, cuja audacia todos nós sabemos, nunca se mostrou tão derramado em arrogancias e insultos. De noite houve ajuntamento em sua loja, ajuntamento, que só se desfez quando já era noite alta e depois de muitos hurrahs, que resoaram nas vizinhanças. Certo está Antonio Coelho incumbido de dirigir o movimento.
— Bom será que o não percamos de vista, disse João da Cunha.
— Hoje de manhã, passando eu pela frente de sua casa, vi-o fazendo gestos no balcão. Estava, ao parecer, ebrio; não tinha curtido de todo o vinho que bebera na vespera, porque lhe ouvi palavras insultuosas que me iam lançando fóra do caminho da prudencia.
— Que disse elle, Cosme Bezerra? interrogou o sargento-mór.
— Suas insolencias tinham por objeto a vossa propria pessoa. «Hei de ensinar o João da Cunha; é tempo delle pagar o novo e o velho. Hei de ir com minha gente revirar a bagaceira de seu engenho para pôr á mostra a ossada do mascate que elle mandou seus negros matar só porque...»
— Porque? porque? perguntou o sargento-mór, tomado de subita commoção, e fazendo-se livido. Que historia contou o villão?
— Contou que o mascate tinha sido assassinado por se queixar de lhe não terem pago certa quantia.
João da Cunha, sem o querer, tinha-se levantado.
— Querem saber como foi o caso? A mulher de um morador chamou o labrego para lhe comprar não sei que bugigangas, de que elle sahiu pago. Mas como vinha tonto, depressa esqueceu-lhe que tinha recebido a respectiva importancia. Ei-lo que volta e começa de exigir novo pagamento; e porque ninguem sahiu a dar-lhe mais dinheiro, a todos chamou ladrões, sem exceção do senhor do engenho. Dois negros foram-lhe ao encontro e castigaram sem que de ninguem tivessem recebido ordem para isso, a ousadia do mascate. Este cahiu e não se levantou mais. No outro dia vieram dizer-me que amanhecera um homem morto na estrada. Foi então que soube do occorrido. Castiguei os escravos, e mandei sepultar o morto, não na bagaceira, mas na capella. Si o não sepultaram onde eu disse não lhe fizeram injustiça; os animaes do campo enterram-se nos monturos. Mas deixemos a um lado esse vil mascate, e tratemos do que nos deve merecer mais atenção. Que se deve fazer, meus amigos? Devemos ir ao encontro dos rebeldes, ou esperar que elles nos venham buscar a nossas casas?
Após um momento, respondeu o ex-alcaide-mór:
— O que entendo que se deve fazer é cuidar, sem perda de tempo, de pôr em armas cada um de nós a sua gente para o que possa acontecer.
— Sahiremos ou ficaremos?
— Esperaremos prestes para dar-lhes lição tremenda.
— Para andarmos seguros, parece-me conveniente que se mande um proprio, sem perda de tempo, a Olinda, a fim de sabermos dos amigos si são precisos os nossos serviços. A sua resposta nos servirá de guia.
— Acho muito acertado este ultimo alvitre, indicado por Filippe—disse Cosme Bezerra.
— Pois bem, disse João da Cunha. Seja este o nosso primeiro passo.
A sala em que se achavam conferenciando sobre o grave assumpto os principaes vultos da nobreza de Goyanna, tinha janellas que cahiam sobre o pomar. Distante deste algumas braças passava o rio, aquella noite augmentado pelas chuvas dos dias anteriores. De seu natural escasso, volvia agora barrentas e volumosas aguas que estavam lavando as estivas das toscas pontes que o atravessavam.
Mal acabara de falar Cosme Bezerra quando chegou à sala o ruido que produziam as aguas cortadas por um cavalleiro.
Em qualquer engenho nada é mais natural do que semelhantes rumores. Fosse porém, porque se achavam sobreexcitados os espiritos pelo objecto da conversação, fosse porque o rumor tinha o quer que era particular e estranho, o certo é que João da Cunha julgou prudente chegar á janela, a fim de saber quem era que o produzia.
Ao clarão das fogueiras, de que a esse tempo já se atiravam aos ares longas linguas de fogo, reconheceu elle quem chegava.
Voltou-se então para os circumstantes, que guardavam silencio, e lhes disse com certo tom de voz, em que não seria diffícil adivinhar tres impressões diferentes—prazer, incerteza e anciedade:
— Vamos ter noticias frescas de Olinda.
Com pouco um matuto penetrou no aposento onde se estava celebrando a conferencia e entregou a João da Cunha um pacote de papeis.
O matuto era Francisco.