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O Momento Literário/XI

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O eminente Sr. Clóvis Beviláqua manda-me do Recife a seguinte resposta:

"Ainda no colégio, em Fortaleza, dos 12 aos 14 anos, deliciavam-me os versos e as novelas que podia obter. Como é de imaginar-se, o regime do estabelecimento não nos permitia senão a leitura dos livros de lição e uma ou outra leitura anódina. Chegava-me, porém, aos ouvidos o ruído da literatura como o eco de um movimento realizado em mundo longínquo. E, aumentando o meu desejo de conhecer esse mundo ignorado e sedutor, fui conseguindo ler, apesar da vigilância do pessoal administrativo, romances de Dumas, pai, alguns livros de informações como os Varões Ilustres do Brasil, de Pereira da Silva, e outros de certo valor artístico.

Pedro de Queirós deu-me a ler, nesse tempo, o Goethe, mas nessa primeira aproximação não pude compreender as belezas transcendentes do grande poeta.

Passando em 1875 a estudar no liceu, tive mais facilidade de travar conhecimento com os escritores da moda: Gonçalves Dias, Varela, Alencar, Álvares de Azevedo e Castro Alves. Mas, justamente quando me ia docemente engolfando na região fantástica da poesia e do romance com os autores citados e quantos me caíram nas mãos, foi minha atenção despertada pelo movimento literário que então se operava no Ceará e a cuja frente se achavam Rocha Lima, Capistrano de Abreu, Araripe Júnior, João Lopes e Amaro Cavalcanti. Desse grupo foi Rocha Lima o escritor que mais simpaticamente atuou sobre o meu espírito. Por ele comecei a amar a crítica literária e a ter uma compreensão mais verdadeira da literatura. Lendo Taine, Teófilo Braga, Quinet e Luciano Cordeiro, os meus horizontes literários se dilataram e apoderou-se de mim forte desejo de penetrar as literaturas exóticas, isto é, a portuguesa e a francesa, recebendo através desta última o conhecimento dos grandes mestres alemães e ingleses, George Sand, com a sua empolgante Lelia, com o Isidora, o Aldo, a Indiana; Gautier, com o Fortunio e Mle. Maupin; Byron, com o Corsário, Manfredo, Giaur e D. Juan; foram os autores da minha predileção, nessa quadra. Isso quanto a estrangeiros, apesar do muito que me encantava Herculano; entre os nacionais, Alencar tinha para mim o prestígio de uma superioridade ofuscante.

Em 1876 fui continuar os meus estudos no Rio de Janeiro, tendo por companheiros Feijó, que se finou antes de revelar todas as refulgências de seu grande talento; Paula Nei e Silva Jardim. Fui assíduo freqüentador, ao lado deste último, da Biblioteca Municipal, situada então no campo de Santana, esquina da rua Conde d'Eu; mas lia sem método e com pouco aproveitamento. Não fazia seleção nem talvez pudesse fazê-la. Absorvia Hugo e Schiller de mistura com Escrich e consócios; Musset e Lamartine interessavam-me tanto quanto Michelet e Buchner; irmanava Shakespeare e Macedo.

No Rio, começara a interessar-me pelo positivismo, de que davam conhecimento os escritos de Miguel Lemos; mas foi no Recife, para onde me transportei em 1878, que me familiarizei com Littré, cujas obras ainda hoje me ornam a estante e da meditação das quais comecei a extrair uma segura intuição da ordem universal. Por algum tempo o positivismo seduziu-me, e passaram-me pelos olhos, além dos volumes de Comte, os trabalhos de Wyrouboff, Roberty, Bourdeaux, Robinet e Poly. Comecei depois a sentir as falhas do sistema e, ao concluir o meu curso de Direito em 1882, minhas leituras prediletas, em matéria filosófica, eram Haeckel, Spencer, Lange e Soury. Mais tarde é que Schopenhauer, Noiré, Bain, Mill e Wundt haviam de ser estudados.

Com Martins Júnior, Clodoaldo Freitas, João Freitas, Orlando, José Carlos e outros excelentes companheiros, embora me preocupassem as investigações filosóficas, mantinha o culto da literatura amena e da crítica literária. Dos nossos, ia lendo os antigos, os românticos e os naturalistas, que começavam a aparecer com Aluísio, e acompanhava com muito interesse as tentativas de romance histórico, sob a excelente feição de um naturalismo tradicionalista, que ia publicando Franklin Távora. Dos estranhos, Flaubert, os Goncourt, Daudet, Sully Prudhomme, Lecomte de I'Isle, alguns ingleses e italianos, mas principalmente Zola, o romancista e o crítico, eram os autores literários que mais doces emoções me despertavam.

Foi nesse momento que os estudos de Sílvio Romero me fizeram compreender que essa alta função da vida intelectual dos povos — a literatura — somente à luz do critério social e etnográfico se pode bem apreciar.

Depois de concluído o meu curso de Direito foi que, por assim dizer, comecei a interessar-me por essa bela ciência, ao lado da qual passara cinco anos sem lhe perceber os encantos. Devo a Tobias esse inestimável serviço de me ter aberto a inteligência para ver o Direito. Durante o curso acadêmico, estudei apenas para cumprir as minhas obrigações e transitar pelas solenidades escolares sem apoio estranho, mas não podia dedicar afeição profunda a uma ciência na qual não descobria o influxo das idéias que me davam a explicação do mundo.

Incitado pelo ensino de Tobias e guiado por Jhering, vi o direito à luz da filosofia, da sociologia e da história. Savigny, Bluntschli, Roth, Glasson, Cimbali, d'Aguano, Cogliolo e Post, para citar somente os mais característicos, deram-me a educação jurídica.

No Direito Penal, as minhas simpatias se declararam, desde os primeiros momentos, pela terza scuola de Tarde, Alimena e Liszt.

Mas, ainda que a história e a legislação comparada me dessem a contemplação do fenômeno jurídico no seu máximo brilho e em sua plenitude, é bem de ver que eu não me podia segregar do Direito Pátrio, cuja expressão me davam, principalmente, Coelho da Rocha, o mais completo discípulo de Melo Freire, e Teixeira de Freitas, o maior dos nossos jurisconsultos.

Talvez pareça longa esta resposta. Mas não a podia dar mais concisa. A formação de um espírito se faz lentamente, por assimilações e adaptações sucessivas.

A história do espírito de cada um de nós reproduz, em miniatura, a história do pensamento de uma época. Mas eu me resumo, afinal. Os autores que mais contribuíram para a formação do meu espírito foram:

Em Literatura: — Alencar, Taine, Sílvio Romero e Zola.

Em Direito: — Tobias Barreto, Jhering, Post, Savigny e Glasson.

Em Filosofia: — Littré, Comte, Spencer e Haeckel.

II

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Qual das minhas obras prefiro? Julgo-as todas imperfeitas, não simplesmente em relação ao que deviam ser, mas até em relação ao que era lícito esperar que fossem.

Mas, para não fugir à interrogação, direi que o Direito da família e a Criminologia e Direito me satisfazem um tanto mais do que as outras minhas produções; o primeiro, pelas questões de ordem social que me permitiu enfrentar, e a segunda, porque nela pode meu espírito acentuar mais a sua individualidade.

No entanto, o Direito das obrigações é mais sintético do que o Direito da família; se me pedissem um trecho para uma coletânea, eu o iria colher, de preferência, nos Juristas filósofos; e, se fosse falar como técnico, talvez devesse dar a primazia ao Direito das sucessões.

Falo somente das obras jurídicas, porque fiz do Direito a minha especialidade, e portanto são as obras produzidas nesse domínio que devem dar a medida do meu espírito, quaisquer que sejam as minhas predileções literárias ou filosóficas.

III

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Penso que a literatura pátria não atravessa um período estacionário. Os nossos grandes escritores estão em atividade: Sílvio, como Araripe e Veríssimo; Bilac e Neto, como Arinos; Machado de Assis, como Domingos Olímpio ou Euclides da Cunha.

Quer-me parecer que em poesia os moldes estão gastos, porque o artifício matou a espontaneidade do sentimento, mas daí talvez resulte uma vantagem: muitas inteligências deixarão o Parnaso, onde somente os verdadeiros poetas ficarão empunhando a lira eterna das emoções reais.

No romance, a escola naturalista perdeu os tons rudes e as arestas mais ásperas: tornou-se flexível e adaptável a todas as lutas de sentimentos, sejam individuais e íntimos, sejam sociais e externos.

Machado de Assis, Domingos Olímpio, Graça Aranha e Xavier Marques, pois que Inglês de Sousa está recolhido ao silêncio, são os nomes que me vêm à lembrança ao considerar esta nova feição de romance nacional.

O conto é gênero que reclama esforço menor e, por isso mesmo, se mostra mais abundante. Artur Azevedo, Medeiros e Albuquerque, Lúcio de Mendonça, Arinos, Neto, Freire, Neves e tantos outros vibram todas as notas.

Fujo de uma forçosamente deficiente nomenclatura; indico tendências apenas para mostrar que não estacionamos.

IV

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A literatura brasileira é uma só; mas, como as condições do meio físico e da composição étnica não guardam uniformidade em toda a vasta extensão do país, é natural que, em alguns centros, se acentuem variações que, aliás, pela constante permuta de idéias e pela influência recíproca exercida pelos maiores núcleos, tendem a ser assimiladas ou a desaparecer no fim de pouco tempo.

Leitor constante de jornais, não sou muito simpático ao jornalismo. Sem negar-lhe o valor cultural, acho que, em relação aos que nele trabalham, esgota as energias, dispersa os esforços e alimenta a superficialidade; e, em relação aos que nele bebem idéias, mais vezes perturba do que bem orienta, mais vezes agita paixões do que esclarece opiniões.

É uma forte projeção de luz envolvida em densa fumarada."