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O Rio de Janeiro em 1877/III

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Quadro XII

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Cena I

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(Vendedores e Povo, Coro de Vendedores. Segue coro de Povo.)


Boato - Como está tudo deslUmbrante! Só não compra quem não quer. E digam lá que a cidade do Rio de Janeiro não possui a flor da gente para o negócio! Eis-me no meu elemento. Gente! Muita gente é o que eu quero! (A Uma dama que passa.) Dizem que seu marido a atraiçoa...

dama - Isso é Uma calúnia...

Boato - Talvez... mas há vizinhos que o afirmam...

dama - Se fosse verdade... (Retira-se.)

Boato (A Um Padre.) - Posso dar-lhe os parabéns?

Padre - Por quê?! (À direita.) Passe bem...

Espectador - Por cá! Saiba que ainda não me pude safar daqui!... Olha que já é estopada!

Boato - Ora então cuida que se não sabe tudo!

Espectador - Tudo?... O quê?...

Boato - O namoro com Uma figurante da revista... Uma rapariga toda chique que não ganha nada... e só no costume gastou para cima de dois contos de réis!

Espectador - Pois o senhor julga-me capaz dUma asneira dessas?

Boato - Pensa que a não vi!... (Faz a cena cômica mudas do namoro.)

Espectador - O senhor está zombando comigo.

Boato - Tanto como este cavalheiro... (Passa Um Médico.) A... quem vou dar os parabéns...

Médico - A mim?

Boato - Corre que foi Vossa Excelência o primeiro colocado no Concurso de Retórica e Medicina...

Médico - Não me dá novidade nenhUma... isso eu já sabia.

Espectador (À parte.) - Talvez antes do concurso.

Boato - Assistiu?

Espectador - Não pude. Boato - Pois perdeu, porque há muito que se não reúnem seis talentos tão belos... Safe-se... lá vem ela.

Espectador - Ela quem?

Boato - A Amarela, a amiga do Filipe e do Barão do Lavra-deus! Estamos no fim do ano e não quer deixar de nos vir fazer Uma visita. (A Febre Amarela passeia por entre os grupos. Entra Um Engraxate.)

Engraxate - Engraxate... senhores.

Espectador - Lustra-me esse verniz!

Febre Amarela - Para que está dando o que fazer ao pequeno... Vem comigo...

Espectador - Suspenda!

Febre Amarela - Não posso... está rijo demais para o deixar por cá. (Leva o pequeno.)

Espectador - Que desgraça!

Boato - É Um flagelo livrando-nos do outro.

Espectador - Mas por quê não lavam e asseiam estas crianças e as não empregam nUm trabalho útil?

Boato - os senhores deles não querem.

Espectador - os senhores... Pois ainda temos escravatura branca no Brasil?...

Boato - No Brasil, não... Quem as vende são os pais... lá na Europa.

Espectador - Não é possível!

Boato - Pois se quer certificar-se da coisa, leia as Cartas romanas, do Guimarães Júnior, publicadas em folhetins da Gazeta de Notícias, e verá se isso é ou não verdade.

Espectador - E o que faz o governo?

Boato - Ver se se segura no balanço, conforme pode...

Um Homem Gordo (À boca.) - Vossa Senhoria, como bom católico, quer concorrer?

Boato - Para quê?

Homem - Para a compra dUm capacete.

Boato - Para quem?

Homem - Para o senhor bispo... Pode lembrar-se de ir pregar outra vez a Santa Rita como no ano passado, e é bom achar-se prevenido para todas as eventualidades...

Espectador - Mas ouvi falar nUma mitra.

Homem - Por fora!

Boato - Pois Deus o favoreça, irmão... nós somos mitrados demais para cair nessas.

Homem - Paciência... Iremos a outra freguesia... (Sai.)

Espectador - Que maçada!... hein!... Deixaram-nos sem camisa as tais subscrições!

Boato - Lá vem dois indivíduos por quem esperava.

Espectador - Bem sei... Zé Povinho e a Opinião... O senhor tem-se portado mal com ela... procurando estabelecer a desordem no lar.

Boato - A culpa é da minha particular amiga, a Política.

Espectador - Pois faz a sua amiga muito mal.

Cena II

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Os mesmos, Opinião e Zé Povinho


Opinião - Vês, meu tonto... como isto aqui é bonito... É mesmo Um paraíso.

Zé - Para ti... para as minhas algibeiras vai ser provavelmente Um inferno.

Boato - Vou ter com eles.

Espectador - Antes diga-me Uma coisa que ando há muito para saber. (Descem e conversam baixo.)

Opinião - Olhe que lindas popelines.

Vendedor - E mais baratas do que em qualquer outra parte. (os outros Vendedores tossem Todos.)

Zé - Que diabo de catarral é este?

Vendedor - Inveja... Vejam como essa é bonita... Veja contra abanda de luz para apreciar o fio...

Zé - Bom fio...

Vendedor - Desafio a quem vender mais barato e melhor! (Vendedores tossem.)

Zé - Mas o que tem esta gente?

Opinião - Deixa-os lá!... Quanto custa o metro?

Boato - É o que lhe digo... A coisa fez Uma bulha... deu que falar, mas afinal de contas...

Zé - Palavra que nunca vi vender tão barato. (Vendedores tossem.)

Vendedor - Se os colegas soubessem como eu administro as fazendas da minha casa, já não tossiam...

Boato - A polícia mandou recolher Todos de que podem lançar mão, e fez bem... Uma coisa não tem nada com a outra.

Opinião - Bem... Não quero mais nada... Para vender barato, não há como...

Boato - Sociedade com Manel... era como Todos acabavam.

Espectador - Nunca doam as mãos da polícia...

Vendedor - O meu Sócio vai à Alfândega despachar mais fazenda, se quiserem esperar. (Sai o Sócio; no meio da cena escorrega. Boato e Espectador amparam-no.)

Espectador - Escorregou?

Boato - Ia caindo.

Sócio - Esta empresa Gari, que deixa as ruas cheias de casca de bananas... Ora que bonita queda... escorregar nUma banana... Safa! (Ao Boato.) Meu querido amigo Boato, já não é o primeiro favor que lhe devo.. (Sai.)

Boato (À Opinião.) - Então já enfeirou?

Opinião - Falta-me Uma corrente para o relógio... Uma corrente para o leque... Uma corrente para o vestido... Uma corrente para o chapéu... E a minha peça toda é que ainda se não tenham inventado correntes para os maridos.

Zé - Era invenção que adotavam logo todas as mulheres velhas...

Opinião - Pois adotava eu, sem ser tão velha como o senhor me quer fazer.

Boato - Então a senhora queria trazer seu marido preso como os papagaios?

Opinião - E por que não?

Boato - Podia lhe acontecer o mesmo que a um papagaio que eu conheci...

Cena III

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Os mesmos e a Política


Política - Viva a bela reunião! Salve ilustres amigos meus... Parece que me esperavam... tenho aqui, segundo me consta, Um bico d’obra a aviar...(Vendo a casa onde comprou Zé Povinho.) Ah! É ali.

Boato (À parte.) - Deu-lhe o faro e vai pelo caminho mais perto.

Política - Nem sempre vou à França por Tavira. (Encaminha-se para a loja onde aparece o Anjo da Humanidade.)

Anjo - O que pretende?

Política - Quero saber do dono da casa...

Anjo - Nada tem que saber...

Política - Mas eu cUmpro o meu dever...

Anjo - E eu o meu...

Política - Sabe quem eu sou?

Anjo - Sei... E é por isso que lhe digo: respeitem-se os princípios...

Povo - Apoiado! (Anjo retira-se.)

Política - Não encartei a vasa... ficará para outra vez.

Boato (À Política.) - Deixe a coisa por minha conta! (Alto.) Então já sabem que temos crise?

Todos - Crise?

Zé - Bem sabemos... É a crise econômica.

Boato - Engana-se, é crise ministerial...

Zé - Nesse caso, vou-me safando, porque me podem prender para ministro. (Entra Um grupo de velhos.)

Espectador - Aqueles é que são os ministros?

Boato - Nada... São os discípulos da escola noturna, vão ouvir as preleções do Doutor Costa.

Zé - Eu vou também.

Boato - No que sempre aprenderá pelo menos a lavar a casa.

Zé - E depois, se a lavar, quero ir ao teatro

Opinião - E eu também.

Boato - Pois iremos ao teatro.

Quadro XIII

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Cena IV

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Qualquer cenário. Ao levantar o pano, a cena está escura. Entram Zé Povinho, Opinião e Política


Política - Olha que estás hoje mais amolado do que... os artigos sobre a Macaé e Campos.

Zé - Por que diabo está isto a escurecer?

Política - Hoje há eclipse da Lua, meu tolo. Olha, falavas dos teatros. Eles aí vem. (Aparecem os teatros. Espectador nUm camarote.)

Espectador - Não! Lá é que não me pilham! Não saio mais daqui. O Vale fica escamado.

Coro dos teatros

Cena V

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Os mesmos, os Teatros e Um Toureiro


Opinião - Sim, sim; isto é muito cômodo. Em vez de ir a gente aos teatros, os teatros é que vêm à gente.

Zé (Ao São Pedro.) - Quem é você?

São Pedro - Eu sou São Pedro, o mais antigo depois que morreu o meu colega São Januário. Neste ano tenho andado numa faina como não imagina o senhor, mas não tenho feito nada. os três castelos de Espanha foram castelos no ar. As inundações de Portugal não me inundaram de notas. A lâmpada maravilhosa não me alumiou como devia. A filha do fogo pegou fogo. A mulher do saltimbanco foi Uma mulher perdida. Se não fossem A cabana do Pai Tomás e a Jerusalém libertada... O que seria do velho São Pedro?

Espectador - A cabana do Pai Tomás devia ser proibida pela polícia.

São Pedro - Por quê?

Espectador (No camarote.) - Fui ver aquilo e levei comigo os meus escravos. Sublevaram-se Todos! Já não bastava a Lei de 28 de Setembro!

São Pedro - Tive lá Uma Companhia de Lisboa: a que representaram com mais arte foi As intrigas no bairro. O mais... meus amigos, não serviu senão para fazer com que o público lastimasse o caso de Um talento de primeira água.

Zé (Ao Pedro II.) - E o senhor? Quem vem a ser?

Pedro II - Eu sou o teatro Pedro II, o teatro dos extremos, ou o circo dos saltimbancos, ou a sala da grande ópera. Este ano apareceu por lá Uma novidade: as ocarinas sopraram muito, mas não assopraram o público. Depois vieram Fuci, Roles e Mendoros, artistas de primo cartello. Grandes espetáculos a quarenta mil réis por camarote! Lindas óperas, Fausto, Trovador, Aída... Vocês não vieram a Aída?

Espectador - Eu de óperas só conheço A volta de Cogumelo.

Pedro II - Oh! a Aída! A Aída! Que delírio! Que entusiasmo! O Rio de Janeiro era todo Aída! Que furor! A índole deste povo é essencialmente lírica!

São Pedro - Sim, ganhaste muito dinheiro: porém mais hei eu de ganhar com isto. (Tira do bolso Um manuscrito.)

Pedro II - O que é isto?

São Pedro - A viagem ao redor do mundo em oitenta dias. (Mete outra vez no bolso.)

Cassino (Arregalando os olhos.) - Oh! (Empalma o manuscrito. Tossindo e disfarçando, sobe ao pé de Zé Povinho.) Hum... hum... (Dirigindo-se ao Zé Povinho, com volubilidade.) Eu sou o Cassino. Andava dantes maltrapilho e malcheiroso... cheirava a angu. As famílias tinham fugido de mim. os pais não queriam que os filhos me visitassem. A polícia tinha-me os olhos em cima. Andava por lá, apesar de tudo isso, o primeiro cômico nacional... Quando, de repente, Um Homem limpo enfeitou-me, lavou-me, ensaboou-me, almiscarou-me: as famílias voltaram, os filhos obtiveram de novo licença dos pais para visitar-me, a polícia descansou sobre o meu comportamento... Vejam: ando de casaca, gravata branca, chapéu de pasta... Hein? Que lhes pareço?

Espectador - Quem o ouve falar, não o leva preso.

Zé (Ao Ginásio.) - E você quem é, ó pequeno?

Ginásio - Deixe-me, Homem: eu sou Um desgraçado.

Zé - Sim?

Ginásio - Tenho caveira de burro! Não sei o que é! Toda a gente foge de mim. Ninguém me quer!

Neste campo solitário

Onde a desgraça me tem,

Falo - ninguém me responde

Olho - não vejo ninguém.

Andou por lá também alguém e foi de ventas à torneira. Pois se caíram nessa asneira! Quiseram ver se faziam alguma coisa com o Frade Negro...

Opinião - Irra! Frade e negro de mais a mais!

Política - O que é que têm os frades?

Espectador - Lá está a Política a defender os frades!

Ginásio - Nem A porta do Inferno me abriu a do Paraíso! Nem A Irmã do cego... cego estava quem a representou... Nem o Botão d’âncora. Nem nada! Agora vivo entregue aos curiosos... preferia estar entregue à curiosidade... Mas qual! Quem me aparece por lá de vez em quando é a distinta atriz fulana de tal, a fazer benefício, com o concurso do distinto amador...

Todos - Coitado! Pobre Ginásio!

Opinião - E o São Luís onde está? (Ao São Luís.) Agora conte também sua história.

(Ao mesmo tempo.)

São Luís - Apesar de santo como Ginásio - Apesar de ter santos, o São Pedro e de novo como o sem ser santo, e de não ser tão Cassino, sou caipora como o Ginásio novo como o vizinho...

Política - Por quem são, fale cada Um por sua vez; não os ouço...

São Luís - Que quer?... É esta música aqui do lado que nem me deixa ouvir a mim mesmo.

Política - Pois mande parar a música.

São Luís - Não posso. Apesar de lhe ter metido Uma parede de permeio, ficamos sempre de parede-meia.

Política - Pois Senhor Ginásio... Conserve-se agora calado como tem estado depois que se abotoou com o botão.

Ginásio - Que eu julguei ser a minha âncora de salvação.

São Luís - E que ferrou com você à porta, inferi.

Ginásio - Desenganado, recorri finalmente ao patriotismo..

Política - O quê? Pois meteram-me à bulha nos teatros?

Zé - Ora, senhor! Só vejo lágrimas.

Opinião (Ao Alcazar.) - E lá?... Quem é?

Alcazar - Eu sou Santa Isabel.

Pedro II - Olha, morde aqui! Queres passar por Santa Isabel, mas comigo é que não arranjas nada. Tu és, mas é o Alcazar... Podes disfarçar-te como quiseres... hás de ser sempre o Alcazar!

Alcazar - Para que me andas a descobrir? Se aquela gente sabe quem sou, não aparece por lá...

Zé - O que é que nos dá de novo, seu Alcazar-Santa Isabel?

Alcazar - Um drama nacional: A Lei de 28 de Setembro... Não vem?

Zé - Não gosto de semelhante lei... O que há mais?

Alcazar - O casamento da filha de Maria Angu

Todos - Aí...

Santa Isabel - Ah! Não querem nada disto? Vou procurar Um paio que me empreste dinheiro para montar Uma mágica.

Zé - Veja antes se encontra Um mágico que lhe empreste dinheiro para comprar paios e monte Uma venda.

Santa Isabel - O senhor insulta-me!

Zé - Ora vá para o inferno. (À Fênix Dramática.) E a senhora, tão catita, tão levada?

Fênix - Eu sou a Fênix Dramática... Tenho tido bons sucessos, graças a Nossa Senhora do Parto, de quem sou vizinha... Dou Um prêmio a quem provar o contrário, assim como que a cerveja Glória não é a melhor cerveja nacional.O meu empresário sabe onde tem o nariz.

Espectador - Pudera! Um nariz daquele tamanho!

Fênix - Sim, senhor! O que está aí a falar! O meu empresário enxerga Um palmo adiante do nariz!

Espectador - E há de convir que enxerga muito! Um palmo!

Zé (Ao Varietés.) E o menino?

Varietés - Je suis les Varietés

Zé - Ai! mau! Não pode dizer isso em português?

Varietés - Non, mon cher. Je suis tout français..

Zé - Então boa noite. No entende franciú . Não me apanhas nenhUm l’argent. (Ao Circo.) E você, seu gaiato?

Circo - Eu sou o Teatro-circo.

Zé - Ora até que finalmente achei coisa que me sirva! (Abraça o teatro-circo.)

Espectador - É! O Zé Povinho não quer saber senão dos cavalinhos!

Zé - O que me dás para ver? Eu quero coisa boa!

Teatro-Circo - Vais ver. (Mutação. Aparece ao fundo Um pano branco.)

Quadro XIV

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Sombrinhas


(os teatros arranjam-se dos dois lados da cena.)


Zé Povinho (Admirado.)


Teatro-Circo - Vais ver o Blondin! (Passa pelo fundo o Blondin.) A Speltrini! (Passa a Spelterini.) Tony, o imbecil e Bob, o maluco. (Passam.) A romaria ao Vaticano! (Passa pelo fundo Um trem de ferro e, logo depois, sujeitos a correr atrás dele. Passa depois Um Padre.)

Zé - Dois sujeitos a pancadas?...

Espectador - Aquilo é Um duelo de pau ... e chapéu.

Cena VI

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Os mesmos e a Arte


Arte (Ao fundo.) - Zé Povinho!

Zé - Pronto! Quem é Sua Senhoria?

Arte - Eu sou a Arte. (os teatros fogem em debandada, e passam com sombrinha.)

Espectador - O Cassino afasta-se: ao que parece despreza a Arte?

Cassino - Já não tenho arte... Trabalho com artes para agradar.

Espectador - E pensas no grande gênero?

Cassino - No grande e espetaculoso... Nisso de ganhar dinheiro sou como Hamlet... To be or not to be

Espectador - Fale-me em português, se quer que o entenda.

Arte - Zé Povinho, vou-te mostrar Um trabalho digno do teu apreço! Olha e admira! (Rompe-se o pano de fundo e aparece o quadro da Batalha de Avaí. Hino Nacional em surdina. Execução da mutação.)

Política (À esquerda, depois do grupo dos teatros.) - Ora! Tem defeitos.

Arte - Poderá não os achar a Política. (Mutação.)

Quadro XV

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A Imprensa Nacional


Arte - Aqui tens, Zé Povinho, outra obra de arte digna de ti! É Um edifício que honra o país. (A Arte sai.)

Zé - Mas este é mais pequeno que a verdadeira arte. Outro não caberia na porta...

Cena VII

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Política, Zé Povinho e Opinião


Política - Ficaste embasbacado, meu tolo! Sempre és muito lorpa! Pois, anda daí, vem ver como ressurjo os mortos!

Opinião - Ressurge os mortos! Credo!

Política - Acompanhas-me?

Zé - Como não? Se minha mulher já tivesse morrido é que me não pilhavas lá!

Política - Vamos! (Saem.)

Cena VIII

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Uma Russa, seguida por algumas pessoas do povo


Russa (Lendo.) - Mais la femme és la más perfeta creatin of the God!

Todos - Basta! Basta! Ó Senhor! Que maçada!

Espectador - O que é isto?

Russa - La femme...

Todos - Basta! Basta! (A Russa continua a falar ao povo, que protesta e foge. Espectador salta ao palco.)

Espectador - Nada! Eu quero saber o que é isto! Não está bem explicado! (Agarra Um Homem do povo que vai saindo por último.) Diga-me: o que é isto?

Homem- É Uma literata lá da Sibéria!..

Espectador - Pois olhe: é bem quente!

Homem - Fez-nos, no Teatro São Pedro, Uma leitura impossível sobre a mulher...

Espectador - E sobre o Homem? Não disse nada?

Homem - Saímos desesperados do teatro, e ela entrou a perseguir-nos. Quero ver no que dá isto. (Sai a correr.)

Espectador - Que diabo de mulher! O que vem a ser isto!

Cena IX

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Espectador, Um Sujeito e Telefone


Sujeito (Com o fio e a trombeta do Telefone.) Arrede-se, sim, arrede-se! Ando a fazer experiências do Telefone.

Espectador - O Telefone!

Sujeito (Falando pelo telefone.) - Congratulo-me por este melhoramento...

O Telefone - Bem, muito obrigado!

Sujeito - Bem; vou para mais longe. (Sai a correr: pouco depois passa o indivíduo que leva a outra extremidade.)

Cena X

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Espectador e Conservador (Com Um regador na mão, esbarra no Espectador.)


Espectador - Olá! Não vê por onde anda?

Conservador - Desculpe, que me caíram as cangalhas.

Espectador - Pode-se saber onde vai com tanta pressa?

Conservador - Onde vou?! Pois o senhor não sabe que sou o Conservador?

Espectador - Então não tem podido ser liberal...

Conservador - Tenho poupado o que me tem sido possível... mas o senhor não entendeu... e sou o Conservador do passeio...

Espectador - É bom vadio.

Conservador - Não me entendeu ainda... do passeio...

Espectador- Público... e notório é isso.

Conservador - Vou regar, varrer, podar, limpar, pintar... Tenho pintado o sete, mas obrigam-me agora a pintar a grade...

Espectador - Para agradar, pinte; e para pintar, agrade.

Conservador - Não há remédio! Ergueram a vassoura a altura de Um princípio! - Adeus, adeus, que já está nomeado o Homem do fogo para dar parecer sobre aquilo. (Ouvem-se grandes sopros. O Espectador e o Conservador caem no chão.) O que é isto? (Entra Tufão, e canta a ária do Eólo na Filha do Ar.)

Espectador - É Um Tufão. (Levantam-se.) Não se machucou?

Conservador - Nada, eu sou Um alho...

Espectador (Assobia.) - Alho.

Conservador - Quer vir até cá?

Espectador - Vamos; não tenho que nada que fazer... não sou da peça... (Saem. Mutação.)

Quadro XVI

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Cemitério


Política, Zé Povinho e Opinião


Política - Eis-nos chegados!

Os Dois - Chegados somos!

Opinião (Assustada.) - Ai!

Política - Conduzi-vos aqui para vos mostrar o meu poder sobre os mortos!

Zé - Até sobre os mortos! A Política é dos trezentos!

Política - Vou ressurgir a briosa Guarda Nacional! Vede e pasmai! (Faz acenos. Com grande susto de Zé e Opinião, entram a sair dos túmulos primeiro - oficiais superiores, depois soldados rasos da Guarda Nacional. Marcha fúnebre que descai em marcha bélica. Grande desfilada.)

Zé - Mas eu já vi esta revista de tropas noutra Revista. (Saem Todos ao som da marcha.)

Cena XI

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(Entra Um indivíduo embuçado dos pés à cabeça; depois outro; segredam-se. Entram a pouco e pouco outros indivíduos. Segredinhos, etc. A orquestra toca a introdução do Coro dos Conspiradores da Madame Angot; os embuçados preparam-se a cantar, mas dizem apenas psiu e saem, ficando apenas um em cena, que é Boato)

Boato - E finda-se o ano sem que se saiba qual é o novo ministério. (Sai.)

Cena XII

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Febre Amarela e Canal do Mangue


Febre - É o diabo com botas! Que contas hei de dar de mim? Tu é que tiveste a culpa! Maldito Canal do Mangue!

Canal - Eu! Estou aterrado!

Febre - Meti-me de amores contigo; gastei todo o meu tempo em pândegas, e esqueci-me de matar alguém. É o diabo!

Canal - Mas...

Febre - Vem daí, vem daí, meu sedutor! Agora só para o ano! (Saem.)

Quadro XVII

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Cena XIII

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Sala


Opinião e Zé Povinho entram com malas


Zé - Basta de vadiação! Vamos! Vamos!

Opinião - Não percamos nem mais Um instante! Um ano de pândega! (Vão a sair.)

Cena XIV

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Os mesmos e Anjo da Humanidade (Com algUmas coroas na mão.)


Anjo - Um instante! Antes de partir, venham comigo depositar coroas nos altares dos heróis que engrandeceram a pátria com o talento e as virtudes, e que nos foram arrebatados pela Morte neste maldito ano que finda. Ao Panteon dos Brasileiros, que bem mereceram da pátria. (Saem. Mutação.)

Quadro XVIII

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Panteon


Pompeu, Pinheiro, Guimarães, Alencar, Gomes de Souza, Zacarias


Anjo- Agora, que acabamos de cUmprir Um santo dever de gratidão saudemos a aurora do ano novo, para que só traga ao Brasil alegrias, progresso e glória.

Apoteose.


(Fim da peça.)


FIM