O Saci (8ª edição)/18
XVIII
O urutáu
E’ uma ave noturna que geme uns gemidos tão lamentosos que não ha quem não se impressione. Tem a cabeça larga e chata, olhos vivos e a maior boca que se conhece, boca que se abre até aos olhos.
De côr parda, com pequenas listas mais escuras. A côr das suas penas permite que de tal maneira o Urutáu se confunda com a casca do galho onde pousa, que se torna muito dificil de ser caçado. Mas quando o caçador o percebe, então nada mais facil, porque o Urutáu nunca se defende dos tiros. Deixa que o caçador se aproxime e durma na pontaria. E se o primeiro tiro erra, ele não foge. Apenas encolhe-se, continuando quietinho no mesmo lugar.
— Que exquisitice! exclamou Pedrinho. Mas que outras coisas faz ele?
— Nada. O coitado não faz nada. Toda a fama lhe vem do seu canto triste. Tão triste e plangente é esse canto, que transtorna a cabeça dos que o ouvem. Cria o medo — e o medo por sua vez cria uma porção de coisas. Uns dizem que o Urutáu é alma penada duma criatura que morreu na forca; outros dizem que é a encarnação dum grande criminoso que está pagando um grande crime.
Os indios acreditam que se a gente cortar as asas e quebrar as pernas de um Urutáu durante a noite, no dia seguinte ele amanhece perfeito. Acreditam ainda que quem arremeda o canto do Urutáu morre queimado dentro de tres dias. Outros afirmam que tudo o que uma pessoa escreve com uma pena de Urutáu se realiza infalivelmente.
— E é verdade isso?
— E´ para os que acreditam, e não é para os que não acreditam. Tudo na vida é assim, e portanto tudo na vida é ao mesmo tempo verdade e mentira.
— Chega de filosofia e de Urutáu, disse Pedrinho. Conte agora alguma coisa do Jurupari.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

