O Saci (8ª edição)/17
XVII
O Uirapurú
O Uirapurú exerce uma atração fortissima, mas de um modo diferente do Cauré. Este atrai pelo terror. O Uirapurú atrai pelo encanto. E´ um passaro bem pequeno, um pouco menor que o canario, que tem o dom de seduzir e enlevar todas as outras aves.
— Que pena não existir Uirapurús por aqui! murmurou Pedrinho. Dizem que só é encontrado nas matas da Amazonia.
— Sim, só lá, onde é considerado a maravilha da floresta. Feinho, o coitado, mas cantor sem igual. Assim que abre o bico e solta a sua musica, a floresta inteira pára. Animais de todos os tamanhos, sejam onças ou antas, aves, desde a arara até o beija-flor, e bichinhos — aranhas, formigas, carrapatos, tudo pára á escuta da musica sem igual.
— Que maravilha ha de ser esse passarinho feio! Com certeza onde ele anda os animais logo se juntam.
— Assim é. Onde está o Uirapurú, reunidos estão todos os bichos das redondezas; e como é assim, os homens, que na minha opinião são os bichos mais estupidos que existem, fazem ao pobre passarinho a maior das guerras.
— Guerra? Como guerra?!...
— Caçam os coitadinhos para transforma-los em amuletos. O Uirapurú, só porque canta assim dessa maneira maravilhosa, está condenado a desaparecer. Já são bastante raros, e mais raros ainda ficarão. Ha caçadores que passam semanas inteiras nas matas perseguindo os tristes cantores, para lhes vender os corpinhos secos nos mercados...
— Não vale a pena possuir grandes dons, disse Pedrinho pensativo. Eu, se fosse passarinho, queria ser tico-tico. E´ feio, não canta e porisso vive sossegado. Nenhum caçador faz caso dele.
— E´ verdade isso. Todas as criaturas belas são perseguidas; os beija-flores, para enfeite dos chapeus das mulheres; os tucanos, por causa das lindas penas. Mas aos bichos horrendos os homens deixam em paz.
— Os urubús, por exemplo.
— Sim. Quem caça urubú, essa fedorenta ave? Ninguem. Eles são protegidos justamente por serem nojentos.
— E o Urutáu? Por falar em urubú me lembrei do Urutáu. Um u puxa outro. Que me conta do Urutáu?
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.