O Saci (8ª edição)/8

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VIII

A onça


O miado soou de novo, desta vez bem perto, e logo depois surgiu por entre as folhas a cabeça de uma formidavel onça pintada. Era um animal de extrema beleza, quasi tão grande como o tigre de Bengala. Parou; farejou o ar. Depois ergueu os olhos para a arvore. Dando com o menino e o saci lá em cima, soltou um rugido de satisfação, como quem diz: "Achei o meu jantar!" E tentou subir á arvore. Vendo que isso lhe era impossivel, sacudiu o tronco tão violentamente que por um triz Pedrinho não veio abaixo, como se fosse jaca madura. Mas não caiu, e a onça, desanimada, resolveu esperar que ele descesse. Sentou-se nas patas traseiras e ali ficou imovel, só movendo a cauda e passando de quando em quando a lingua pelos beiços.

— Ela é capaz de permanecer nessa posição tres dias e tres noites, disse o saci. Temos que inventar um meio de afugenta-la.

Olhou em redor, examinando as arvores como quem está com uma ideia na cabeça. Depois saltou para a mais proxima e foi de copa em copa até uma que estava cheia de grandes vagens. Escolheu meia duzia das mais secas e voltou para junto do menino.

— Apare nas mãos o pó que vou deixar cair destas vagens, disse ele, abrindo com os dentes uma delas.

Pedrinho estendeu as mãos em fórma de cuia e o saci sacudiu dentro um pó amarelado.

— Bem. Agora derrame este pó bem a prumo, de modo que vá cair bem em cima da cara da onça.

Pedrinho colocou-se em linha vertical com a fera e derramou de um jacto o punhado de pó.

Foi uma beleza aquilo! Quando o pó caiu sobre os olhos da onça, ela deu tamanho pinote que foi parar a cinco metros de distancia, sumindo-se em seguida pelo mato a dentro, a urrar de dor e a esfregar os olhos como se quisesse arranca-los.

Pedrinho deu uma risada gostosa.

— Que diabo de pó é este, amigo saci? perguntou. Vejo que vale mais que uma boa carabina...

— Isto se chama pó-de-mico. Arde nos olhos como pimenta e dá na pele uma tal coceira que a vitima até se coçará com um ralo de ralar côco, se encontrar algum pelo caminho.

Pedrinho escorregou da arvore abaixo, ainda a rir-se da pobre onça. Mas não se riu por muito tempo. Mal tinha dado alguns passos, recuou espavorido.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.