O Saci (8ª edição)/9

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IX

A sucuri


UM monstro! Acuda, saci! Um monstro com corpo de cobra e cabeça de boi!... gritou Pedrinho, trepando de novo no guarantã com velocidade ainda maior do que da primeira vez.

O saci foi ver o que era e voltou dizendo:

— E´ uma sucuri que acaba de engulir um boi. Desça que não ha perigo. Ela está dormindo e dormirá assim dois ou tres meses até que o boi esteja digerido.

Apesar da confiança que o saci lhe merecia, o menino foi pulando de arvore em arvore para só descer a cem passos dali. Mas como a tentação de ver a sucuri fosse grande, foi voltando, voltando, até chegar em ponto de onde pudesse observa-la á vontade.

Era das maiores que se poderiam encontrar, devendo ter pelo menos uns trinta metros de comprimento e a grossura da cabeça de um homem. Pedrinho não podia compreender como um boi inteiro pudesse caber dentro dela.

— Muito simples, explicou o saci. A sucuri enlaça o boi, quebra-lhe todos os ossos e amassa-o de tal maneira que o torna comprido como um chouriço. Depois cobre-lhe o corpo de uma baba muito lisa, e começa a enguli-lo lentamente. Vai indo, vai indo, até que dá com ele inteiro no estomago; só ficam de fora a cabeça e os chifres. E leva meses assim, até que a digestão se complete. Quando está nesse estado, a sucuri não oferece perigo nenhum, porque fica inerte e caida em estado de sonolencia.

E não foi só essa cobra que Pedrinho conheceu naquele dia. Logo depois ouviu ruido seco de guizos e viu uma cascavel passar por ele, muito aflita, como que fugindo de algum inimigo.

— Que será que a está perseguindo? indagou ele.

— Alguma mussurana, respondeu o saci. As mussuranas são cobras sem veneno que só se alimentam de cobras venenosas. Lá vem uma!

De fato, uma mussurana de côr escura surgiu no rasto da cascavel, que foi alcançada logo adiante.

Luta terrivel! Pedrinho nunca imaginou um tal espetaculo. A mussurana enleou-se na cascavel e as duas rebolaram no chão como minhocas loucas. Muito tempo estiveram assim. Finalmente a cascavel sucumbiu, sufocada, e a mussurana enguliu-a inteirinha, apesar de serem ambas do mesmo tamanho.

— Que horror! exclamou Pedrinho. A vida nesta floresta não tem sossego. Só agora compreendo por que os animais selvagens são tão ariscos. A vida deles corre um risco permanente, de modo que só escapam os que estão com todos os sentidos sempre alerta.

— E´ o que os sabios chamam a luta pela vida. Uma criatura vive da outra. Um come o outro. Mas para que uma criatura possa comer outra, é preciso que seja mais forte — do contrario vai comer e sai comida.

— Mais forte só?

— Mais forte ou mais esperta. Aqui na mata todos procuram ser fortes. Os que não conseguem ser fortes, tratam de ser espertos. Na maior parte dos casos a esperteza vale mais do que a força. Os sacis, por exemplo, não são fortes mas ninguem os vence em esperteza.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.