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O Segredo de Augusta/IV

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No dia seguinte o primeiro cuidado de Vasconcellos foi consultar o coração de Adelaide. Queria porém fazêl-o na ausencia de Augusta. Felizmente esta precisava de ir ver á rua da Quitanda umas fazendas novas, e sahio com o cunhado, deixando a Vasconcellos toda a liberdade.

Como os leitores já sabem, Adelaide queria muito ao pai, e era capaz de fazer por elle tudo. Era, além d’isso, um excellente coração. Vasconcellos contava com essas duas forças.

— Vem cá, Adelaide, disse elle entrando na sala; sabes quantos annos tens?

— Tenho quinze.

— Sabes quantos annos tem tua mãi?

— Vinte e sete, não é?

— Tem trinta; quer dizer que tua mãi casou-se com quinze annos.

Vasconcellos parou, afim de ver o effeito que produzião estas palavras; mas foi inutil a expectativa; Adelaide não comprehendeu nada.

O pai continuou:

— Não pensaste no casamento?

A menina corou muito, hesitou em fallar, mas como o pai instasse, respondeu:

— Qual, papai! eu não quero casar,..

—. Não queres casar? É boa! porque?

— Porque não tenho vontade, e vivo bem aqui.

— Mas tu pódes casar e continuar a viver aqui...

— Bem; mas não tenho vontade.

— Anda lá... Amas alguem, confessa.

— Não me pergunte isso, papai... eu não amo ninguem.

A linguagem de Adelaide era tão sincera, que Vasconcellos não podia duvidar.

— Ella falla a verdade, pensou elle; é inutil tentar por esse lado...

Adelaide sentou-se ao pé d’elle, e disse:

— Portanto, meu paizinho, não fallemos mais n’isso...

— Fallemos, minha filha; tu és criança, não sabes calcular. Imagina que eu e tua mãi morremos amanhã. Quem te ha de amparar? Só um marido.

— Mas se eu não gosto de ninguem...

— Por ora; mas has de vir a gostar se o noivo fôr um bonito rapaz, de bom coração... Eu já escolhi um que te ama muito, e a quem tu has de amar.

Adelaide estremeceu.

— Eu? disse ella. Mas... quem é?

— É o Gomes.

— Não o amo, meu pai...

— Agora, creio; mas não negas que elle é digno de ser amado. Dentro de dous mezes estás apaixonada por elle.

Adelaide não disse palavra. Curvou a cabeça e começou a torcer nos dedos uma das suas tranças bastas e negras. O seio arfava-lhe com força; a menina tinha os olhos cravados no tapete.

— Vamos, está decidido, não? perguntou Vasconcellos.

— Mas, papai, e se eu fôr infeliz?...

— Isso é impossivel, minha filha; has de ser muito feliz; e has de amar muito a teu marido.

— Oh! papai, disse-lhe Adelaide com os olhos rasos de agua, peço-lhe que não me case ainda...

— Adelaide, o primeiro dever de uma filha é obedecer a seu pai, e eu sou teu pai. Quero que te cases com o Gomes; has de casar.

Estas palavras, para terem todo o effeito, devião ser seguidas de uma retirada rapida. Vasconcellos comprehendeu isso, e sahio da sala deixando Adelaide na maior desolação.

Adelaide não amava ninguem. A sua recusa não tinha por ponto de partida nenhum outro amor; tambem não era resultado de aversão que tivesse pelo seu pretendente.

A menina sentia simplesmente uma total indifferença pelo rapaz.

N’estas condições o casamento não deixava de ser uma odiosa imposição.

Mas que faria Adelaide? a quem recorreria?

Recorreu ás lagrimas.

Quanto a Vasconcellos, subio ao gabinete e escreveu as seguintes linhas ao futuro genro:

« Tudo caminha bem; autoriso-te a vires fazer côrte á pequena, e espero que dentro de dous mezes o casamento esteja concluido. »

Fechou a carta e mandou-a.

Pouco depois voltárão de fóra Augusta e Lourenço.

Emquanto Augusta subio para o quarto da toilette para mudar de roupa, Lourenço foi ter com Adelaide, que estava no jardim.

Reparou que ella tinha os olhos vermelhos, e inquirio a causa; mas a moça negou que fosse de chorar.

Lourenço não acreditou nas palavras da sobrinha, e instou com ella para que lhe contasse o que havia.

Adelaide tinha grande confiança no tio, até por causa da sua rudeza de maneiras. No fim de alguns minutos de instancias, Adelaide contou a Lourenço a scena com o pai.

— Então, é por isso que estás chorando, pequena?

— Pois então? Como fugir ao casamento?

— Descansa, não te casarás; eu te prometto que não te has de casar...

A moça sentio um estremecimento de alegria.

— Promette, meu tio, que ha de convencer a papai?

— Hei de vencêl-o ou convencêl-o, não importa; tu não te has de casar. Teu pai é um tolo.

Lourenço subio ao gabinete de Vasconcellos, exactamente no momento em que este se dispunha a sahir.

— Vais sahir? perguntou-lhe Lourenço.

— Vou.

— Preciso fallar-te.

Lourenço sentou-se; e Vasconcellos, que já tinha o chapéo na cabeça, esperou de pé que elle fallasse.

— Senta-te, disse Lourenço.

Vascóncellos sentou-se.

— Ha dezeseis annos...

— Começas de muito longe; vê se abrevias uma meia duzia de annos, sem o que não prometto ouvir o que me vais dizer.

— Ha dezeseis annos, continuou Lourenço, que és casado; mas a differença entre o primeiro dia e o dia de hoje é grande.

— Naturalmente, disse Vasconcellos. Tempora mutantur et...

— N’aquelle tempo, continuou Lourenço, dizias que encontráras um paraiso, o verdadeiro paraiso, e foste durante dous ou tres annos o modelo dos maridos. Depois mudaste completamente; e o paraiso tornar-se-hia verdadeiro inferno se tua mulher não fosse tão indifferente e fria como é, evitando assim as mais terriveis scenas domesticas.

— Mas, Lourenço, que tens com isso?

— Nada; nem é d’isso que vou fallar-te. O que me interessa é que não sacrifiques tua filha por um capricho, entregando-a a um dos teus companheiros de vida solta...

Vasconcellos levantou-se :

— Estás doudo! disse elle.

— Estou calmo, e dou-te o prudente conselho de não sacrificares tua filha a um libertino.

— Gomes não é libertino; teve uma vida de rapaz, é verdade, mas gosta de Adelaide, e reformou-se completamente. É um bom casamento, e por isso acho que todos devemos aceital-o. É a minha vontade, e n’esta casa quem manda sou eu.

Lourenço procurou fallar ainda, mas Vasconcellos já ia longe.

— Que fazer? pensou Lourenço.