O Segredo de Augusta/VI
Lourenço não teve conhecimento da scena entre o irmão e a cunhada, e depois da teima de Vasconcellos resolveu nada mais dizer; entretanto, como queria muito á sobrinha, e não queria vêl-a entregue a um homem de costumes que elle reprovava, Lourenço esperou que a situação tomasse caracter mais decisivo para assumir mais activo papel.
Mas, afim de não perder tempo, e poder usar alguma arma poderosa, Lourenço tratou de instaurar uma pesquiza mediante a qual pudesse colher informações minuciosas ácerca de Gomes.
Este cuidava que o casamento era cousa decidida, e não perdia um só dia na conquista de Adelaide.
Notou, porém, que Augusta tornava-se mais fria e indifferente, sem causa que elle conhecesse, e entrou-lhe no espirito a suspeita de que viesse d’alli alguma opposição.
Quanto a Vasconcellos, desanimado pela scena da toilette, esperou melhores dias, e contou sobretudo com o imperio da necessidade.
Um dia, porém, exactamente quarenta e oito horas depois da grande discussão com Augusta, Vasconcellos fez dentro de si esta pergunta:
— Augusta recusa a mão de Adelaide para o Gomes; porque?
De pergunta em pergunta, de deducção em deducção, abrio-se no espirito de Vasconcellos campo para uma suspeita dolorosa.
— Amal-o-ha ella? perguntou elle a si proprio.
Depois, como se o abysmo attrahisse o abysmo, e uma suspeita reclamasse outra, Vasconcellos perguntou:
— Ter-se-hião elles amado algum tempo?
Pela primeira vez, Vasconcellos sentio morder-lhe no coração a serpe do ciume.
Do ciume digo eu, por euphemismo; não sei se aquillo era ciume; era amor-proprio offendido.
As suspeitas de Vasconcellos terião razão?
Devo dizer a verdade; não tinhão. Augusta era vaidosa, mas era fiel ao infiel marido; e isso por dous motivos: um de consciencia, outro de temperamento. Ainda que ella não estivesse convencida do seu dever de esposa, é certo que nunca trahiria o juramento conjugal. Não era feita para as paixões, a não serem as paixões ridiculas que a vaidade impõe. Ella amava antes de tudo a sua propria belleza; o seu melhor amigo era o que dissesse que ella era mais bella entre as mulheres; mas se lhe dava a sua amizade, não lhe daria nunca o coração; isso a salvava.
A verdade é esta; mas quem o diria a Vasconcellos? Uma vez suspeitoso de que a sua honra estava afectada, Vasconcellos começou a recapitular toda a sua vida. Gomes frequentava a sua casa ha seis annos, e tinha n’ella plena liberdade. A trahição era facil. Vasconcellos entrou a recordar as palavras, os gestos, os olhares, tudo que antes lhe foi indifferente, e que n’aquelle momento tomava um caracter suspeitoso.
Dous dias andou Vasconcellos cheio d’este pensamento. Não sahia de casa. Quando Gomes chegava, Vasconcellos observava a mulher com desusada persistencia; a propria frieza com que ella recebia o rapaz era aos olhos do marido uma prova do delicto.
Estava n’isto, quando na manhã do terceiro dia (Vasconcellos já se levantava cedo) entrou-lhe no gabinete o irmão, sempre com o ar selvagem do costume.
A presença de Lourenço inspirou a Vasconcellos a idéa de contar-lhe tudo.
Lourenço era um homem de bom senso, e em caso de necessidade era um apoio.
O irmão ouvio tudo quanto Vasconcellos contou, e concluindo este, rompeu o seu silencio com estas palavras:
— Tudo isso é uma tolice; se tua mulher recusa o casamento, será por qualquer outro motivo que não esse.
— Mas é o casamento com o Gomes que ella recusa.
— Sim, porque lhe fallaste no Gomes; falla-lhe em outro, talvez recuse do mesmo modo. Ha de haver outro motivo; talvez Adelaide lhe contasse, talvez lhe pedisse para oppôr-se, porque tua filha não ama o rapaz, e não póde casar com elle.
— Não casará...
— Não só por isso, mas até porque...
— Acaba.
— Até porque este casamento é uma especulação do Gomes.
— Uma especulação? perguntou Vasconcellos.
— Igual á tua, disse Lourenço. Tu dás-lhe a filha com os olhos na fortuna delle; elle aceita-a com os olhos na tua fortuna...
— Mas elle possue...
— Não possue nada; está arruinado como tu. Indaguei e soube da verdade. Quer naturalmente continuar a mesma vida dissipada que teve até hoje, e a tua fortuna é um meio...
— Estás certo d’isso?
— Certissimo!...
Vasconcellos ficou aterrado. No meio de todas as suspeitas, ainda lhe restava a esperança de ver a sua honra salva, e realisado aquelle negocio que lhe daria uma excellente situação.
Mas a revelação de Lourenço matou-o.
— Se queres uma prova, manda chamal-o, e dize-lhe que estás pobre, e por isso lhe recusas a filha; observa-o bem, e verás o effeito que as tuas palavras lhe hão de produzir.
Não foi preciso mandar chamar o pretendente. D’ahi a uma hora apresentou-se elle em casa de Vasconcellos.
Vasconcellos mandou-o subir ao gabinete.