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O Segredo de Augusta/VII

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Logo depois dos primeiros comprimentos Vasconcellos disse:

— Ia mandar chamar-te.

— Ah! para que? perguntou Gomes.

— Para conversarmos ácerca do... casamento.

— Ah! ha algum obstaculo?

— Conversemos.

Gomes tornou-se mais serio; entrevia alguma dificuldade grande.

Vasconcellos tomou a palavra.

— Ha circumstancias, disse elle, que devem ser bem definidas, para que se possa comprehender bem...

— É a minha opinião.

— Amas minha filha?

— Quantas vezes queres que t’o diga?

— O teu amor está acima de todas as circumstancias?...

— De todas, salvo aquellas que entenderem com a felicidade d’ella.

— Devemos ser francos; além de amigo que sempre foste, és agora quasi meu filho... A discrição entre nós seria indiscreta...

— Sem duvida! respondeu Gomes.

— Vim a saber que os meus negocios parão mal; as despezas que fiz alterárão profundamente a economia da minha vida, de modo que eu não te minto dizendo que estou pobre.

Gomes reprimio uma careta.

— Adelaide, continuou Vasconcellos, não tem fortuna, não terá mesmo dote; é apenas uma mulher que eu te dou. O que te afianço é que é um anjo, e que ha de ser excellente esposa.

Vasconcellos calou-se, e o seu olhar cravado no rapaz parecia querer arrancar-lhe das feições as impressões da alma.

Gomes devia responder; mas durante alguns minutos houve entre ambos um profundo silencio.

Emfim o pretendente tomou a palavra.

— Aprecio, disse elle, a tua franqueza, e usarei de franqueza igual.

— Não peço outra cousa...

— Não foi por certo o dinheiro que me inspirou este amor; creio que me farás a justiça de crer que eu estou acima d’essas considerações. Além de que, no dia em que eu te pedi a querida do meu coração, acreditava estar rico.

— Acreditavas?

— Escuta. Só hontem é que o meu procurador me communicou o estado dos meus negocios.

— Máo?

— Se fosse isso apenas! Mas imagina que ha seis mezes estou vivendo pelos esforços inauditos que o meu procurador fez para apurar algum dinheiro, pois que elle não tinha animo de dizer-me a verdade. Hontem soube tudo!

— Ah!

— Calcula qual é o desespero de um homem que acredita estar bem, e reconhece um dia que não tem nada!

— Imagino por mim!

— Entrei alegre aqui, porque a alegria que eu ainda tenho reside n’esta casa; mas a verdade é que estou à beira de um abysmo. A sorte castigou-nos a um tempo...

Depois d’esta narração, que Vasconcellos ouvio sem pestanejar, Gomes entrou no ponto mais difficil da questão.

— Aprecio a tua franqueza, e aceito tua filha sem fortuna; tambem eu não tenho, mas ainda me restão forças para trabalhar.

— Aceitas?

— Escuta. Aceito D. Adelaide, mediante uma condição; é que ella queira esperar algum tempo, afim de que eu comece a minha vida. Pretendo ir ao governo e pedir um lugar qualquer, se é que ainda me lembro do que aprendi na escola... Apenas tenha começado a vida, cá virei buscal-a. Queres?

— Se ella consentir, disse Vasconcellos abraçando esta taboa de salvação, é cousa decidida.

Gomes continuou:

— Bem, fallarás n’isso amanhã, e mandar-me-has resposta. Ah! se eu tivesse ainda a minha fortuna! Era agora que eu queria provar-te a minha estima!

— Bem, ficamos n’isto

— Espero a tua resposta.

E despedírão-se.

Vasconcellos ficou fazendo esta reflexão:

— De tudo quanto elle disse só acredito que já não tem nada. Mas é inutil esperar: duro com duro não faz bom muro.

Pela sua parte Gomes desceu a escada dizendo comsigo:

— O que acho singular é que estando pobre viesse dizer-m’o assim tão anticipadamente quando eu estava cahido. Mas esperarás debalde: duas metades de cavallo não fazem um cavallo.

Vasconcellos desceu.

A sua intenção era communicar a Augusta o resultado da conversa com o pretendente. Uma cousa, porém, o embaraçava: era a insistencia de Augusta em não consentir no casamento de Adelaide, sem dar nenhuma razão da recusa.

Ia pensando n’isto, quando, ao atravessar a sala de espera, ouvio vozes na sala de visitas.

Era Augusta que conversava com Carlota.

Ia entrar quando estas palavras lhe chegárão ao ouvido:

— Mas Adelaide é muito criança.

Era a voz de Augusta.

— Criança! disse Carlota.

— Sim; não está em idade de casar.

— Mas eu no teu caso não punha embargos ao casamento, ainda que fosse d’aqui a alguns mezes, porque o Gomes não me parece máo rapaz...

— Não é; mas emfim eu não quero que Adelaide se case.

Vasconcellos collou o ouvido á fechadura, e temia perder uma só palavra do dialogo.

— O que eu não comprehendo, disse Carlota, é a tua insistencia. Mais tarde ou mais cedo Adelaide ha de vir a casar-se.

— Oh! o mais tarde possivel, disse Augusta.

Houve um silencio.

Vasconcellos estava impaciente.

— Ah! continuou Augusta, se soubesses o terror que me dá a idéa do casamento de Adelaide.

— Porque, meu Deos?

— Porque, Carlota? Tu pensas em tudo, menos n’uma cousa. Eu tenho medo por causa dos filhos d’ella que serão meus netos! A idéa de ser avó é horrivel, Carlota.

Vasconcellos respirou, e abrio a porta.

— Ah! disse Augusta.

Vasconcellos comprimentou Carlota, e apenas esta sahio, voutou-se para a mulher, e disse:

— Ouvi a tua conversa com aquella mulher...

— Não era segredo; mas... que ouviste?

Vasconcellos respondeu sorrindo:

— Ouvi a causa dos teus terrores. Não cuidei nunca que o amor da propria belleza pudesse levar a tamanho egoismo. O casamento com o Gomes não se realisa; mas se Adelaide amar alguem, não sei como lhe recusaremos o nosso consentimento...

— Até lá... esperemos, respondeu Augusta.

A conversa parou n’isto; porque aquelles dous consortes distanciavão-se muito; um tinha a cabeça nos prazeres ruidosos da mocidade, ao passo que a outra meditava exclusivamente em si.

No dia seguinte Gomes recebeu uma carta de Vasconcellos concebida n’estes termos:

« Meu Gomes. — Occorre uma circumstancia inesperada; é que Adelaide não quer casar. Gastei a minha logica, mas não alcancei convencêl-a. — Teu Vasconcellos. »

Gomes dobrou a carta e acendeu com ella um charuto, e começou a fumar fazendo esta reflexão profunda:

— Onde acharei eu uma herdeira que me queira por marido?

Se alguem souber avise-o em tempo.

Depois do que acabamos de contar, Vasconcellos e Gomes encontrão-se ás vezes na rua ou no Alcazar; conversão, fumão, dão o braço um ao outro, exactamente como dous amigos, que nunca forão, ou como dous velhacos que são.