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O Sol (Aureliano Lessa)

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Ele é o rei da luz, entronizado
Na cúpula dos céus:
Talvez anjo revel incendiado
Pelo sopro de Deus.

No palácio do tempo ele calcula
Do movimento a idade;
Fiel ministro os séculos açula
Ao mar da eternidade.

Povos e mundos a seus pés baqueiam
Do tempo na voragem;
Mas seus louros cabelos não branqueiam,
São do infinito a imagem.

Que olho d'homem jamais fitar pudera
essa fronte de Rei,
Se até seus mandos só de longe impera
Dos cometas a grei?

Astro, tu és a imagem da virtude:
Tranquila na desgraça,
Que espanca as trevas do caminho rude
Por onde o justo passa.

Em vão sacode o mar a espumea clina
Para manchar-te, ó Sol;
Em vão peneira o céu turvo neblina
Em pálido lençol.

Em vão! Sorris do mar iníqua ira;
A nuvem não te encobre;
Ri da inveja a virtude; ela transpira
Dos andrajos do pobre.

Soçobra o mar erguidos hemisférios,
Tomba o rijo penedo;
O anjo da destruição varre os impérios,
Mas o sol está quedo.
 
É a urna, que a luz eterna espelha!
E do raio, que encerra,
Descosido em milhões, cada centelha
Verte um dia na terra.

Quando entre as nuvens hibernais reflete
Seus cálidos fulgores,
Verdeja o prado, a neve se derrete,
Desabrocham as flores.

Aquece o órfão nu; ele é a imagem
Da eterna providência;
Farol que indica o porto da viagem
Nos mares da existência.

Quem pode olhar-te, ó sol, sem ter desejos
De ler-te a augusta sina?
Quem pode lê-la sem visar lampejes
De uma glória divina?

Quando eleves a face soberana
Entre as nuvens da aurora,
Sorri-se a terra, e a família indiana
Prosternada te adora.

E quantos mundos, cuja vida o brilho
De um teu olhar produz!
E quantos giram em perene trilho
Em torno à tua luz!

Ah! que, se Deus dos homens esquecido,
Te fechasse na mão,
Fora um túmulo o orbe, submergido
Em gelo e escuridão...

E quem sabe se um túmulo inflamado
Pelo fogo do inferno,
E das almas dos réprobos fechado
Por cadeado eterno!

Quem sabe? Tu és como a consciência
Ardente do perversor
Ela não dorme, e abrasa a existência,
-Tu ardes no Universo!

Oh! tu, letra de fogo a mais brilhante
Do poema celeste!
Fonte do movimento, e que um instante
Inda não te moveste!

Um dia, quando o Eterno alçando o braço
Num pavoroso brado"
- BASTA, disser, estalarás no espaço
Extinto, aniquilado!

O caos há de sorver-te, o seio abrindo
Com hórrido fragor...
Depois... silêncio! e após hosana infindo
Dos anjos ao Senhor...

Olho do céu, insana consciência
De toda a criação,
Quem és, brilhante enigma? Ó Providência.
Quanto é fraca a razão!