O Soldado Espanhol/VII
L'époux, dont nul ne se souvient,
Vient;
II va punir ta vie infame,
Femme!
V. Hugo
Era noite hibernal; girava dentro
Da casa do guerreiro o riso, a dança,
E reflexos de luz, e sons, e vozes,
E deleite, e prazer: e fora a chuva,
A escuridão, a tempestade, e o vento,
Rugindo solto, indómito e terrível
Entre o negror do céu e o horror da terra.
Na geral confusão os céus e a terra
Horrenda simpatia alimentavam.
Ferve dentro o prazer, reina o sorriso,
E fora a tiritar, fria, medonha,
Marcha a vingança pressurosa e torva:
Traz na destra o punhal, no peito a raiva,
Nas faces palidez, nos olhos morte.
O infanção extremoso enchia rasa
A taça de licor mimoso e velho,
Da usança ao brinde convidando a todos
Em honra da esposada: — À noiva! exclama
E a porta range e cede, e franca e livre
Introduz o tufão, e um vulto assoma
Altivo e colossal. — Em honra, brada,
Do esposo deslembrado! — e a taça empunha
Mas antes que o licor chegasse aos lábios,
Desmaiada e por terra jaz a esposa,
E a destra do infanção maneja o ferro,
Por que tão grande afronta lave o sangue,
Pouco, bem pouco para injúria tanta.
Debalde o fez, que lhe golfeja o sangue
D'ampla ferida no sinistro lado,
E ao pé da esposa o assassino surge
Co'o sangrento punhal na destra alçado.
A flor purpúrea que matiza o prado,
Se o vento da manhã lhe entorna o cálix,
Perde aroma talvez; porém mais belo
Colorido lhe vem do sol nos raios,
As fagueiras feições daquele rosto
Assim foram também; não foi do tempo
Fatal o perpassar às faces lindas.
Nota-lhe ele as feições, nota-lhe os lábios,
Os curtos lábios que lhe deram vida,
Longa vida de amor em longos beijos,
Qual jamais não provou; e as iras todas
Dos zelos vingadores descansaram
No peito de sofrer cansado e cheio,
Cheio qual na praia fica a esponja,
Quando a vaga do mar passou sobre ela.
Num relance fugiu, minaz no vulto:
Como o raio que luz um breve instante,
Sobre a terra baixou, deixando a morte.