O Teles e o Tobias/VI

Wikisource, a biblioteca livre

Manoel Tobias não podia sofrer impunemente a derrota. Retirou-se às suas tendas e entrou a refletir nos meios de tirar uma desforra tremenda, e aniquilar de uma vez o subdelegado Chico Teles.

Muitas lhe lembraram, mas Tobias, apesar do fervor em que estava, podia refletir no perigo de uma nova derrota, se o plano não fosse inteiramente eficaz.

Mortificava-o sobretudo a idéia de que ele, juiz de paz tão estimado do povo, pudesse ser vencido na ocasião da eleição da irmandade de S. Francisco. É verdade que nesse pleito não estavam empenhados os interesses políticos da vila; todavia, o bom juiz de paz assustou-se com a direção que iam tomando os espíritos, e meditou profundamente nas modificações da opinião pública.

O que lhe pareceu mais sensato, no fim de uma hora de reflexão, foi aguardar as eleições municipais e políticas que se deviam fazer naquele mesmo ano.

Entretanto não lhe pareceu desacertado lançar algumas sementes à terra, e começou enviando para o governo do Rio de Janeiro uma coleção do Farol, com os artigos que descompunham Chico Teles marcados a tinta vermelha.

O ministro recebeu os jornais, e sem abri-los, deu-os a um filho, que fez da prosa de Manoel Tobias chapéus armados e canudos.

Novo presidente foi tomar conta da província, e uma circular dirigida a todas as autoridades declarou-lhes que a administração nova seguiria os passos da primeira.

Quando a circular chegou às mãos de Manoel Tobias, conversava este com o padre vigário.

— É um novo presidente, disse Tobias.

— Safa! exclamou o vigário, é quase um por mês. Parece que o governo não tem outro fim senão dar às províncias o espetáculo de novas caras. E a política?

— É o statu quo.

No dia seguinte as duas folhas adversárias harmonizavam-se num ponto: era em lançar às ventas do novo presidente o turíbulo da adulação.

Faltavam poucos meses, e o novo presidente, que fora apenas com o fim de presidir à manifestação da opinião pública, começou a ativar neste sentido as forças e as influências locais.

Manoel Tobias e Chico Teles foram contemplados no número dessas influências, e receberam ordens positivas da capital. A lista dos candidatos à deputação era toda definida; não se podia duvidar das opiniões dos futuros representantes; mas a verdade é que a vila não os conhecia.

Manoel Tobias, cuja autoridade nascia do voto popular, acatava, todavia, a influência do governo, era um homem do governo, destes de votar em lista fechada, ainda que vote contra si.

Chico Teles, porém, apesar do seu amor às ordens de cima, teve uma idéia infernal: a de dar de mate à influência de Tobias, substituindo o último nome da lista, por outro de sua escolha: desde que o seu candidato fosse eleito estava morto o Tobias.

O caso era arriscado, e o menos que lhe poderia acontecer era a demissão do cargo, depois de acabadas as eleições.

Mas Chico Teles fiava-se em duas coisas: primeiramente no tato com que arranjaria as coisas, de modo a saber-se tarde da sua traição; depois na influência que gozava ma vila. A vitória da irmandade de S. Francisco tinha-lhe inchado muito os odres da vaidade, e o subdelegado já se dava ares de Júpiter Tonante.

Quem seria o candidato? Aqui estava a dificuldade. Chico Teles não queria abrir-se com qualquer dos homens principais do lugar, sem estar certo do ocorrido. Teve uma idéia: convidar o sr. Anselmo, redator do Azorrague, para uma liga da qual resultaria vencer a chapa governista, e dar baque à influência de Tobias.

Foi, com efeito, à casa do jornalista.

— V. S. por aqui?! exclamou o sr. Anselmo.

— É verdade, meu caro, apesar das nossas dissidências. Venho propor-lhe uma liga.

— Uma liga! para quê?

— Promete que, no caso mesmo em que não aceite a proposta, nada revelará?

— Prometo.

— Pois bem. É chegada a ocasião de dar baque ao Tobias. A vila não pode continuar mais a suportar um ente nulo, desprovido dos recursos intelectuais, sem amor ao bem público, antítese do cargo que lhe conferiu o voto popular...

Chico Teles, sem querer, estava repetindo o artigo que na véspera publicara na Atalaia, o que fez sorrir o sr. Anselmo.

— Mas, enfim, que quer V. S.?

— É simples: quer o senhor ser deputado?

— Eu?

— Sim, é meu candidato; eu suprimo o último nome da lista mandada pelo presidente, e faço elegê-lo. Quer?

— Não posso, sr. Teles; eu não me ligo, nem a V. S. nem ao juiz de paz. Eu estou só, e não ambiciono cargo algum na república.

— Mas eu não lhe falo em república... Não é uma revolução o que quero fazer...

O sr. Anselmo sorriu.

Nisto entrava um tipógrafo com provas do Azorrague, para o sr. Anselmo.

— Olhe, disse este, veja se eu posso ligar-me a algum dos senhores. Eis o que eu digo de ambos amanhã:

A vila vai naturalmente gozar de um espetáculo raro e de graça: é a luta eleitoral entre os srs. Teles e Tobias. Já na irmandade de S. Francisco deu-se uma amostra do que podem valer estes dois indivíduos; mas agora há de ser melhor. Ora, a população e o governo podem praticar um ato edificante e patriótico: é mandar passear os dois contendores...

O sr. Anselmo ainda lia, e já Chico Teles batia longe, fulo de raiva.