O Teles e o Tobias/VII

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Chegando à casa Chico Teles começou a refletir; estava desarmado; dali em diante o sr. Anselmo podia atacá-lo por todos os modos; ele não podia responder...

Entretanto, era preciso a todo o custo achar um candidato; Chico Teles continuou a trabalhar para descobri-lo, até que bate com a mão na testa, exclamando:

— Achei!

Mandou chamar Alfredo, e disse-lhe:

— Meu filho, vou propor-te uma idéia grandiosa.

— Fale meu pai.

— Quais são as tuas ambições?

— Casar-me com a filha do Tobias.

— Mau! já te disse que não olhes para ali. Ligar-me eu a um Tobias, não faltava mais nada! — Mas o que eu te pergunto é se não tens aspirações políticas?

— Isso...

— Tens, deves ter.

— Por que pergunta? disse Alfredo com algum interesse.

— Queres ser deputado?

— Deputado!

— Geral. — Queres ir ao Rio de Janeiro, falar da tribuna, interpelar os ministros, deitá-los abaixo e quem sabe? ser tu mesmo conselheiro da coroa?

— Mas como?

— Já te vás interessando. Como? É facílimo. Queres?

— Quero, decerto.

— Pois conta com o diploma.

E Teles entrou a explicar ao filho o seu pensamento, pedindo-lhe o maior segredo. O plano assentado foi que Alfredo se apresentaria candidato, ao passo que o pai defenderia a lista vinda do presidente, parecendo assim achar-se em oposição ao filho; isto era apenas para iludir o presidente e o ministério, até depois da eleição. O essencial era que as personagens da vila soubessem do caso, a fim de ter a derrota de Tobias todo o valor.

Alfredo era tão vaidoso quanto seu pai; aceitou a candidatura, parecendo-lhe até que esse seria um meio fácil de se aproximar da filha do Tobias.

— Desde que eu for deputado, o juiz de paz abate as bandeiras e eu caso-me...

As eleições estavam próximas. Os candidatos começavam a aparecer e a visitar as influências; formaram-se as listas de eleitores, e cada um dos dois contendores fez a sua, escrevendo para o presidente que respondia pelos homens escolhidos. O único que entrara em ambas era o padre vigário. Este vigário vivia em paz no meio do temporal, graças aos sistema que adotara de jantar alternativamente com os dois heróis, aos quais distribuía exortações de paz e de concórdia.

Que fez, porém, o sr. Anselmo? A proposta de Chico Tobias abriu-lhe os olhos. Por que não seria ele candidato? A sua folha tinha influência, era a de maior circulação. Os jornais do Rio de Janeiro tinham mesmo transcrito alguns dos seus artigos. Ele não tinha compromissos oficiais; era independente. Resolveu, pois, ser candidato e furar a chapa ministerial.

Assim ficaram as coisas, quanto às eleições políticas.

Restavam, porém, as eleições municipais, e Teles viu desde logo que havia a maior vantagem em dar esse primeiro golpe, o mais importante de todos, em Manoel Tobias; Manoel Tobias por seu lado compreendeu que da primeira batalha dependia a sua influência na vila, e reuniu todas as suas forças.

Quando faltavam quinze dias apenas para as eleições municipais, a vila tomou um novo aspecto: era tudo eleição. Rolava o dinheiro, choviam os empenhos, as folhas saíam recheadas de louvores e invectivas. Reunião e banquetes não faltavam. Era uma confusão.

Surgiu finalmente o dia da eleição.

Nessa manhã dizia o Farol:

Hoje a vila de *** vai mostrar se possui ou não as virtudes do amor e da gratidão. O benemérito sr. Manoel Tobias, juiz de paz há tantos anos, amigo do povo, levantado pela opinião pública, caráter verdadeiramente romano, adoçado pelas mais puras virtudes patriarcais, apresenta-se de novo ao povo para lhe pedir o batismo eleitoral.

Nenhuma compressão, nenhuma influência indébita será exercida contra o votante; fica-lhe livre o voto, mas se ele quer que o voto seja digno é votar no ilustrado e integérrimo juiz de paz.

Votantes, às urnas! às urnas!

Chico Teles não se descuidara de imprimir um contra-veneno, e disse na Atalaia desse dia:

Depois de uma opressão de longos anos, apresenta-se hoje aos votantes desta vila uma nova lista para juizes de paz.

Votar nessa lista, e dar derrota à lista contrária, é decretar e felicidade do povo, é mostrar que desde 1789 caíram os tiranos, e que as cabeças fumantes dos déspotas são as lições das populações que se prezam.

O desprezível Manoel Tobias não pode continuar a dominar esta vila, e os homens livres devem protestar contra ele, apeando-o do cargo.

Um lavrador, que era assinante das duas folhas, leu os dois artigos, e disse para a mulher:

— Ó Teodora, em quem devo votar? Um diz que vote no sr. comendador Tobias, outro diz que não. Que devo fazer?

— Antônio, o melhor é não te meteres nisso...

— Mas eu devo votar...

— Então vota em ti.

— Dizes bem, mulher. Em mim, no Antônio, no Arruda, e no Ezequiel.

— Aí está.

Fez-se a eleição, e ambos tiveram vitória. Como? A chapa de Tobias venceu por um voto.

Nenhum deles ficou contente.

Tobias não pôde mesmo assistir à vitória; quando se ia ler a última cédula, que era a decisiva, o juiz de paz desmaiou.