O Teles e o Tobias/X

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A casa da câmara regurgitava de povo, oferecendo um espetáculo único — um espetáculo eleitoral.

No centro estavam a mesa e a urna, com os mesários à roda, e o presidente à cabeceira. A urna, a duvidosa vestal política destes tempos, estava ainda fechada com os sete selos do apocalipse.

Era um falatório geral; grupos de um lado e de outro discutiam a eleição, trocavam listas, riscavam nomes, tomavam notas; daqui engendrava-se um protesto, dali imaginava-se um distúrbio, no caso de perda da eleição. Era um caos. Finalmente começou a chamada, e os eleitores foram paulatinamente deitando na urna as suas cédulas.

O sr. Anselmo, apesar de ser o mais sério de todos os candidatos, nem por isso deixava de apresentar a feição característica daquelas ocasiões, e cabalava como qualquer dos outros; dizia-se que ele seria eleito, mas ninguém ousava afirmar que Alfredo Teles deixaria de sê-lo igualmente, e nesta esperança se consolava o filho do subdelegado.

Recolhidas as cédulas, começou o trabalho da apuração. Venceu a chapa do governo, exceto em um dos nomes, que foi substituído pelo do sr. Anselmo.

Alfredo Teles saiu suplente em décimo lugar.

A lista vencedora foi esta:

Luís Barreto (primo do presidente da província).... 69 votos.

Antônio Barreto (afilhado de crisma do ministro do Império).... 67 votos.

Pantaleão Soares (oficial de uma secretaria no Rio de Janeiro) .... 59 votos.

Pedro Mota (credor de dois ministros).... 59 votos.

José Batista (ex-adversário do governo).... 58 votos.

Honório Bandeira (cunhado de um oficial maior).... 58 votos.

Jerônimo Gouvêa (primo de um cunhado da mulher do chefe de polícia da província).... 57 votos.

Anselmo (redator do Azorrague).... 56 votos.

Caio Barroso (filho do general das armas).... 55 votos.

Quando este resultado foi proclamado, houve uma gritaria geral. Alfredo Teles, ajudado pelo pai, queria turvar águas, e tinham já dado de olho a alguns capangas, para agredirem a mesa, destruírem as listas e os papéis todos, talvez mesmo o presidente, e anular deste modo a eleição.

Quos vult perdere Jupiter dementat. Chico Teles estava azafamado, passava a palavra aos capangas, e já ia começar a barafunda, quando um oficial de polícia, às ordens de Tobias, pôs-lhe a mão em cima, e foi levá-lo à presença do adversário.

Quando Manoel Tobias viu diante de si o famoso Chico Teles, fulo de raiva e de humilhação, não pôde conter um sorriso de satisfação. O oficial expôs-lhe o caso, Chico Teles protestou, dirigindo algumas palavras injuriosas ao juiz de paz. Este levantou-se com o lábio trêmulo, e gritou:

— Levem-no para a cadeia!

A estas palavras levantou-se uma grita horrenda: protestos, reclamações, vivas, morras, tudo isso temperado por alguns sopapos anônimos e cachações invisíveis.

Mas Tobias persistiu na sua ordem, e Chico Teles saiu dali para a cadeia, gritando contra os abusos de autoridade, a ira dos tiranos, e a imolação dos direitos e liberdades, palavras todas que os prelos da Atalaia já estavam cansados de imprimir.

Alfredo Teles fazia coro com o pai.

Tobias saiu triunfante e dirigiu-se para casa no meio de uma ovação.

Mas, ai! lá o esperavam grandes dores.

Elisa Tobias, como os leitores da Semana sabem, tinha sido raptada, na véspera, por Alfredo Teles, e dera ordem a um escravo de nada dizer a seu pai, senão depois da eleição. Quando Manoel Tobias chegou à casa achou tudo em alvoroço.

— A menina desapareceu, diziam todos.

Tobias caiu em uma cadeira.

Tinha achado a rocha Tarpéia ao lado do Capitólio.

Entretanto, convinha obrar e não lamentar-se. Manoel Tobias indagou da hora em que se dera o desaparecimento, e como era natural, atribuiu a Alfredo a cumplicidade do fato.

Quis mandar buscar o rapaz debaixo de vara; mas ocorreu-lhe que já entrara muito pela via do arbítrio, e resolveu-se ir ele próprio falar ao filho do seu contendor.

Alfredo estava em casa, e preparava um artigo furibundo para a Atalaia, cuja redação em chefe assumiu, quando lhe anunciaram a visita de Manoel Tobias. Mandou-o entrar.

— Que me quer V. S.? disse ele apenas viu o juiz de paz.

— Venho saber o que é feito de minha filha?

— Não sei.

— Não sabe! Mas eu sei... Há de dizer-me onde ela está, ou eu mando-o fazer companhia a seu pai na cadeia.

Estas últimas palavras foram um raio de luz para Alfredo Teles.

— Eu sei onde ela está.

— Ah! sim! Onde é?

— Oh! isso não! Ela por ele: a filha pelo pai; entrego-lhe Elisa, mas V. S. há de passar já o mandado de soltura do sr. Chico Teles, meu pai.

— Mas isso!...

— É se quiser.